A maior chaminé hidrotermal fica no meio do Atlântico
Durante muito tempo, Godzilla, descoberta em 1991, foi a maior fonte hidrotermal conhecida. A sua chaminé que vomita água quente cheia de gases e elementos químicos vindos das entranhas da Terra erguia-se, no fundo do oceano Pacífico, em frente aos Estados Unidos, a 50 metros de altura. Mas hoje, na revista "Nature", é apresentada uma fonte que a suplanta: Poseidon, que além de se elevar a 60 metros, é considerada um novo tipo de fonte hidrotermal.Poseidon fica em pleno oceano Atlântico e foi descoberta, em Dezembro do ano passado, numa missão científica do navio norte-americano "Atlantis" e do submarino "Alvin". Faz parte de um campo de fontes hidrotermais a que os cientistas chamaram Cidade Perdida, a 975 metros de profundidade, e que foi encontrada no que se chama a Dorsal Médio Atlântica - uma cordilheira retalhada por inúmeras fracturas transversais. Nesta dorsal, as placas tectónicas afastam-se a um ritmo anual de 2,5 centímetros e ocorre a formação de nova crosta oceânica. Por isso, existe uma actividade vulcânica bastante intensa, propícia ao aparecimento de fontes hidrotermais. O que acontece é que a água se infiltra nas fracturas na crosta terrestre e penetra até perto da zona onde se forma a lava dos vulcões - as câmaras de magma, que, no entanto, não estão a grandes profundidades no interior da Terra. Aí, a água é aquecida brutalmente e, depois, é expelida a temperaturas muito elevadas, junto com metano, enxofre e metais como o cobre e o ferro. É a combinação do enxofre com esses metais que dá origem às chaminés das fontes hidrotermais. O mundo surpreendeu-se, em 1977, com a descoberta das fontes hidrotermais perto das ilhas Galápagos, pela equipa de Robert Ballard (o mesmo que, muitos anos depois, encontrou o "Titanic"). É que em redor delas vivem verdadeiros oásis submarinos, apesar de a luz solar não chegar lá e de, por isso, não puderem depender da fotossíntese. Em 1985 foi a vez de se detectarem fontes na Dorsal Médio Atlântica. Mas Poseidon e a Cidade Perdida são apresentadas como um novo tipo de fontes, segundo os autores do estudo, assinado à cabeça por Deborah Kelley, da Universidade de Washington, em Seattle (EUA). Além dos 60 metros de Poseidon, as fontes hidrotermais deste campo são feitas quase totalmente de calcário e apresentam várias tonalidades de branco. Desde branco puro até ao creme e cinzento, o que contrasta com as fontes hidrotermais que vomitam "fumos" negros, como Godzilla, e cujas chaminés ficam pintalgadas de manchas escuras. O aspecto mais distintivo da Cidade Perdida é que não se encontra perto da zona onde a crosta terrestre é mais jovem e o magma ascende, de vez em quando, até à superfície. Aí, o calor das câmaras magmáticas faz com que a água se movimente no interior da Terra e atinja temperaturas de 400 graus Celsius. Mas a Cidade Perdida está por cima de crosta formada há 1,5 milhões de anos e numa zona onde as câmaras de magma são raras. Por isso, o que alimenta a circulação hidrotermal parece ser outro processo, diz um comunicado de imprensa da Universidade de Washington, que se chama serpentizinação. A água penetra muito profundamente na Terra, através das fracturas, e produz transformações nas rochas do manto. O calor gerado neste processo que parece estar na origem da circulação da água, e na produção de fluidos menos quentes, entre 40 a 75 graus Celsius, e ricas em metano e hidrogénio. Se o artigo estiver correcto em relação às forças que movimentam a água na Cidade Perdida e formaram as chaminés, Deborah Kelley diz que é fácil imaginar a existência de muitas mais fontes. Basta pensar que existem 60 mil quilómetros de dorsais na Terra.De resto, as fontes hidrotermais são uma das maiores descobertas da oceanografia biológica do século XX: em torno delas descobriram-se comunidades que não dependem da fotossíntese. Na base da cadeia alimentar estão bactérias que vivem a altas temperaturas e sintetizam os elementos de que necessitam usando somente a energia química, num processo que tem por base o enxofre. Esta descoberta abriu muitas possibilidades para o estudo da origem da vida na Terra e, até, noutros planetas.