Estados Unidos estudam proibição da clonagem humana
Ninguém pode acusar o Congresso norte-americano de não ser abrangente no que toca a ouvir opiniões sobre a clonagem humana. Raël, o líder de uma seita religiosa que acredita que a humanidade é fruto de uma experiência de clonagem feita por extraterrestres, foi um dos 15 peritos ouvidos ontem em Washington por uma comissão de inquérito da Câmara dos Representantes, com o objectivo de averiguar se a clonagem humana deve ou não ser proibida nos Estados Unidos. Mas as atenções concentraram-se nas muitas dificuldades técnicas da clonagem e na morte inevitável de muitos embriões, se se tentar aplicar a tecnologia aos seres humanos."Não clonem humanos!" é o título do artigo que Rudolph Jaenisch, do Instituto Whitehead para a Investigação Biomédica publica esta semana na revista "Science", coincidindo com o testemunho que prestou ontem no Congresso. Vacas, ovelhas, cabras, ratinhos e porcos foram já clonados. São tantos os casos de sucesso que surgem nos jornais e na televisão desde o aparecimento da ovelha Dolly, em 1997, que a clonagem humana parece ser possível a qualquer momento. Mas não é bem assim, diz Jaenisch: "A clonagem de animais é ineficaz e é provável que assim permaneça no futuro próximo".A verdade é que a maioria das tentativas de clonagem de mamíferos - e o homem é um mamíferos - fracassam. Anomalias no desenvolvimento do embrião ou da placenta fazem com que a gravidez não chegue sequer a termo, ou então os animais morrem pouco tempo depois de nascerem. Os animais clonados através da técnica da transferência nuclear - que implica esvaziar um ovócito do seu ADN e inserir lá dentro o núcleo de uma outra célula, que contém o património genético de um outro ser - sofrem de problemas respiratórios, de circulação sanguínea e do sistema imunitário, além de apresentarem malformações renais e do cérebro, explicou Jaenisch no Congresso e no artigo na "Science", que assina em conjunto com Ian Wilmut, o líder da equipa que criou a ovelha Dolly."O ónus da prova recai sobre os defensores da clonagem, que terão de mostrar que estas experiências são aceitáveis do ponto de vista científico e moral", disse o secretário da comissão, Billy Tauzin, citado pela agência Reuters. "Não é nosso objectivo [clonar um ser humano] passando por cima de uma multidão de cadáveres ou bebés deformados", respondeu o andrologista Panos Zavos, que anunciou em Janeiro a intenção de clonar embriões humanos em colaboração com o ginecologista italiano Severino Antinori. O objectivo é oferecer a clonagem como um tratamento da infertilidade, explicou Zavos, acrescentando que 700 casais já se ofereceram para participar. Zavos e Antinori não revelam onde a tentativa de clonar um ser humano irá ser feita - dizem apenas que será num país do Mediterrâneo.Raël - um antigo piloto de automóveis francês que, antes de ter sido alegadamente raptado por um disco voador, em 1973, era conhecido pelo nome mais prosaico de Claude Vorilhon - apresentou-se também no Congresso para defender a clonagem humana, que é uma das pedras centrais da seita religiosa que fundou. "Há 20 anos, também havia quem receasse que estivéssemos a criar Frankensteins com a fertilização 'in-vitro' , que hoje é perfeitamente aceitável", disse Raël.Os raelitas, cujo movimento tem sede no Canadá, alegam ter 55 mil simpatizantes em todo o mundo. Um deles é uma cientista francesa, Brigitte Boisselier, que trabalha nos Estados Unidos, onde a clonagem será levada a cabo. Cliente já têm: um casal cujo bebé morreu. E mães de aluguer para tentar múltiplas gravidezes também: os raelitas dizem ter 50 mulheres prontas a serem fertilizadas com os embriões criados pelo método da transferência nuclear, cujo património genético é igual ao do bebé falecido.A moratória que Bill Clinton ergueu em 1997 contra a investigação sobre a clonagem humana feita com dinheiros federais termina em 2002 e, até lá, o Congresso tem de decidir se a clonagem será totalmente proibida nos Estados Unidos. Mas, seja qual for a decisão, o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, fez já questão de se manifestar contra a clonagem humana. "Nenhuma investigação que possa conduzir à clonagem de um ser humano deve ser levada a cabo nos Estados Unidos. As questões morais e éticas não podem ser esquecidas, mesmo que esteja em causa o avanço da ciência", disse ontem o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer.