Uma embaixada da cultura portuguesa em São Francisco
Lançar um olhar sobre a produção artística contemporânea portuguesa é o objectivo do festival que hoje se inaugura no Yerba Buena Center for the Arts (YBCA), em São Francisco. O New Portuguese Culture Festival, organizado em parceria com o Ministério da Cultura (MC), leva à costa oeste dos Estados Unidos duas dezenas de artistas nacionais, apresentando trabalhos nas áreas do cinema, design, artes plásticas e performativas. Até 4 de Novembro, o cartaz inclui espectáculos de música e dança, com António Chainho, a dupla Maria João/Mário Laginha, e as companhias dos coreógrafos Paulo Ribeiro e Clara Andermatt. No plano das exposições a oferta é a dobrar. As artes plásticas encontram o seu lugar em "Situation Zero", uma mostra que apresenta trabalhos da autoria de Helena Almeida, Filipa César, João Onofre ou Noé Sendas, enquanto o design ganha expressão em 35 peças assinadas por Fernando Brízio, José Viana, João Félix, Alzira Peixoto ou Carlos Mendonça. O cinema português - uma das apostas fortes - tem por embaixadores, entre outros, Pedro Costa, Teresa Villaverde, Paulo Rocha, Manoel de Oliveira, João César Monteiro e dois dos representantes da novíssima geração- João Pedro Rodrigues e a documentarista Catarina Mourão.Patrícia Salvação Barreto, directora do Gabinete de Relações Internacionais (GRI) do MC, explicou ao PÚBLICO como surgiu o projecto e por que razão se trata de uma "oportunidade única para a cultura portuguesa": "De uma forma ou de outra, a arte portuguesa tem estado presente nos Estados Unidos, sobretudo depois de 1993, ano em que realizámos em Washington a exposição 'O Triunfo do Barroco', mas nunca com a sua produção mais recente. Quando a nossa embaixada em Washington foi contactada, em 1999, com o objectivo de se vir a realizar esta temporada, agarrámos a oportunidade sem hesitar, porque no mercado americano a entrada não é fácil."Para a responsável do GRI, o facto desta ser a segunda vez que o YBCA (fundado em 1993) promove toda uma temporada em torno de apenas um país é em si mesmo significativo. Renny Pritikin, o principal conservador do centro, sublinhou o "carácter de excepção" do evento e falou ao PÚBLICO do que aproxima Portugal daquela cidade americana: "Tanto Portugal como o México [país objecto de uma iniciativa semelhante] atravessam uma situação única. Historicamente, Portugal vê agora as potencialidades de uma geração que cresceu num regime democrático de abertura e entra no século XXI com uma fortíssima energia criadora, beneficiando do afastamento dos grandes centros de poder, tal como São Francisco."Quando chegou a Portugal há pouco mais de um ano, com o objectivo de "analisar a atmosfera artística", Pritikin não sabia com o que contar. "Fui porque a nossa responsável pelas artes performativas [Nancy Martino] já se interessava muito pelo trabalho dos coreógrafos portugueses e insistiu em que eu procurasse o que se fazia nas outras áreas." Em duas semanas, percorreu o país de norte a sul, visitando museus e galerias, conversando com artistas plásticos, coreógrafos e divulgadores. "O que encontrei foi uma geração dinâmica e sofisticada, com artistas esteticamente muito independentes. Sendo criadores num país geograficamente periférico, beneficiam de um afastamento que torna a sua linguagem muito singular." Ambos lugares de fronteira - "um dá passagem para o norte de África e o outro serve de ponte para a Ásia" -, Portugal e São Francisco podem, segundo Pritikin, surpreender-se com este espaço de descoberta. Talvez, por isso, defenda que os americanos que se deslocarem ao festival acabarão por encontrar - numa voz, num filme ou numa fotografia - "um reflexo de si próprios".Os artistas que o YBCA escolheu para este festival (cujo financiamento português ascende a mais de 23 mil contos) são, segundo Pritikin, uma "síntese entre tradição e modernidade", alertando o meio internacional para a produção artística de um país que, apesar de "relativamente esquecido", não tem deixado de evoluir. "Incluímos o trabalho de Helena Almeida, por exemplo, por dois motivos. Em primeiro lugar, porque ele é de uma actualidade extrema. Em segundo, porque nos mostra que, já na década de 60, Portugal tinha acordado e os artistas que na altura faziam parte de um intenso processo de pesquisa, estão ainda hoje activos e podem servir de exemplo às novas gerações."A temporada arranca hoje com um festival de gastronomia, só para abrir o apetite.