A carraça que pode ter sugado dinossauros
Se sugou sangue aos dinossauros, ninguém sabe. O que se sabe é que uma carraça ficou aprisionada em âmbar durante 90 milhões de anos, um facto revelado agora e que a torna o representante mais velho alguma vez descoberto destes aracnídeos. Sabe-se também que era peluda, bastante mais do que as carraças actuais. E que mesmo que não se não se tenha empanturrado com sangue de dinossauros, ambos foram contemporâneos. Tal coincidência temporal, e também espacial, abre as portas a mundos imaginários como o contado no filme "Parque Jurássico". Quem sabe se os dinossauros não serviram de refeição à carraça e se, no estômago da dita, não restarão uns fiapos de ADN dinossáurico em boas condições?A carraça foi descoberta em meados dos anos 90, tal como outras espécies de animais e plantas, por funcionários do Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, noz Estados Unidos. Encontraram-na num depósito de âmbar (resina fossilizada) que ficava num descampado no centro do estado de New Jersey, EUA. O museu pediu então a Hans Klompen, entomologista da Universidade Estadual do Ohio, para descrever e classificar a carraça. O que ele faz na última edição da revista "Annals of the Entomological Society of America", em co-autoria com David Grimaldi, do museu.O espécime fossilizado é um representante das carraças de corpo mole ou "Argasidae", uma das duas grandes famílias de carraças (a outra são as de corpo duro, ou "Ixodidae", que possuem uma armadura coriácea protectora do corpo). Se o espécime com 90 milhões de anos for como as carraças de corpo mole actuais, significa que eram aracnídeos do ambiente - ou seja, de dia viviam em abrigos e, à noite, procuravam os hospedeiros para as refeições. Alternavam os períodos de permanência nos hospedeiros e em habitats naturais, geralmente caracterizados pela existência de vegetação. Escondiam-se em fissuras, em gretas, em folhas ou no ramo de uma árvore até que passasse um hospedeiro, talvez um dinossauro. E zás!A carraça que ficou aprisionada no âmbar encontra-se no estado larvar e é minúscula (mede algo como 520 a 445 micrómetros). Recebeu o nome científico "Carios jerseyi" e, estima-se, terá entre 90 milhões a 94 milhões de anos, diz um comunicado de imprensa da Universidade Estadual do Ohio.Ter 90 milhões de anos também significa outra coisa: que a "Carios jerseyi" viveu ao mesmo tempo que os dinossauros. As primeiras formas de dinossauros apareceram na Terra há 220 milhões de anos, no período Triásico, para se extinguirem de vez (só os seus descendentes, as aves, por cá ficaram) há 65 milhões de anos. A culpa é de um maldito meteorito, dizem os cientistas, ou talvez não seja assim tão maldito, senão os mamíferos (e nós) não teríamos tido grandes oportunidades de evolução ao pé de uns monstros daqueles. Seja como for, o facto de os dinossauros e a "Carios jerseyi" terem vivido ao mesmo tempo, no período do Cretácico superior, levanta a hipótese de os primeiros puderem ter servido de suculenta refeição às segundas. A este espécimes ou, pelo menos, aos seus congéneres. "As carraças alimentam-se de qualquer coisa que tenha sangue", admite Klompen. "Será que as carraças sugariam os dinossauros se existissem hoje? Sem dúvida. Quase todas as carraças de corpo mole se alimentam de uma grande variedade de hospedeiros. Desde que tenha sangue, lá vai a carraça de corpo mole", diz o entomologista.O que serviu de pitéu à "Carios jerseyi" continuará, porém, um mistério. Não está nos planos dos cientistas abrir as entranhas da carraça de 90 milhões de anos, uma vez que a querem preservar tal como se encontra. Carraças fossilizadas são raras, além do mais. Mesmo que no estômago da "Carios jerseyi" permanecesse a última refeição, à base de um corpulento dinossauro, "Parque Jurássico", do realizador Steven Spielberg, será sempre uma ficção, considera tanto Klompen como Grimaldi. Na história do filme, os dinossauros foram clonados a partir de ADN retirado de sangue que serviu de dieta a insectos que, por sua vez, ficaram aprisionados em âmbar milhões de anos. Só que é pouco provável que, a haver sangue de dinossauro fossilizado na carraça, se possa extrair ADN. Estaria extremamente fragmentado e, por essa razão, será impossível obter o genoma inteiro de um animal extinto.Mais do que banquetear-se com sangue de dinossauro, Klompen acha que a "Carios jerseyi" se alimentou de aves marinhas. Pelo menos, esta versão é corroborada pelo aparecimento de uma pequenina pena no depósito de âmbar, de uma ave desconhecida, e encaixa-se melhor na teoria sobre a origem das carraças, que foi na América do Sul. Explicaria por que a carraça apareceu em New Jersey. "A descoberta desta pena sugere que a carraça poderá ter viajado para a América do Norte numa ave marinha", refere Klompen. O que mais intriga os cientistas nem é o aparecimento desta carraça tão antiga em New Jersey, mas o facto de ter uns pêlos nunca vistos. Duas fileiras de pêlos aparecem alinhadas, de forma extremamente regular, nas costas. "Isto é muito surpreendente. Geralmente, as carraças de corpo mole têm muito menos pêlos no corpo inteiro. Mas esta carraça aproxima-se muito do que penso ter sido o início de todas as carraças", sublinha. "A maioria dos pêlos do corpo dos ácaros e das carraças são receptores de contacto. Se algo se aproxima muito, a carraça dá logo por isso. Outras carraças de corpo mole também têm pêlos, mas são mais compridos e dispostos de forma caótica."