For members only!
Quando se fala em clubes privados pensa-se imediatamente nos britânicos. Qualquer coisa ao jeito dos tempos de Sherlock Holmes. Locais selectos, requintados, com Lordes e Sirs envoltos em nuvens de fumo de cachimbo, reunidos num espaço decorado ao estilo clássico, para jogar às cartas, discutir assuntos políticos ou falar do tema que os levava a pertencer àquele grupo. Estes espaços e grupos restritos existem ainda e também em Portugal. O conceito de clubes privados evoluiu nas últimas décadas: engloba clubes de golfe e até "health clubes", mas aqui a selecção vai-se fazendo mais pelo dinheiro do que por outra coisa. Fomos espreitar algumas casas só para membros. Rigorosamente - ou mais ou menos...
Há muito, muito tempo que o homem se fecha em grupos para socializar, discutir e defender ideias comuns. As antigas tribos ou comunas e os posteriores grémios de artesãos, literatos ou joalheiros são exemplos da necessidade gregária inata ao homem e é precisamente esta necessidade que levou ao aparecimento de sociedades fechadas, ou clubes com fins desportivos ou políticos.Comecemos pela explicação da psicóloga clínica Maria do Céu Corado, "o homem é, um ser relacional por excelência, é um ser da comunicação e, portanto, é na relação que se funda como indivíduo ou como ser pensante". Porém, segundo explica, estas relações dependem das várias fases do desenvolvimento: "Assim como durante a infância ou adolescência há uma necessidade de nos identificarmos, primeiro com a família e depois, procurando grupos de pares. A partir do momento em que esta personalidade está formada, teremos a necessidade de partilhar com os outros [que é partida têm gostos e ideias em comum] as nossas diferenças, de forma a nos enriquecer-mos como pessoas." E, a seguir, recordemos a definição da Enciclopédia Universal "on-line": um clube "começou por ser considerado a quota paga pelos associados de determinada agremiação e depois o local de reunião de uma sociedade constituída com fins desportivos, culturais, recreativos, etc." Se por privado se entende algo "que não é público, íntimo" segundo o dicionário da Porto Editora, um clube privado será então um local íntimo de reunião, frequentado por um grupo restrito de pessoas com um interesse particular.Continuemos com um pouco mais de conhecimento enciclopédico: "os clubes baseados em princípios políticos eram comuns nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, como por exemplo, o Jacobin Club de Paris e o English Carlton Club, fundado em 1832 para se opor ao Great Reform Bill." Estes eram grupos restritos de nobres ou intelectuais que se juntavam num espaço para discutir ideias e preocupações, defender-se da ameaça de uma instabilidade política e, quem sabe, até conspirar contra os opositores.O Jacobin Club de Paris, fundado em 1789 (ano da em que rebentou a revolução), é "o grupo político mais famoso da revolução francesa", de acordo com a Enciclopédia Britânica. Teve vários nomes e ficou para sempre ligado à violência que caracterizou o Governo Revolucionário em França, entre 1793 e 1794. Na Inglaterra os clubes nasceram mais cedo, durante o reinado da Rainha Ana de Inglaterra, Escócia e Gales, entre 1702 e 1714. Em 1750 foi fundado um dos clubes ingleses mais antigos: o Jockey Club. Este "lobby" da época em forma de clube nasceu para controlar e regular as corridas de cavalos e a criação destes animais na Grã Bretanha do século XVIII - o pólo, desporto quase exclusivamente britânico, continua a ser reservado às elites. Estes clubes eram grupos fechados e selectos e são os antecessores de outros que, pelo mundo fora, surgiram para defender os interesses de um grupo. É o caso do Turf, em Lisboa. De acordo com um membro que insistiu em manter-se anónimo, surgiu no tempo do liberalismo, formado pelos elementos do Colégio dos Nobres para se protegerem perante a iminente queda da monarquia.É curioso como ainda hoje este género de clubes privados continua a estar envolvido numa aura de algum mistério. O Turf Clube e o Real Clube Tauromáquico Português são dois bons exemplos do sigilo de que este tipo de grupos faz gala. Fontes de ambas as instituições que insistiram em preservar o anonimato afirmaram ter um regulamento mas recusaram divulgá-lo. E nenhuma revelou "pormenores" sobre quanto custa fazer-se membro ou permitiu que alguém de fora - especialmente uma mulher, dado que ambos são reservados apenas a homens - visitasse o espaço onde se reúnem. Fotografias? Interditas. "Não interessa a divulgação", alegaram uns; "isso não podemos permitir", afirmaram outros. Nestes dois casos, são clubes elitistas, formados por membros do que costuma designar-se por "boas famílias", gestores de empresas ou seguidores de um determinado desporto, que cobram uma jóia e uma anuidade aos membros (valores que, obviamente, também não estão interessados em revelar). Mas estes clubes provam que há coisas que o dinheiro ainda não consegue comprar, e uma delas é o estatuto de membro, ao qual só se tem direito por descendência ou por apadrinhamento. Além de que a exclusão, ou rejeição, é possível. No caso do Turf Club, basta que um dos membros do Conselho de Administração não aceite a proposta de um candidato para que este fique de fora. "Somos uma família e esta é a nossa casa", assim é explicada a razão desta rigidez. No Real Clube Tauromáquico Português o crivo é menos apertado: é preciso que haja três membros a declinarem uma nova candidatura para que o aspirante seja rejeitado.O Grémio Literário, que é igualmente exclusivo e selecto, não teve problemas em abrir as portas, mostrar a casa e revelar tudo. Fundado em 1846, é o primeiro clube português e dele fizeram parte nomes como Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro.A passagem do tempo obrigou a uma modernização e, no que respeita a Portugal e aos clubes, ela iniciou-se há cerca de vinte anos. Um artigo publicado na conceituada revista "Member" a marcar a abertura, ainda que apenas formal, do novo Palácio Belmonte Clube de Negócios, em Lisboa, no dia 1 de Julho, refere o crescimento destes espaços privados em Portugal, explicando que "os clubes de golfe dominaram o universo dos clubes nos anos 80 e 90". Uma tendência confirmada de uma forma simples por um director de um clube de golfe: "o crescente interesse pelo golfe que se verificou no final dos anos 80 fez que aparecessem mais campos". Depois, no caso da modalidade, o interesse correu "de boca em boca", explicou, sublinhando que "um amigo leva outro amigo ao campo, este interessa-se e começa a jogar". Se antes "pouca gente jogava golfe, hoje em dia há sete ou oito mil pessoas que o fazem".Entre os clubes que apareceram é inevitável falar no da Quinta do Lago, no Algarve, que não sendo totalmente privado se torna exclusivo por causa da "sociedade cor-de-rosa" que o frequenta e pelos preços que pratica; e, além disso, acolheu já oito "opens" de golfe, o recorde dos campos portugueses até à data. Mas há outros verdadeiramente privados como o Lisbon Sports Club e o Oporto Golfe Clube, em Espinho, exclusivos para sócios, embora qualquer pessoa possa inscrever-se, desde que esteja disposta a pagar. O novíssimo Oitavos Golfe Quinta da Marinha, que abriu no dia 25 de Junho (a inauguração oficial é apenas em 1 de Setembro), é reservado exclusivamente a membros apenas durante os fins-de-semana e já está a vender "memberships". O campo de golfe é já considerado um dos melhores da Europa. Depois do golfe nos anos 80, a década seguinte trouxe o culto do corpo, e daí a abertura e o rápido crescimento dos chamados "health clubs". Mas aqui, também, ser membro não é nada que o dinheiro não possa pagar. O 's' de 'exclusividade' é, afinal, um cifrão: exclu$ividade...