Hermès, empresa familiar
Lisboa está mais cosmopolita. Tem uma nova loja, em pleno Largo do Chiado, da luxuosa casa francesa Hermès. Uma sociedade familiar cujo volume de negócios atingiu o ano passado os 7,6 milhões de francos e que emprega 4500 pessoas em todo o mundo. Muito ligada ao "Made in France".
O que fazem custa caro, mas recusam-se a abandonar a qualidade para se modelarem às capacidades económicas da maior parte dos clientes. Não se importam de ter clientes que só entram nas suas lojas uma vez por ano para comprar a recarga da agenda que custa o mesmo que um livro. Ou de saberem que têm clientes que só entraram nas suas lojas depois dos quarenta anos, tendo passado vinte a olhar para as montras e a sonhar possuir um determinado objecto que não tinham possibilidade de adquirir. Estamos a falar da casa Hermès. Uma verdadeira resistente no império do luxo: uma empresa familiar francesa, por onde já passaram cinco gerações. Tudo começou em 1837 com a abertura de uma empresa de fabrico de selas e arreios por Thierry Hermès. E isto foi algo que perdurou no tempo, pois a meio da loja que agora abriram em Lisboa, no Chiado, estão penduradas selas. Mas foi nos anos 20, com Emile-Maurice, que a empresa se abriu a todos os artigos de marroquinaria: sacos e malas de viagem e todos os acessórios para se fazer desporto e andar de automóvel; écharpes de seda, cintos, luvas, relógios e jóias. Durante os anos 30 surgiram no mercado algumas das peças que ainda hoje são das mais procuradas: a carteira "Kelly", que se transformou em objecto de desejo quando a Princesa do Mónaco foi fotografada com uma, e a agenda de pele Hermès. Actualmente o presidente da empresa é Jean-Louis Dumas, que pertence à quinta geração (a sexta geração já está também a trabalhar na empresa) e acumula também a função de director artístico. Ao longo da vida tem vindo a lançar novos produtos, como o relógio Hermès e as porcelanas, os cristais, o esmalte e as pratas. Em 1976 foi criada uma holding, o grupo Hermès internacional. Hoje, 80 por cento do capital pertence à família e 20 por cento está na bolsa. "A Hermès é uma casa, uma sociedade, uma família que sempre teve princípios e esta casa conseguiu manter-se como grupo familiar seguindo alguns princípios muito simples", explicou ao PÚBLICO Gil Duval, da Hermès, que esteve em Lisboa na inauguração da loja. "O principal foi o de nunca gastarmos mais do que aquilo que ganhávamos. Isso significa que não estamos endividados. Não contraímos dívidas ao banco para nos desenvolvermos." Financiam-se a si próprios, financiam todos os seus projectos e essa é uma das razões essenciais para o grupo não ser frágil. "Não temos necessidade de ter apoios externos para poder financiar os nossos projectos nem a curto, nem a longo termo. Temos independência total", acrescenta.A nova loja no Chiado ocupa uma área de 133 metros quadrados, no piso térreo de um edifício classificado do século XVIII. A decoração foi feita pelo atelier da arquitecta de origem grega, Rena Dumas - mulher de Jean-Louis Dumas, o presidente da Hermès. É o atelier de Rena que habitualmente tem a seu cargo a decoração das várias lojas espalhadas pelo mundo, da qual o expoente máximo é a loja no 24 do Faubourg Saint Honoré, em Paris. Há pouco tempo inauguraram uma nova loja em Nova Iorque, com 5 andares. O arquitecto inspira-se sempre no lugar onde a loja se encontra, mas nunca perde de vista uma certa intimidade, uma certa identidade que permite aos clientes Hermès que viajam muito - sejam espanhóis, americanos ou alemães - encontrar, de cada vez que entram numa das lojas, um espírito, uma estética, uma ambiência que eles reconheçam. Já queriam ter aberto a loja em Lisboa mais cedo. "A Europa do Sul, a que Portugal pertence, tal como a Espanha e a Itália, tem muita importância para nós. Tivemos que nos instalar primeiro em Espanha e houve alguma dificuldade em encontrar um local em Lisboa. Foi preciso reflectir muito bem onde é que se devia instalar a loja.", diz Duval. Havia muitas hipóteses. Pensaram na Av. da Liberdade. Hesitaram muito. "Vim pessoalmente seis vezes para perceber bem a cidade e saber onde é que as pessoas preferiam ter a Hermès. Cheguei à conclusão de que o Chiado seria o melhor local e depois foi preciso encontrar um espaço." Queriam um sítio onde pudessem ficar muito tempo. Tentam não ser muito sensíveis aos locais que estão na moda, pensar bem na cidade e na maneira como os habitantes olham para ela.Nesta loja encontram-se as 14 linhas de diferentes produtos que comercializam: pronto-a-vestir para homem e senhora (pelo qual é responsável o criador belga Martin Margiela), as sedas onde se destacam os famosos "carrés" (lenços), os perfumes e os artigos em pele: as agendas, as luvas, as carteiras, as malas. As gravatas, os relógios e as jóias. Todos estes produtos coexistem num grande armazém que fica a leste de Paris. Uma equipa trabalha com o objectivo de criar novos produtos, duas vezes por ano. Por isso, as duas colecções são apresentadas em Fevereiro e em Julho. "Neste período, todos os artesãos trabalham nos novos produtos que vão apresentar aos compradores. Mas isso não quer dizer que nas lojas se vejam só novos produtos. Coexistem sempre os clássicos e aqueles vindos de colecções anteriores, os que não maçaram os clientes. Há também produtos antigos que são retomados em determinadas colecções. Há uma parte de novidade e um fundo de colecção que existe sempre."Não se pode comparar o que se passa por exemplo com a colecção de lenços de seda e o que se passa com a colecção de pronto-a-vestir. "No pronto-a-vestir quase tudo muda, nos lenços só uma parte. Existem os lenços clássicos, antigos, de que continuamos a gostar. E depois há desenhos antigos que são coloridos de maneira diferente. E há novos desenhos que aparecem." Também faz parte da filosofia Hermès trabalharem à volta de um tema, que muda anualmente. "Há sempre um tema anual que propomos aos criadores da casa e que serve para federar as ideias e os espíritos, numa determinada direcção. O tema deste ano é a beleza da Terra. É um sinal que é dado aos criativos para poderem trabalhar cada um para seu lado - nas jóias, nos relógios, no pronto-a-vestir - e no final é Jean-Louis Dumas que decide o que é posto à venda."O essencial dos produtos Hermès é fabricado em França. Os produtos de couro, por exemplo, são fabricados em França. "Compramos as peles e tentamos sempre na medida do possível fazer todo o processo de fabricação. Quanto ao pronto-a-vestir, 80 por cento é feito em diversos ateliers em França e 20 por cento é feito em Itália. A bijuteria é toda feita em França. Estamos muito ligados ao Made in France."Quando se pensa em Hermès pensa-se em tradição, em artigos de muito boa qualidade, feitos com materiais nobres, por artesãos. É por isso que Jean-Louis Dumas não se cansa de dizer que a Hermès "é uma assinatura e não uma marca", que a Hermès "quer prolongar a tradição na modernidade".São uma casa com tradição, mas foram buscar, para criar a colecção de pronto-a-vestir, o criador belga Martin Margiela, que em tempos fez parte da equipa de Jean-Paul Gaultier (no qual, por acaso, a Hermès investe) e que não tem nada de tradicional. "Somos uma casa de moda e as pessoas não o sabem. Fazemos moda desde 1920 e nos anos 50 até chegámos a fazer Alta Costura. Houve sempre a fibra da moda na Hermès, mas de uma forma discreta."Martin Margiela é uma novidade porque foram buscar alguém que já era conhecido, que tinha a sua casa, e a quem foram pedir que trabalhasse para eles." Mas Martin poderia numa vida anterior ter trabalhado para nós pois ele é muito Hermès. Quando tivemos as primeiras discussões com ele, para saber se aceitaria trabalhar para nós, foi muito fácil porque ele tinha já uma compreensão muito grande do que é o conceito Hermès. A sua moda é ao mesmo tempo despojada e muito moderna. E faz um apelo a materiais de muito boa qualidade."