Reforma Agrária à moda de Mugabe
Robert Mugabe está no poder, de facto, há 21 anos. Um poder absoluto. Corre o risco de ver o seu reinado findar quando, na próxima primavera, o povo do Zimbabwe votar em eleições presidenciais. Está nervoso. Lançou uma reforma agrária que diz ser a última etapa da guerra de libertação e diz que é para expulsar os agricultores brancos. Mas as motivações são bem mais amplas: os alvos são todos aqueles que não estiverem do seu lado. Entretanto, naquele que foi o "celeiro de África" fazem-se preparativos para enfrentar a fome.
As folhas do tabaco estão moribundas. Os girassóis tornaram-se negros e apodrecem. O campo de trigo de que ninguém cuida ganhou uma cor verde doentia. A Quinta Paarl, de Phil Matibe, transformou-se num baldio de 450 hectares - foi abandonada por causa de um programa de reforma agrária que há dois meses expulsou o agricultor e a família.Os camponeses levados para a quinta por funcionários governamentais desmontaram o tractor de Matibe, derrubaram um montão de árvores para fazerem fogueiras e construirem barracas, saquearam os armazéns onde ele guardava o tabaco, incendiaram-lhe a casa e a colheita de milho. Deixou de haver trabalho e isso deixou cem pessoas sem nada que fazer e com fome; andam pelos campos devastados à cata de grãos e de ratos para comer. E também eles têm dias para deixar a quinta. Essas são as ordens dos administradores provinciais.Na abertura de uma época de campanha em que enfrenta o primeiro desafio eleitoral em 21 anos de poder, o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, apresentou a reforma agrária como a questão que falta resolver da guerra colonial que em 1980 libertou da administração britânica o país da África Austral, a antiga Rodésia. Distorcendo leis e ignorando a pressão internacional, o partido de Mugabe, a União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Patriótica, ou ZANU-PF, tem usado apelos inflamados ao nacionalismo pan-africano e uma promessa veemente de acabar com a pobreza rural para justificar os seus esforços acelerados para transferir as propriedades com o solo mais fértil para negros sem terras.Mas o autêntico assalto à Quinta Paarl serve como exemplo perfeito para os motivos e para a política de Mugabe e para a possibilidade de a colocar em prática com êxito. Matibe não é branco. Também não é britânico. É um zimbabweano negro que há dois anos comprou esta quinta com as poupanças de uma vida. E além disso pertence ao Movimento para a Mudança Democrática, ou MDC, o novo partido emergente que ameaça acabar com o reinado de poder da ZANU.Entre os que receberam parcelas da terra de Matibe estão um banqueiro e três funcionários da polícia que são activistas da ZANU...E, asseguram os críticos, em vez de atenuar a pobreza o programa de Mugabe para instalação de novos agricultores está na verdade a aumentá-la, ao liquidar as colheitas de que o Zimbabwe depende, tanto para exportação como para alimentação, e ao deixar sem casa e sem dinheiro milhares de trabalhadores agrícolas. Tudo isto enquanto o país enfrenta críticas faltas de alimentos e um desemprego galopante."Isto não tem nada que ver com a correcção de um desequilíbrio colonial. Isto tem que ver com a punição de inimigos e a recompensa de amigos. Isto tem que ver com ficar no poder a todo o custo, independentemente do custo que isso tenha para o país ou para a democracia."Os brancos representam menos de um por cento da população de 12 milhões mas são proprietários de um terço da terra cultivável do Zimbabwe. Economistas, peritos em desenvolvimento e funcionários diplomáticos concordam que este facto priva milhões de negros pobres de um recurso crucial numa economia dependente da agricultura.Mas os críticos assinalam que, à medida que a popularidade da ZANU tem vindo a diminuir, Mugabe, de 77 anos, tem utilizado a questão da terra como uma cortina de fumo para dissimular a forma desastrada como o seu partido conduz o país e também como componente principal de um sistema de compadrio que alimenta a devoção política e marginaliza os que não alinham com o seu partido.Os resultados têm sido sombrios num país onde cerca de um terço da população é obrigada a sobreviver com o equivalente a um dólar por dia.Quase 40 pessoas foram mortas nos dezoito meses que passaram desde que multidões de apoiantes da ZANU, comandadas por veteranos da guerra de independência, começaram a ocupar quintas propriedade de brancos. Este assalto às terras começou nas semanas que antecederam as últimas eleições parlamentares e muitos dos agricultores brancos visados eram apoiantes do MDC da oposição.No último mês, confrontos em Chinhoyi, cerca de cem quilómetros a noroeste da capital, Harare, resultaram na expulsão das suas quintas de mais de cem agricultores brancos e das suas famílias. Mais de duas dezenas foram detidos e mantidos na prisão sem fiança, sob acusações de causarem distúrbios públicos.O clima de desordem e a recusa da polícia em intervir levaram os investidores a fugir do país e os doadores a congelar fundos, atirando com a taxa de desemprego para os 60 por cento. No último ano a taxa de inflação cifra-se em 65 por cento e o mês passado uma organização que representa os 4.500 agricultores comerciais do Zimbabwe, na maioria brancos, anunciou que as perturbações causadas pelas ocupações ilegais de quase duas mil grandes quintas reduziriam em mais de 25 por cento, no próximo ano, o volume das colheitas. O Zimbabwe já foi conhecido como o celeiro de África; agora, agências de ajuda preparam-se para importar até 500 mil toneladas de cereais."Penso que a fome é inevitável", afirma Ian Kay, um agricultor branco cujas culturas de tabaco e trigo serão somente metade do que é habitual, consequência da invasão à força da sua quinta, em Junho passado. "Todos os preparativos para as sementeiras foram interrompidos - acrescenta -. Sempre que um dos meus empregados tentava preparar a terra, três ou quatro ocupantes chegavam ao pé do tractor e diziam-lhe para se ir embora, caso contrário pegavam fogo a ele e ao tractor."Jospeh Made, o ministro da Agricultura, anunciou há semanas que o governo tenciona aumentar o ritmo de ocupação de quintas. A área envolvida quase duplicará: dos 4,8 milhões de hectares previstos passará para oito milhões.E com o Congresso dos Estados Unidos pronto a aprovar legislação que impedirá que Mugabe e membros do seu gabinete viajem para os Estados Unidos a menos que acabe a ocupação ilegal de propriedades, diplomatas ocidentais e outros receiam que a violência e a falta de alimentos aumentem nos meses que faltam até às eleições presidenciais da primavera.O ministro do Interior, John Nkomo, sugeriu o mês passado que o partido do governo declare o estado de emergência - e até a lei marcial - se os congressistas norte-americanos aprovarem a legislação proposta - e que a ZANU caracterizou como sanções que poriam em causa a própria segurança nacional do Zimbabwe."E agora falam em sanções?", perguntou há pouco tempo um Mugabe visivelmente irritado durante um comício realizado no feriado nacional para homenagear os guerrilheiros que morreram na guerra da independência nos anos 70. "Mas qual é exactamente o nosso crime? O nosso crime é sermos negros e na América os negros são uma raça condenada."O porta-voz de Mugabe, George Charamba, afirma que as críticas à política de reforma agrária do governo são exageradas e manipuladas por agricultores brancos e por interesses coloniais que procuram preservar as desigualdades económicas que permanecem na África subsariana uma geração depois de a maior parte dos países ter conquistado a independência."Em África sempre tivemos falta de alimentos e sempre teremos falta de alimentos. Esta é uma grande adaptação por que estamos a passar e vai haver um sobressalto económico. Haverá dificuldades, mas são dificuldades associadas com a mudança e a longo prazo essa mudança será em benefício dos zimbabweanos. Trata-se de encontrar um novo lugar para o homem negro na nossa economia."Esse novo lugar é uma coisa incerta. As cerca de 350 mil pessoas que trabalham nas herdades do Zimbabwe representam quase um quarto da força de trabalho do país, mas das 122 mil famílias que o governo diz ter realojado em quintas, menos de 1.900 são de trabalhadores agrícolas negros.Até ao dia de Junho em que um comboio de carros e camiões do governo cheios de ocupantes parou à porta da casa de Phil e Pearl Matibe, trabalhavam na quinta deles 123 pessoas e familiares que viviam em cabanas feitas de lama e erva.Responsáveis provinciais deram aos Matibe e aos dois filhos uma semana para irem embora - e de caminho informaram os trabalhadores que também teriam de partir porque não se tinham inscrito para receber parcelas de terra da quinta."Para onde é vamos?", pergunta Kariba Hanoki, de 59 anos. "Não temos nada. Não temos comida. Não temos sabão. Não temos dinheiro para voltar às áreas rurais de onde viemos." Mais de uma dezena de trabalhadores faz queixas iguais: não têm trabalho, nem comida, nem dinheiro."Estávamos à espera de que o Sr. Matibe nos conseguisse arranjar qualquer coisa. Mas agora compreendemos que ele também está a passar por um período difícil", diz Loyas Konorine, de 30 anos, mãe de dois filhos.Matibe comprou a quinta com o dinheiro ganho numa empresa de munições que fundou, e investiu mais de 150 mil dólares em melhoramentos e equipamento. Embora sejam comuns as queixas de trabalhadores de que recebem pouco e são maltratados, aqui vários testemunhos sugerem que os Matibe eram patrões justos.Charamba, o porta-voz de Mugabe, diz nada sabe deste caso Matibe. Um agricultor negro cuja propriedade foi expropriada por engano pode sempre recorrer para o Ministério da Agricultura, explicou.Matibe, que não tinha um seguro que cobrisse prejuízos causados por violência de origem política, não sabe o que fazer. Não lamenta o seu trabalho com a oposição, por acreditar que Mugabe já ultrapassou o seu prazo de validade e utilidade política. Mas diz que não avaliou bem o grau de desespero da ZANU para se manter no poder,"Nasci e fui criado no Zimbabwe e trabalhar no campo é tudo o que sei fazer - lamenta-se. - Queria dar a quinta aos meus dois filhos. Mas agora não tenho terras... porque tive a audácia, o descaramento... de pensar."© PÚBLICO/The Washington Post