A criada-patroa

"La Serva Padrona", o delicioso "intermezzo" de Pergolesi que alcançou o estatuto de paradigma da ópera"'buffa", será agora interpretado pela Petite Bande no Festival dos Capuchos.

"La Serva Padrona" foi considerada durante anos como o protótipo da ópera "buffa" napolitana da primeira metade do século XVIII. Investigações recentes e a divulgação de repertório dos seus contemporâneos, por exemplo de Leo ou Vinci, provam que o conhecido "intermezzo" de Pergolesi não é uma obra assim tão singular, o que, de resto, nada lhe retira em encanto e qualidade. É, aliás, sempre um prazer poder assistir ao vivo à interpretação da divertida história da criada Serpina e do seu patrão Uberto, confiada a músicos de eleição. Constituindo mais um aliciante programa do Festival dos Capuchos, "La Serva Padrona" será apresentada pela veterana Petite Bande, sob a direcção de Sigiswald Kuijken, no próximo dia 16, no Mosteiro dos Jerónimos, em conjunto com duas obras instrumentais: o Concerto em Sol menor, para cordas e baixo contínuo, do napolitano Francesco Durante - que teria sido professor de Pergolesi no Conservatório dei Poveri di Gesù Cristo - e os Concertos para dois violoncelos (op. 58) e para dois violinos (op.3, nº8), de Vivaldi.A celebridade de "La Serva Padrona" deve-se também a uma série de circunstâncias que contribuíram para criar um mito. Por um lado, o seu autor morreu com apenas 26 anos, ficando sobretudo conhecido por esta obra e pelo célebre "Stabat Mater". Por outro, "La Serva Padrona" desencadeou a famosa "querelle des bouffons", que dividiu as opiniões da elite musical e literária francesa após a sua apresentação em Paris, em 1752. O debate gerou-se entre os defensores da ópera francesa, na tradição de Lully e Rameau, e os adeptos da ópera italiana, entre os quais se encontravam os enciclopedistas Diderot e Rousseau. O próprio Rousseau compôs mais tarde um "intermezzo" intitulado "Le Devin du Village" e publicou o famoso panfleto "Lettre sur la musique française" (1753), onde elogiava a espontaneidade musical dos italianos. "La Serva Padrona" converteu-se assim num símbolo e no modelo de um estilo que personificava a naturalidade de expressão, em detrimento do artificialismo e da pompa associadas ao barroco.Cerca de 1700, o libretista Apostolo Zeno tinha suprimido todas as cenas e personagens cómicas dos libretos trágicos, contribuindo para a compartimentação dos géneros sério/"buffo". Como consequência desta medida - mais tarde acentuada pela estética de Pietro Metastasio - propagou-se o hábito de apresentar "intermezzi" cómicos nos intervalos entre os actos da ópera séria, enquanto se mudavam os cenários. Eram necessariamente produções leves, com duas ou três personagens, que se representavam à boca de cena. Em vez dos deuses e heróis históricos e mitológicos da ópera séria, centravam-se em personagens e cenas do dia-a-dia. Frequentemente parodiavam as próprias situações do género sério, sendo também mais permeáveis às inovações musicais que posteriormente viriam dar origem ao estilo clássico.A disseminação dos "intermezzi" teve um impacto decisivo na evolução da ópera "buffa" como género autónomo, encontrando em "La Serva Padrona" um exemplo paradigmático. Composta em 1733, destinava-se a intercalar os actos de uma ópera séria do próprio Pergolesi, "Il Prigionero Superbo". Com libreto de Gennarantonio Federico, também colaborador do compositor noutras obras, "La Serva Padrona" evidencia uma aguda caracterização das personagens, que combina na proporção ideal a caricatura e a dimensão humana. Servida por uma generosa invenção musical, denuncia os traços do emergente estilo "galante" e a maior parte dos recursos musicais que se tornariam posteriormente característicos da ópera cómica em geral: a declamação silábica em notas rápidas ("parlato"), a enfatização do registo grave, a inserção natural de pausas no discurso, a paródia aos excessos virtuosísticos e aos clichés da ópera séria, a riqueza rítmica e a vivacidade do fraseado... Uma orquestra de cordas e baixo contínuo servem de suporte instrumental, enquanto a trama, centrada no eterno conflito da luta de classes, necessita apenas de dois cantores - o patrão Uberto (baixo) e a criada Serpina (soprano) - e um actor - o criado mudo que serve a esta última para fazer ciúmes ao seu amo. Graças a esta e outras artimanhas, Serpina conseguirá casar com Uberto e ascender à condição de patroa.

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