Governo de volta ao reino do alcatrão
"Nunca houve tanto investimento rodoviário como agora". Foi este o mote dos discursos de inauguração da parte do Governo, sobre o novo troço da Auto-estrada do Sul que segue agora do nó de Grândola Sul até ao nó de Castro Verde. São cerca de 60 quilómetros pelo meio da planície alentejana, faltando agora até ao Algarve um troço de distância semelhante mas de concretização mais difícil, já que passa entre as serras de Monchique e do Caldeirão.A cerimónia foi realizada a preceito, dentro de uma tenda branca semelhante às dos "copos-de-água", plantada ao lado do início do troço rodoviário que abriria a meio da tarde. Não houve cortar de fitas, mas sim a promessa repetida pelo primeiro-ministro de a auto-estrada chegar à Via do Infante dentro de um ano. Sem esquecer que "estamos neste momento com a construção efectiva de 350 quilómetros de auto-estradas", referiu António Guterres, acrescentando que "faltam apenas adjudicar ou concessionar cerca de 320 quilómetros" dos 3.000 contemplados no Plano Rodoviário Nacional.Quanto à conclusão, conservação e reparação da rede viária secundária - assunto que preocupa os autarcas da região - António Guterres foi mais comedido: "Existe verdadeiramente uma enorme pressão sobre o Ministério [do Equipamento] e o Instituto de Estradas de Portugal, a que procuraremos responder com a máxima eficácia mas com os meios financeiros e humanos que temos", afirmou. Na assistência, contavam-se outros membros do Governo, dirigentes da Brisa, empreiteiros, autarcas das redondezas e membros do aparelho partidário.Aliás, como afirmou ao PÚBLICO um munícipe da região, "o aparelho local do PS apareceu em peso [na cerimónia], mesmo pessoas que não foram convidadas". Algo que não passou realmente despercebido: à saída da cerimónia da inauguração, uma faixa empunhada por quatro socialistas vindos de Santo André e Santiago do Cacém afirmava em letras bem visíveis: "O litoral alentejano apoia a obra do Governo do Eng. Guterres". E ao longo do novo troço - percorrido a seguir à inauguração como é da praxe - repetiram-se por duas ou três vezes os anúncios escritos de boas vindas. "O troço que se abre vai desenvolver o Algarve mas também o Alentejo", lembrou Ferro Rodrigues no seu discurso, acrescentando que não é exacta a ideia de que "a auto-estrada serve apenas para passar de uma grande metrópole para um grande centro turístico". E realmente, a inauguração despertou a curiosidade de muitos locais que espreitavam de cima dos viadutos a passagem da comitiva e compareceram à chegada, no final do troço inaugurado.No entanto, preocupados mostraram-se os autarcas da região. Não tiveram direito a discurso, porque depois da polémica despertada há meio ano - quando o presidente da Câmara Municipal de Castro Verde referiu as más condições de alojamento dos trabalhadores - nas cerimónias que se seguiram não houve mais oportunidade para intervenções do mesmo tipo. Mas em declarações à comunicação social, lá foram lembrando que falta restaurar as vias próximas da auto-estrada - danificadas pelos camiões das obras - e reabilitar alguns acessos das localidades próximas."Devia haver um inventário rigoroso dos estragos", afirmou ao PÚBLICO o presidente da Câmara de Aljustrel. José Godinho notou ainda as más condições em que se encontram vias rodoviárias daquela zona, indicando a EN 2 (estrada nacional) no troço que liga Aljustrel a Ferreira do Alentejo. Por seu turno, o edil de Castro Verde lembrou que continuam à espera da beneficiação do acesso da localidade à auto-estrada, ao contrário do que já aconteceu com a ligação a Ourique. São 4,5 quilómetros, notou Fernando Caeiros, onde ainda só existe "estrada antiga". Em causa está o cumprimento de uma cláusula assinada entre a Brisa, dona da obra, e os empreiteiros, que obriga estes últimos a restaurarem as vias próximas depois da obra feita. Questionado por uma jornalista sobre as reivindicações dos autarcas, Guterres perdeu nessa altura o meio sorriso: "Ó minha senhora, enquanto a auto-estrada estiver a ser construída e os camiões a passarem, acha que é possível reparar as estradas? Existe uma clásula entre a Brisa e os empreiteiros Isso revela uma total incompreensão do que é a construção de uma auto-estrada", concluiu, com um riso forçado.