A estrela de Marilyn Manson brilhou pouco tempo
Inércia, autismo, bizarria de comportamento, delírios. A paleta de comportamentos, indispensável a qualquer honesto diagnóstico de hebefrenia, foi detectada na recta final do Festival do Ermal. Anteontem à noite, a pacata vila de Vieira do Minho bem que podia fazer parte de um argumento de Fritz Lang. Um verdadeiro "film noir".O cartaz da última grande etapa do esgotante circuito de Verão seria, aliás, uma excelente publicidade para uma reposição de uma das obras-primas do expressionismo alemão: "M" - ou no português "Matou" - um filme de 1931, que perdeu o título "Murders Amoung Us" por força dos nazis, que não terão ficado fascinados com a subtileza de Lang. É que a décima terceira letra do alfabeto parece ser a preferida de todos os artistas convidados para o encerramento da terceira edição do Ermal. E se os Mind da Gap ficaram conhecidos por meter superficialmente o dedo na ferida, os Mão Morta, os Moonspell e Marilyn Manson preferem as entranhas.Minutos depois de Ace e Presto saltarem para o palco, percebeu-se um invulgar reboliço nas redondezas: os elementos do "staff"" agitaram-se e, em segundos, uma caravana voou para o "back-stage", procurando esconder uma personagem de vestes pretas, rosto lívido e chapéu de "cowboy". "Chegou o Marilyn Manson", susurrava-se. Mas a controversa estrela não se conteve: ordenou a presença de um par de cachorros de "roulotte" e fez questão de marcar a sua presença com um espontâneo fogo-de-artifício bem por cima do camarim. Estava dado o mote para uma noite que definitivamente colocou o Ermal a par dos grandes eventos musicais do Verão.Adolfo Luxúria Canibal foi o primeiro a enfrentar os cerca de 15 mil festivaleiros, que andaram praticamente três dias em regime de poupança de energia de forma a receber condignamente a criatura que se assume como Anti-Cristo. E não foi tarefa fácil. De pijama, o esquizofrénico vocalista dos Mão Morta, contorceu-se como uma enguia através de "Tu Disseste", "Televisão" e "Lisboa", mas foi praticamente obrigado a camuflar o seu prazer na obra de Heiner Müller quando percebeu que o público delirava apenas nas versões mais "trash" de "E se Depois" e "Anarquista" ou com a variante gótica de "Cadáver".A dissociação intelectual entre o artista e o mais simples festivaleiro acabaria por diluir-se na actuação dos Moonspell, que aproveitaram uma performance mediana para promovera fundo "Nocturna" e "Fire Walking", os dois principais temas do álbum "Darkness and Hope". "Vamos impressionar o Manson", gritou Fernando Ribeiro - que, em 1996, chegou a bater aos pontos Marilyn Manson na contagem dos votos para banda revelação pela VIVA...E assim foi. Marilyn Manson pisou o palco, ergueu os braços e as até então ordenadas formiguinhas transformaram-se em perigosas térmites. Os epicentros de confusão espalharam-se um pouco por todo o recinto, à medida que, em palco, uma presença perturbadora exibia o corpo semidespido. O corpete apertado, a cabeleira negra escorrida e as ligeiríssimas teias que cobriam as nádegas do "glam-rocker" acompanharam um pacote de treze temas, que se esgotou em pouco mais de uma hora. Sol de pouca dura para quem vibrou com o novo single retirado de "Holly Wood", "The Nobodies", com o casaco de peles de "Dope Show", com o velho truque da saia interminável de "Crucifiction" e, principalmente, com os hinos "Antichrist Superstar" e "Beautiful People". Principalmente para quem desesperou durante três longos dias e duas noites apáticas.O produto nacional - Zen, Blasted Mechanism e Da Wease - apresentaram-se na máxima força. Os Xutos já fazem parte da mobília, e Mão Morta e Moonspell conseguiram aquecer um palco que desde o início pertenceu a Marilyn Manson.Marilyn Manson é um (?o) anti-herói para muitos, o autor de "Holly Wood" teve uma presença avassaladora. A estrela só brilhou durante escassos 60 minutos, mas todo o Ermal viveu em torno dos boatos, da rebeldia e das provocações de uma autêntica estrela "glam".O segundo dia ficou irremediavelmente marcado pelo cancelamento do concerto dos Foo Fighters. Tudo porque o baterista da banda de Dave Grohl não resistiu a excessos e acabou hospitalizado. Valeu a persistência dos Feeder e a raiva dos Fear Factory - os prémios de consolação. Mas houve, desta vez, no festival de homens de barba rija muitas donzelas. Poucos acompanharam a energia de Rui (Zen), Grant Nicholas (Feeder) abandonou o palco desgostoso, Adolfo Luxúria (Mão Morta) desesperou e o próprio Marilyn Manson terá detectado alguma falta de vontade dos festivaleiros. As baterias estavam esgotadas. A Ritmos & Blues, os organizadores, tem muitos pormenores a rever.