O milionário que quer ser patrão de Nova Iorque
Vive num bairro luxuoso de Manhattan. Em Londres tem uma casa com as paredes forradas de obras de arte e em Ascot possui um camarote para assistir às corridas. Tem uma casa de férias nas Bermudas. Anda num Cadillac Fleetwood com motorista. Vale cinco mil milhões de dólares, tem 59 anos e as mulheres sonham em fugir com ele. Por que razão quer Michael Bloomberg ser presidente da câmara de Nova Iorque?
Aos 59 anos, Michael Bloomberg só tinha que aproveitar a fortuna. Vale cinco mil milhões de dólares, quantia que faz sorrir os homens e suspirar as mulheres. Decidiu candidatar-se ao cargo de presidente da câmara de Nova Iorque. Porquê? "Ou sentimos que podemos mudar o mundo, ou não", respondeu o "milionário anti-bimbo", como lhe chamou o jornal "New York Post".Nunca antes na História da cidade - na verdade na dos Estados Unidos - um homem tão tremendamente rico tentara ser "mayor" de uma cidade. Michael Bloomberg não tem qualquer experiência política. Nunca foi eleito para qualquer cargo. Era, até ao ano passado, o presidente do conselho de administração do império Bloomberg - deixou o lugar porque era incompatível com a campanha eleitoral -, um aglomerado de empresas de "media" que junta um serviço de informação financeira com uma rádio, uma televisão e alguns periódicos. Na terça-feira, dia de primárias em Nova Iorque, Bloomberg deverá ser formalmente nomeado candidato às municipais pelo Partido Republicano. As primárias são as eleições que os partidos realizam para, de entre os muitos candidatos que aparecem em cada formação política, escolherem quem os representa nos boletins de voto. Bloomberg tem a nomeação praticamente assegurada. O outro candidato republicano, Herman Badillo, não tem hipóteses e, durante meses, foi pressionado a desistir. Bloomberg apareceu, por milagre, para preencher um vazio no Partido Republicano, que foi incapaz de produzir um herdeiro para Rudolph Giuliani, o presidente da Câmara que está a terminar o segundo mandato de quatro anos que a lei lhe permite. O milionário tem o apoio de toda a maquinaria partidária, local e nacional - ainda na semana passada o senador John McCain, que foi candidato à presidência, lhe deu o seu apoio. "Ele vai dar um óptimo candidato, e vai ser um grande presidente de câmara", disse o governador de Nova Iorque, George Pataki (apesar de na região os democratas registados baterem os republicanos por cinco para um, os últimos conseguiram os dois principais cargos governativos). Giuliani tem-se mantido silencioso sobre o processo, mas sabe-se que gosta da candidatura de Bloomberg, que se apresentou como seguidor das suas filosofias e métodos. Os republicanos acreditam que só uma figura com o impacto - leia-se o prestígio e o dinheiro; está a financiar a campanha com a sua fortuna, estando disposto a gastar até 30 milhões de dólares - de Bloomberg poderá ajudá-los a manter a presidência da Câmara. Foi por isso que não hesitaram em aceitar este vira-casaca. Até ao ano passado, Michael Bloomberg foi democrata. Como os democratas já tinham quatro candidatos às primárias, mudou de partido. "Eu sabia que como democrata não conseguiria", explicou, frontalmente, Bloomberg.Talvez nos debates pré-eleitorais (o novo "mayor" é escolhido em Novembro) alguém se lembre de perguntar a Bloomberg se a mudança de partido, além de pragmatismo, não denota também falta de princípios. Por enquanto, Bloomberg comenta o que lhe apetece, responde ao que quer e evita entrevistas, preferindo falar com os jornalistas em actos de campanha, o que não deixa de ser estranho quando se sabe que a maior parte dos sete mil empregados que tem em todo o mundo são jornalistas. Bloomberg não está habituado a dar explicações sobre as suas decisões. A espécie de desprezo com que olha os "media" explica-se com a circunstância de ser o patrão de um grupo de informação, mas nunca ter trabalhado no ramo.Michael Bloomberg é filho de um contabilista de Medford, no Massachusetts. Em casa, o dinheiro nunca abundou. Mas a mãe, Charlotte, era uma mulher de bom gosto. Quando o filho partiu para a Universidade Johns Hopkins - pagou as propinas com empréstimo, nunca foi um aluno brilhante, dos que ganham bolsas de estudo - fez-lhe uma lista com a roupa que combinava - que casaco joga com que calças e com que pullover... Charlotte, que tem 92 anos e é viúva, recusou sempre ajuda financeira do filho. Assim, quando Michael lhe envia um carro para a transportar a qualquer lugar, faz questão de lhe pagar. Envia-lhe cheques.Da Johns Hopkins, partiu para a prestigiada Harvard Business School. E, daí, para Nova Iorque e para a firma Salomon Brothers, onde conheceu a mulher inglesa de quem se divorciou em 1993 (duas filhas). Solteiro e rico, só namora mulheres com mais de 50 anos - diz que tem pouco em comum com as mais novas - e foi em parte por isso que o "New York Post" lhe chamou milionário anti-bimbo. Mas não só. O "Post" também gostou da forma como o novo-rico (fez fortuna nos últimos 20 anos) gastou o dinheiro. Vive na zona mais luxuosa de Manhattan, o Upper East Side, e montou a sede das suas empresas na selecta Park Avenue. Tem em Londres, para onde viaja no avião particular, uma casa repleta de obras de arte. Também possui uma companhia de helicópteros (e sabe pilotá-los), um camarote em Ascot, uma casa de férias nas Bermudas e anda em Nova Iorque num Cadillac Fleetwood cinzento com motorista. Se for eleito "mayor", prometeu, irá para o trabalho de metro e até já comprou o passe. Nos anos 70, mudanças na Salomon Brothers obrigaram Bloomberg a passar do "trading", a actividade de que mais gostava, para a gestão dos programas informáticos da firma. Pouco tempo depois, foi despedido. Na auto-biografia de 1997 - e agora recuperada pelas livrarias; talvez porque tenha escrito que não estava interessado em cargos políticos -, explica o que aconteceu a seguir. Criou um serviço online de informação financeira, que é hoje usado em todo o mundo. Há dez anos, criou a segunda componente da empresa - a televisão e a rádio, para dar em primeira mão noticias relacionadas com as finanças e os mercados de capitais. Na auto-biografia explica que a televisão, a rádio e os periódicos lhe dão muito prejuízo, mas também muito prestígio.O elegante magnata tornou-se um dos homens mais influentes de Nova Iorque. Conhece toda a gente que vale a pena conhecer, desde Liz Smith (a rainha das colunas sociais), a Barbara Walters, vedeta da televisão de 69 anos, que garantiu que se Bloomberg fosse mais velho fugia com ele. É amigo do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, do secretário de Estado, Colin Powell, assim como do presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn. As festas patrocinadas por Bloomberg são tão famosas, pelos participantes e pelos menus (muito caviar, muito sushi), que o seu principal adversário democrata, o actual promotor público de Nova Iorque, Mark Green, chegou a dizer: "Prometa-me que se eu ganhar você fornece o banquete da minha festa de tomada de posse". Há uma festa famosa associada a Bloomberg. Em 1999, fizeram-lhe um jantar de homenagem em que foi passado um vídeo comparando o seu percurso ao de William Randolph Hearst, o patrão da imprensa e amigo das estrelas de Hollywood que inspirou Orson Welles a fazer "Citizen Kane". Apesar deste perfil, não se deve confundir Bloomberg com um diletante com um capricho: ser presidente da câmara da cidade mais famosa do mundo. Michael Bloomberg não é Steve Forbes, o milionário que tentou ser Presidente dos Estados Unidos e, nos comícios, oferecia hamburguers em tendas aquecidas. Bloomberg é um mecenas. No ano passado, doou 300 milhões de dólares a instituições culturais e de caridade (para programas de educação, de habitação social, de saúde). Está, por isso, nos conselhos de administração do Metropolitan Museum e do Lincoln Center. E é comum participar em programas de voluntariado, daqueles em que grupos de pessoas se juntam, arregaçam as mangas das camisas e constroem casas para famílias desfavorecidas.Bloomberg quer gerir Nova Iorque como uma empresa. A sua empresa, onde há quem o acuse de déspota. Os funcionários da Bloomberg tem os email controlados, porque o patrão não quer que se use linguagem obscena ou se troquem anedotas. Câmaras de segurança seguem os passos dos empregados da sede. Bloomberg chegou a ponderar fazer o mesmo na cidade, caso fosse eleito. Outros tecem-lhe elogios. Na Bloomberg, os directores trabalham ao lado dos outros funcionários, comem todos a mesma comida na mesma cantina e todos recebem salários muito acima da média. "Nova Iorque nunca teve um presidente do conselho de administração", disse à "New York Magazine" o corretor da bolsa Harold Doley, que apresentou Bloomberg a um dos mais influentes dirigentes da comunidade negra, Al Sharpton. Bloomberg está a construir bases para suprir o que considera ser uma falha de Giuliani: o actual presidente da câmara não tem uma boa relação (na verdade nunca tentou ter qualquer relação) com as minorias que formam o mosaico nova-iorquino. Numa cidade onde, volta e meia, se discute a necessidade de se avançar para as duas línguas oficiais, devido ao peso da comunidade hispânica, Bloomberg decidiu aprender castelhano.Michael Bloomberg assume que não conhece a cidade como os outros candidatos. Mas está a estudar. Há meses que percorre os bairros nova-iorquinos. Conversa com as pessoas, faz perguntas sobre os problemas locais e pessoais. Uma das ideias do candidato republicano é criar uma linha telefónica que registe as queixas dos habitantes. A ideia é que cada problema apresentado seja solucionado em 24 horas. A filosofia política de Bloomberg é responder às necessidades de cada indivíduo, de cada bairro - a personalização dos serviços foi a chave do sucesso da sua base de dados financeira. De resto, Michael Bloomberg quer ser um continuador de Giuliani, tornando a cidade ainda mais segura e reabilitando o que ainda falta reabilitar. Disse que a um "mayor" forte deve suceder outro ainda mais forte. E explicou que a sua diferença não está nas propostas, nas promessas, mas na mais valia que o seu próprio nome significa: "Não vão encontrar grandes diferenças entre o meu programa e os dos outros candidatos. Mas se conseguiram votar duas vezes em Rudy, que é um verdadeiro republicano, mais facilmente poderão votar em mim, que sou um pseudo-republicano".