Ela É Um Revólver

Tem um argumento habilidoso, com uma grande intriga alimentada por várias pequenas intrigas, alguns "macguffins" e inclusivamente uma série de "flash-backs" à la "Rashomon", de Kurosawa. E até os maneirismos visuais que Verbinski terá importado da sua carreira publicitária acabam por não ficar completamente desenquadrados, contribuindo para um tom lúdico e festivo vivido numa euforia quase permanente, por vezes irresistível, mesmo que nem sempre muito consequente.

A história, aproximadamente, é como se segue. Brad Pitt trabalha para uma associação que se dedica a negócios pouco claros, tem a reputação em baixo e recebe a incumbência - espécie de "última oportunidade" - de se deslocar ao México e recuperar a "mexicana", uma pistola artesanal que o tempo transformou numa relíquia valiosíssima. A namorada de Pitt, Julia Roberts, tem dúvidas quanto ao sucesso da relação e, enquanto ele vai para o México, ela vai para Las Vegas para responder a uma hipótese de emprego. Depois, as coisas começam a complicar-se: Pitt, mal pensa ter-se apoderado da pistola, perde-a logo a seguir, enredado numa teia de interesses contraditórios e traições. Julia apanha por tabela e é feita refém no caminho para Las Vegas por um "operacional" (James Gandolfini, agora em alta por causa de "Os Sopranos", mas que há vários anos é um dos secundários mais sólidos do cinema americano) com quem estabelece inesperada amizade e de quem recebe aconselhamento "matrimonial". E a partir daqui, tudo se torna ainda mais complicado.

O facto de "tudo se tornar ainda mais complicado" acaba por ir remetendo a pistola mexicana a uma crescente condição de "macguffin", mero pretexto para accionar situações e mecanismos narrativos. É claro que no fim o filme não resiste a "resolver" também essa história, mas o facto de durante grande parte do tempo o espectador até já se ter esquecido de que anda toda a gente atrás de uma pistola acaba por ser uma circunstância relativamente rara no "mainstream" rotineiro de Hollywood, muito dado ao seu A+B=C.

A pistola, de resto, permite alguns truques divertidos, como a série de "flash backs" que supostamente contam o princípio da lenda da "mexicana", mas que se contradizem e apresentam sempre uma versão diferente dos acontecimentos.

Ao mesmo tempo, é curioso que, apesar de uma narrativa tão "cheia", o filme nunca surja demasiado carregado por ela. Verbinski pontua "A Mexicana" com uma série de "gags" (o semáforo na estrada deserta, mal Pitt entra no México, ou o cão que "faz parte" do carro) e paragens inesperadas que muito contribuem para a consolidação do lado "espumante" do filme. Assim como a influência das estratégias habituais da publicidade acaba por não ser desagradável: o filme investe no "visual", mas não se deixa esmagar por ele, e algumas cenas, (de)compostas pela montagem de maneira pouco óbvia, permitem imaginar um aprendiz de Steven Soderbergh, mais desajeitado do que o suposto mestre mas de maneira nenhuma condenado ao fracasso.

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