Milosevic extraditado para Haia
O ex-Presidente da Jugoslávia, Slobodan Milosevic, foi entregue no final da tarde de ontem aos responsáveis do Tribunal Penal Internacional de Haia sobre crimes de guerra na ex-Jugoslávia (TPI), declarou um porta-voz do governo da Sérvia em conferência de imprensa. O ex-líder jugoslavo foi enviado para uma base militar norte-americana na vizinha Bósnia-Herzegovina, a caminho da prisão do TPI, nos arredores da cidade holandesa. No julgamento, e caso seja considerado culpado, arrisca-se a prisão perpétua. Num "discurso à nação", o primeiro-ministro da Sérvia, Zoran Djindjic, confirmou a decisão do seu governo "na base do artigo 135º da Constituição da Sérvia e do artigo 16º da Constituição jugoslava [...] para o cumprimento das suas obrigações sobre a cooperação com o TPI", conforme sublinhou. "A decisão entrou em vigor imediatamente", indicou Djindjic. A extradição de Milosevic para a instância judicial "ad hoc" da ONU - que em Maio de 1999, e no decurso dos ataques aéreos da NATO contra a Jugoslávia justificados pela "guerra do Kosovo", acusou Milosevic e quatro dos seus colaboradores de "crimes contra a humanidade" e "crimes de guerra" cometidos sobre a população albanesa local - foi acelerada nos últimos dias pelo governo da Jugoslávia (Sérvia e Montenegro) dominado pela Oposição Democrática da Sérvia (DOS). Apesar do intrincado processo jurídico-político que a envolveu, esta decisão, que surpreendeu pela sua celeridade, não pode ser dissociada da conferência internacional de doadores, que hoje decorre em Bruxelas, e onde Belgrado espera obter um vital empréstimo económico de mais de 280 milhões de contos. Os Estados Unidos ameaçaram boicotar a reunião caso as novas autoridades não demonstrassem "sinais de cooperação" com a instância judicial "ad hoc" da ONU, no que foi entendido como uma pressão sobre Belgrado para a entrega imediata do ex-líder jugoslavo. A generalidade dos países da União Europeia (UE) também adoptaram uma atitude idêntica. No entanto, e apesar de as novas autoridades sérvias se "livrarem" de um dos seus maiores problemas internos, a extradição de "Slobo" poderá provocar não apenas o fim do actual executivo federal, integrado pela DOS e pelos montenegrinos do Partido Socialista Popular (SNP), mas expor as fracturas que emergiam no interior da DOS, a heterogénea coligação de 18 partidos que apoiou o actual Presidente federal Vojislav Kostunica nas eleições de Setembro passado, que acabaram por conduzir ao derrube do anterior regime. Para além de poder permitir um novo "fôlego" às correntes nacionalistas mais radicais, agora na oposição. Numa primeira reacção, o líder da SNP, Predrag Bulatovic, assegurou que o partido vai "permanecer firme" na sua posição e anunciou "o fim da coligação", o que poderá implicar a realização de eleições antecipadas na federação jugoslava. Parceiro menor no executivo federal, apenas um dos oito ministros montenegrinos participou sábado passado na reunião onde foi elaborado o decreto que previa a entrega de Milosevic. Uma forma de a DOS "contornar" a hostilidade do Parlamento federal, onde está em minoria, e que se preparava para rejeitar o projecto-lei que legitimava a extradição de cidadãos nacionais. Na sequência do decreto redigido pelo Governo federal que abria o caminho para a extradição de Milosevic - as autoridades referiram tratar-se de um decreto especial que apenas admitia a extradição de cidadãos para instâncias "supranacionais", numa referência ao TPI -, previam-se uma série de procedimentos jurídicos por parte dos advogados do antigo Presidente jugoslavo que poderiam atrasar a decisão final. Confrontados com esta situação, os seus apoiantes, onde se incluem os advogados de defesa e o Partido Socialista da Sérvia (SPS, ainda formalmente dirigido por Milosevic) apostaram no "bloqueamento" do processo pelas mais altas instâncias. Desta forma, o Tribunal Constitucional, integrado actualmente por cinco juízes designados durante o consulado de Milosevic, decidiu na manhã de ontem "bloquear" o decreto federal para apreciar a sua constitucionalidade, num processo que se poderia prolongar por muitos meses. "O erro dos seus advogados foi terem prescindido do procedimento especial que lhe permitiria defender-se perante o tribunal distrital de Belgrado, e depois perante o Supremo. A única hipótese de Milosevic era defender-se a si próprio", considerou o correspondente do PÚBLICO em Belgrado, Stevan Niksic. O primeiro-ministro federal, Zoran Zivkovic, reagiu de imediato à decisão do Tribunal Constitucional e acusou os juízes de "estarem a defender o homem que os nomeou", para além de sustentar que o decreto "permanecia em vigor" e que a decisão final "é da responsabilidade do governo da Sérvia". Zoran Djindjic aproveitou esta "sugestão" e o executivo sérvio, dominado pela corrente em torno do primeiro-ministro, decidiu assumir o processo. Convocou uma reunião de emergência, e legitimou a extradição. Todo este processo terá passado à margem do Presidente da Jugoslávia, Vojislav Kostunica, que sempre divergiu dos seus aliados sobre a forma de proceder à entrega de Milosevic. Apesar de defender actualmente a entrega ao TPI do seu antecessor, à semelhança dos ministros do seu partido no Governo, Kostunica preferia que o processo fosse concluído de acordo com os procedimentos legais. Ontem, uma fonte do seu gabinete referiu que o Presidente apenas tomou conhecimento da extradição através dos meios de comunicação social.