Brian Eno, a estreia do renascentista
Músico rock, inventor da música minimal ambiental, compositor de sequências aleatórias, célebre produtor, artista multimédia, musicólogo. Brian Eno é o artista renascentista por excelência. O último tomo da sua longa enciclopédia, que tanto contribuiu para mudar radicalmente quer a música pop-rock, quer a música experimental das últimas três décadas, chama-se "Drawn from Life" e é uma colaboração com o músico alemão J. Peter Schwalm. "Drawn from Life", cujo lançamento data deste ano, foi o pretexto para conhecer uma outra faceta de Eno, há muito esquecida: a de músico de palco. Brian Eno e J. Peter Schwalm retiraram as suas músicas desse limbo que é o estúdio de gravação e revelaram-nas em palco pela primeira vez. "Drawn from Life", ou parte dele, foi estreado ao vivo, anteontem à noite, no Coliseu do Porto. Equivocou-se quem esperava uma noite de música ambiental. Não houve "music for films" nem "music for aeroports". O que o Coliseu assistiu foi à transmigração para palco de quatro temas deste trabalho ("Intenser", "Like Pictures" - com um "sample" da voz de Laurie Anderson -, "Two Voices" e "Persis") e uma mão-cheia de inéditos.Comecemos pelos primeiros. É inegável que estes temas ao vivo perdem o lado soturno que os asfixia em disco. Não será demasiado arriscado afirmar que "Drawn from Life" é um disco que funciona na perfeição ao vivo, graças, em grande parte, aos excelentes bateristas que acompanharam Eno e Schwalm. Por outro lado, o alinhamento do espectáculo deu a conhecer seis temas que Eno jurou serem inéditos. Curiosamente, a maioria são canções como as que Eno há muito tinha abandonado e que fazem lembrar esse grande disco que é "Wrong Way Up", gravado em parceria com John Cale. Não faltam os refrões, as melodias, uma estrutura menos convencional e as suas vocalizações típicas, entre o falseto e o sussurro. Na prática, tudo o que Eno tem afirmado abominar nos formatos mais clássicos da música de hoje, como se tudo não passasse de uma paródia a si mesmo. Mas também não falta a sua varinha de condão de mago dos estúdios e dos solavancos da música contemporânea. Como seria de esperar, não houve, pois, qualquer cedência aos temas mais familiares da sua (descontínua) carreira a solo, se exceptuarmos a fantástica reinterpretação de "Metal Ways".Contudo, o Coliseu não aproveitou esta oportunidade rara: mais de metade da lotação ficou por preencher, certamente devido ao elevado preço dos bilhetes para o concerto. Acresce, além disso, que o trabalho de Brian Eno é mais conhecido pelas produções que realizou para David Bowie - com a fantástica trilogia de Berlim à cabeça -, U2, Talking Heads ou James do que propriamente pelos discos que assinou a solo ou ainda integrado nos primórdios dos Roxy Music e que "Drawn from Life" é um objecto ainda praticamente desconhecido. Mas também é certo que os soberbos "Taking Tiger Mountain", "Another Green World" ou "Before and After Sience" feriram de forma indelével a modorra dessa década de 70, contra a qual o punk se levantou com insolência. Hoje, Eno é um mestre que ostenta uma insolência descomprometida, mas a sua música permanece esvoaçante e minuciosa. "Drawn from Life" é o toque tranquilo de Midas.O preço dos bilhetes - cinco mil escudos até à véspera do espectáculo e seis mil no dia da actuação - é exageradamente elevado e ajuda a explicar o facto de o Coliseu ter ficado com mais de metade das suas cadeiras vazias.Oportunidade única de assistir ao concerto de um músico que raramente actua ao vivo e que executou, pela primeira vez, no Porto, o conteúdo do seu novo álbum e ainda uma série de temas inéditos.