Os dinossauros não atacam. Precisam é de ser defendidos
Ao contrário do que diz o dr. Miguel de Sousa Tavares no PÚBLICO (29-03-01), os dinossauros a que se refere não atacam. Feneceram todos e de vez há 65 milhões de anos, mas apenas fisicamente. Contudo, permanecem bem vivos na ciência, no imaginário e no coração de milhões e milhões de crianças e jovens e dos muito adultos que souberam ou puderam manter viva a Primavera, razões suficientes para que tratemos com seriedade o fenómeno social, ímpar e por demais conhecido, centrado nestes animais pré-históricos, goste-se ou não deles. Os dinossauros não atacam. Precisam é de ser defendidos, não em nome desta geração, rendida aos cifrões, mas das futuras, cujo bem-estar nos deveria unir também em torno destes valores naturais. Como descendentes, os dinossauros deixaram-nos os rouxinóis e toda a variedade de aves que alegram as paisagens deste mundo.Os portugueses não são muito versados em geociências. Salvo aquelas excepções que sempre há e que é preciso acautelar neste tipo de generalizações, tal condição envolve mesmo as classes de formação académica mais elevada em outras áreas, que, por defeito do sistema de ensino, sempre viram no estudo das rochas, dos minerais e dos fósseis matérias desinteressantes e enfadonhas.Estamos, porém, a assistir à mudança deste estado de coisas. Nos actuais programas escolares, a geologia ganhou um pouco mais de atenção; todavia, continua a não merecer a importância que tem na sociedade. O êxito das feiras de minerais e fósseis iniciadas há uma dúzia de anos no Museu Nacional de História Natural e que de pronto se alargaram a outras cidades do país, as grandes exposições que aqui tiveram lugar, com centenas de milhares de visitantes, numa afluência nunca igualada na museologia nacional, e, ainda, o bem sucedido programa "Geologia no Verão", do Ministério da Ciência e da Tecnologia, têm criado entre os jovens um interesse crescente por estas matérias, interesse que os mais velhos não puderam descobrir, sendo que fazem parte deste grupo muitos dos "opinion makers" e decisores que temos. De há muito que a humanidade busca proveito nas rochas, nos minerais e nos fósseis. Do sílex lascado dos neandertalenses ao quartzo piezoeléctrico das novas tecnologias, ou da hulha e do ferro da grande revolução industrial, ao "crude" e ao urânio das centrais nucleares, sempre o homem procurou e utilizou estes materiais que a natureza tem posto à sua disposição. Mas as rochas, os minerais e os fósseis são também e ainda documentos valiosos de uma história só através deles passível de ser desvendada. Uma história milhões de anos mais velha do que Matusalém.Para além do valor documental, que sempre encerram, muitas ocorrências geológicas revestem-se de monumentalidade, razão por que são entendidas como geomonumentos. Daí a classificação legal de monumento natural, a par de outras obras-primas criadas pelo engenho humano. São geomonumentos os que temos vindo a procurar defender e valorizar em vários pontos do país, em estreita, crescente e exemplar colaboração com as autarquias. Um tal património, acautelado em muitos países, permaneceu ignorado entre nós, apenas porque o saber geológico não tem feito parte da cultura geral dos portugueses, mesmo de muitos dos que integram as classes consideradas mais cultas, sendo, por isso, muito difícil batalhar por causas como esta, como aliás se comprova.Um geomonumento preserva uma história sempre interessante. Os geólogos sabem lê-la e é importante que a revelem aos seus concidadãos, à semelhança do que se faz com os palácios ou com todos os outros valores que fazem a história das nações. A jazida de Pego Longo, em Carenque, permite visualizar uma paisagem de há 95 milhões de anos, num ambiente litoral, lagunar e tropical que ali existiu, numa época em que o continente norte-americano começava a afastar-se da Europa e o Atlântico setentrional era ainda um longo canal abrindo e serpenteando de sul para norte. Revela ainda a existência de animais e plantas desse tempo que só a ciência soube trazer à luz do dia.Tenho pena de não ter o dr. Miguel Sousa Tavares do meu lado nesta cruzada. As suas muita inteligência e hábil argúcia, associadas ao seu natural e reconhecido brilhantismo, seriam uma mais-valia importante contra a insensibilidade, quase sempre fruto do saber incompleto, tantas vezes autoconvencido e até arrogante. Só que ele não pode. Falta-lhe nesta área toda a informação que o sistema lhe não proporcionou. E ao não poder dar o justo valor aquilo que não estudou e que, compreensivelmente, conhece mal, faz mau uso da autoridade que lhe vem do seu destacado prestígio como jornalista, servindo-se, no caso vertente, o que é pena, de um humor sarcástico, desnecessário e desajustado, que magoa e não lhe fica bem. Além disso, ilude a verdade, pelo que, em vez de informar, desinforma, induzindo em erro o leitor menos avisado. O estilo achincalhante com que opina numa área do conhecimento que não é, certamente, a sua é de acentuado mau gosto, e não se afasta muito do daqueles que dele fazem uso na apreciação, por exemplo, de obras de arte que não tiveram a feliz oportunidade de aprender a entender. Em 1994, com idêntico propósito, o dr. Pacheco Pereira usou semelhante tom e os mesmos argumentos contra a posição do governo do seu próprio partido, que, honra lhe seja feita, achou por bem não lhe dar ouvidos, tendo mandado abrir os dois túneis da CREL no sítio certo.O primeiro passo deste projecto foi, pois, alcançado. As pegadas estão lá, não foram "buldorizadas". Falta agora dar-lhe utilidade, em nome da ciência, do ensino e da cultura e de muitos outros valores, sem esquecer as "criancinhas" que merecem e apreciam ser tratadas com mais atenção e respeito.Professor universitário