Alan Cumming, olhem para ele
Quem o viu na Broadway, lembra-se dele. Quem não o viu também. O escocês Alan Cumming escreveu e dirigiu o seu primeiro filme, "Um Casamento Atribulado", com Jennifer Jason Leigh. Às vezes passavam realmente das marcas.
Alan Cumming é o tipo de pessoa que diz o que pensa e di-lo muitas vezes de uma forma engraçada. O facto de ser natural da Escócia explica em parte a sua viva personalidade e, embora seja muito baixo, a sua presença impõe-se. Aliás, como mestre de cerimónias em "Cabaret", na Broadway (que ganhou o Tony Award), encheu todo o teatro. Este é ainda o papel pelo qual é mais conhecido. Pelo menos, nos Estados Unidos. "Aconteceram-me muitas coisas importantes por causa disso," diz. "É muito interessante porque, quando vou a algum lado, as pessoas dizem: 'Você entrou em 'Cabaret'', mas depois confessam que nunca o viram. A minha personagem e as imagens do espectáculo entraram no imaginário da cultura americana por uns tempos, e é realmente interessante que o teatro tenha todo esse poder, numa era dominada por filmes e pela televisão." Obviamente Cumming, com os seus olhinhos pequenos e o grande sorriso maroto, deixa sempre uma impressão duradoura. Por isso mesmo, foi frequentemente convidado para papéis menores em grandes filmes e ultimamente fez "montes de dinheiro" como vilão em "Josie and The Pussycats" e "Spy Kids", filmes que, admite,lhe agradaram. Estes permitem-lhe realizar outros projectos, onde pode exercer a sua inclinação para a escrita, como aconteceu em duas curtas-metragens. No ano passado, juntamente com Jennifer Jason Leigh, uma grande amiga, com quem contracenou em "Cabaret", escreveu e dirigiu o seu primeiro filme, onde os dois desempenham o papel de um casal de actores com dificuldades em salvar o casamento, no meio da loucura de Los Angeles. O filme abre com eles na cama. Não foi estranho fazê-lo com a sua amiga? Alguma vez tiveram um entendimento sexual? "Jennifer e eu? Não. De vez em quando acariciamo-nos, mas nada mais abaixo," responde, sempre a brincar. Na verdade, o processo de representar e dirigir simultaneamente ficou mais fácil por causa da amizade entre ambos. "Nas nossas cenas juntos, aconteciam milhões de coisas. Agora rimo-nos pelo facto de, na altura em que rodámos as cenas de sexo, nem sequer falarmos literalmente sobre isso. Eu tinha a minha cara praticamente nas cuecas dela antes de percebermos que já tínhamos começado, porque nos sentíamos tão à vontade um com o outro. Portanto, isso ajudou definitivamente, bem como o facto deste filme ser um teste a dois, além do sentido de humor quando estávamos a escrever o texto... Meu Deus, às vezes passava realmente das marcas." A acção do filme passa-se na moderna casa do casal em Hollywood Hills, onde o escritor e argumentista interpretado por Cumming e a sua bela mulher, uma vedeta envelhecida, dão uma festa de aniversário de casamento e convidam todos os amigos, e até alguns inimigos como os vizinhos do lado. Gwyneth Paltrow é a vedeta jovem e capitosa que terá o papel principal no filme baseado no último argumento de Cumming, que é claramente a história do seu turbulento casamento. Depois de um jogo de adivinhas - altura em que travamos conhecimento com todos os convidados - Paltrow põe algum ecstasy à disposição e todos os presentes têm a oportunidade de exprimir livremente as suas emoções - e cumprem. Paltrow tem aqui uma das suas representações mais subtis, ao passo que Kevin Kline, no seu tão pessoal estilo cómico, contracena com a esposa da vida real, Phoebe Cates, e os dois filhos, que herdaram obviamente a excentricidade do pai, e provavelmente também o seu talento. Cumming dirigiu um workshop de consumo de ecstasy "para ter a certeza de que todos estariam a par do tipo de comportamento que se tem quando se toma". Porque, se há coisa que ele detesta "é uma má representação quando se trata de drogas - alguns actores não sabiam como agir sob a influência de ecstasy". Sem revelar de onde lhe vêm os conhecimentos sobre a droga, o consumo do ecstasy por Cumming na história foi o catalisador perfeito para o desenrolar dos acontecimentos. "Imagino que é o tipo de droga," diz, exibindo um sorriso malicioso, "que a personagem de Gwyneth consumiria e acharia boa ideia levar para a festa. É a droga do amor, a pessoa sente-se muito bem. Também é uma dessas drogas que certas pessoas já experimentaram, outras não, e mete medo. Há uma tensão quando se fala disso mas, em todo o caso, não é como a heroína, que as pessoas não se imaginam a experimentar."Vê-se claramente que Cumming sabe do que fala. É frequente pensar-se também que há uma certa ambiguidade sexual nele, porque muitas vezes gosta de vestir "kilts" ... e que lhe tirem fotografias. Jennifer Beals, uma das actrizes de "Um Casamento Atribulado", confirma que ele aprecia ser observado. "Ora, ela está sob a influência das drogas," riposta ele. "Detesto ser observado. O que ela quer dizer é que gosto que me tirem fotografias, e isso é verdade. Gosto da relação que se estabelece com o fotógrafo, uma pessoa sente-se bem." De facto, a história do filme baseia-se nos problemas das relações passadas entre Leigh e Cumming - em tempos foi casado e também teve uma relação falhada com Saffron Burrows, depois de se conhecerem em "Circle of Friends". Este filme também lançou a sua carreira na América. "Depois de fazer '007, Goldeneye' e 'Emma', convidaram-me para fazer alguns filmes." Mas não era nenhum convite para actor principal. "Não me ajusto à imagem do que deve ser um homem aos olhos de Hollywood. As pessoas querem sempre que eu me porte de uma maneira louca e excêntrica; não me querem ver num papel romântico." Também teve papéis em "Spiceworld", "The Flintstones in Viva Rock Vegas" e "Titus". Mas nenhum deles foi importante e não se coadunavam com a história.Ao mesmo tempo, surgiam outros actores escoceses na nova vaga do cinema britânico e Cumming teria sido a escolha perfeita para a cena em que o actor Ewan McGregor mete a cabeça na retrete em "Trainspotting". "Ah, sim, foi um grande filme. Eu quis participar. Lembro-me de pensar que era tudo muito exaltante, por causa de 'Trainspotting', de todo aquele dinheiro que corria na Grã-Bretanha e uma data de filmes em curso. E depois, claro, começaram a aparecer aqueles filmes terríveis. Todos queriam fazer filmes segundo o novo estilo inglês, tão atractivo, mas não estavam prontos nem escritos. Agora todos dizem que essa vaga acabou e há um sentimento de decepção. Pelo menos, pareceu-me percebê-lo à distância, com curiosidade e tristeza, confesso." Em retrospectiva, tomou a opção certa, ainda que não se sinta na América, e particularmente em Hollywood, como em casa. "Sinto-me um estrangeiro aqui, mas gosto muito de viver em Nova Iorque,pelo que não me sinto tão estranho quanto isso porque aqui há muita gente esquisita. Estou muito satisfeito com o trabalho que faço e com as oportunidades que me são dadas." Em última análise, em vez de perder as suas raízes escocesas, trouxe-as para Nova Iorque. "Todos nos definimos pela nossa nacionalidade e cultura. Se, por um lado,nos afastamos delas, na verdade, sentimo-nos mais escoceses do que quando estamos na Escócia, porque não reparamos nas diferenças quando todos à nossa volta são iguais a nós. Tenho estado tão afastado que percebo agora o que faz de mim um escocês. O meu amigo 'designer' cria roupas para mim e eu queria ter um "kilt", queria apresentar-me como escocês, mas mais subversivo do que o género nacional escocês. Por isso vesti um "kilt" reduzido, com uma pequena racha e um chapéu com uma pena. Estava realmente bem, era uma espécie de guerreiro escocês todo elegante." Agora Cumming está a escrever um romance. "Vou deixar de representar por uns tempos. Estou cansado. Penso que ganhei o hábito de passar de umas coisas para as outras, sem os intervalos necessários e fazendo filmes para suportar o estilo de vida que tenho levado para fazer os filmes que tenho feito. É altura de parar."