O homem que venceu a morte
Desportista, cavalheiro, humanitário ou sobrevivente ao cancro. O cabeçalho que, contudo, melhor se aplica a Lance Armstrong e lhe granjeia a admiração de todo o mundo talvez seja "o maior regresso da história do desporto". Aos 13 anos, Lance era já conhecido em Plano (Texas), a sua cidade natal, como o precoce vencedor do Iron Kids, a versão adolescente da melhor prova mundial de triatlo. A transição para o ciclismo surgiu anos mais tarde, acedendo a um pedido da federação norte-americana que nem seria preciso, pois desde cedo percebeu para o que tinha nascido: "andar de bicicleta". O título de campeão nacional amador e o 14.º lugar nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, chamaram a atenção da Motorola para aquele jovem promissor. A estreia entre os profissionais saldou-se por um desolador último lugar (111.º) na Clássica de San Sebastian... a 27 minutos do vencedor. A tenacidade para acabar a corrida e manter-se no circuito foi-lhe transmitida pela sua heroína, a mãe Linda, a mesma que, aos sábados, recebia regularmente um telefonema que a obrigava a fazer a longa maratona até à fronteira com o Oklahoma, onde ao filho, milhares de pedaladas depois, tinham abandonado as forças e a luz do sol.O início perturbador não travou o talento de Armstrong, que, em 1993, surpreendeu ao tornar-se campeão mundial com apenas 21 anos, um dos dez títulos que arrecadou nessa época. Dois anos depois, e já a roçar a liderança do "ranking" da UCI, conseguiu duas das vitórias mais importantes da sua carreira: a "vingança" em San Sebastian e uma das mais dramáticas etapas da história do Tour, ganha nos Pirenéus, para homenagear o seu colega Fabio Casartelli, vítima de uma queda fatal numa das tiradas anteriores.Em 1996, os mesmos sucessos que lhe davam fama atiravam para segundo plano as fortes dores que sentia. Quando finalmente foi ao médico, a 23 de Outubro, a etapa crucial da sua vida chegou sem se anunciar. O diagnóstico: cancro avançado nos testículos. No dia seguinte, foi-lhe retirado um testículo, e as semanas seguintes reservaram-lhe mais duas delicadas operações, devido a metástases num pulmão e na cabeça. Lance desconhecia se poderia voltar a montar uma bicicleta; pior, desconhecia se sobreviveria. A agressiva quimioterapia a que foi submetido, contudo, melhorou a percentagem de sobrevivência inicialmente vaticinada (50 por cento). A tragédia "despertou-o" e o seu carácter ficou ainda mais forte e resoluto, passando a ser um dos mais conhecidos porta-vozes da luta contra a doença e uma das pessoas que mais dinheiro angariam para essa causa, através da Fundação Lance Armstrong. Livre da doença e já casado com Kristin, comemorou o seu incrível regresso ao ciclismo com um espectacular ano de 1998. Já com a camisola da US Postal, começou a treinar com mais determinação do que antes, com os resultados a serem imediatos: triunfo na Volta ao Luxemburgo e quarto classificado na Vuelta, posição que repetiu tanto na corrida de elite como no contra-relógio do Mundial. Aos jornalistas que perguntavam o que tinha mudado na sua vida, respondia: "Antes corria para viver, agora vivo para correr".O reconhecimento para que estava fadado surgiu em 1999, com a primeira vitória na Volta a França. A provar que as coisas simples não são com este texano, venceu as quatro etapas mais importantes da "grand boucle", os três cronos - apenas o quarto homem a conseguir tal feito - e a primeira tirada de montanha. O segredo esteve no trabalho realizado para melhorar as suas "performances" na montanha, onde passou a superar qualquer adversário. No ano transacto, já como principal favorito, não surpreendeu ninguém o novo sucesso do americano no Tour e, amanhã, o homem que venceu a morte chegará novamente de amarelo a Paris.