Museus em exposição

Os museus de arte funcionam como sismógrafos da produção arquitectónica contemporânea. É com esta convicção que os comissários Vittorio Lampugnani e Angeli Sachss apresentam "Museus para o Novo Milénio: Conceitos, Projectos, Edifícios", patente no CCB.

Com projecto original do Arte Center de Basel (Suzanne Greub), a exposição "Museus para o Novo Milénio: Conceitos, Projectos, Edifícios" foi desenvolvida pelos comissários Vittorio Lampugnani e Angeli Sachs. A exposição e o excelente catálogo (Prestel), que inclui um ensaio de Stanislaus von Moos, propõem um corte transversal pelas construções e pelos projectos museológicos mais significativos dos anos 90. Sugestivas maquetes, fotografias de grande formato, desenhos de projecto e preciosos esboços de estudo dos vinte e cinco mais importantes Museus de Arte integram esta mostra de itinerância internacional. Tal como em Bregenz, em Lisboa ela é acolhida num importante edifício que constitui, ele próprio, um dos exemplos escolhidos. A selecção começa com o Carré d'Art de Nîmes de Sir Norman Foster, aberto em 1992, e termina com o Contemporary Arts Center de Cincinatti, de Zaha Hadid's, em projecto desde 1998.A recente explosão museográfica, em número e em programas, torna particularmente significativo o panorama actual destes equipamentos públicos vocacionados para a difusão do conhecimento, e recentemente virados para a ocupação dos tempos de ócio da comunidade. Pensados cada vez mais como espaços para animar a vida cultural da cidade, têm-se revelando autênticas medidas de recuperação urbana que conferem às cidades uma alma nova. Talvez por isso mesmo, os museus são protagonizados por uma expressão arquitectónica que parece insistir numa contínua procura de inovação, reflectindo a crise, ou se preferirmos a vitalidade da arquitectura contemporânea aberta a uma pluralidade de referências. Mas também, colocando a questão das condições de habitabilidade da obra de arte, da relação entre arquitectura e arte. O museu clássico, ortodoxo e aborrecido, entendido como contentor de arte, parece ter dado lugar ao museu como obra de arte em si mesmo. Com o Museu Guggenheim em Nova Iorque (1943-1959), de Frank Lloyd Wright, em que a sua forma poderosamente escultural preconizava sem rodeios a vontade de auto-representação sensacionalista, estabelece-se o "leitmotiv" da arquitectura de museus do século XX, como refere Lampugnani na sua introdução ao catálogo. A colecção distribuída ao longo de uma rampa em espiral aberta sobre um espaço central, conformava o próprio volume externo do museu, transformado em ícone. A verdadeira atracção deixava de ser a arte, que passava à arquitectura o desempenho do papel de protagonista. Nos anos 70, a grande máquina de referência popular que o fenómeno Beaubourg-Centro Pompidou constituiu, fixa um Centro de Cultura em excitante e contínuo espectáculo. O espaço indiferenciado é assinalado pela presença do visitante, elemento participante do ambiente visualizado na transparência das escadas rolantes, de todo um mundo de imagens em movimento. Mais uma vez não é a arte, mas sim a arquitectura que acaba por ser a verdadeira atracção.Juntos, o Guggenheim e o Beaubourg constituem referência imagética de um novo culto massificado. Como refere Stanislaus von Moss, o dia em que o Centro Pompidou registou pela primeira vez maior número de visitantes do que a Torre Eiffel, foi o momento em que a cultura, e mais precisamente o financiamento da cultura, se rendeu por completo à sociedade de consumo e de lazer. Durante a década seguinte o surto dos novos museus alemães desenvolvidos no contexto de uma pós-modernidade ancorada num regresso à história, distinguia definitivamente a construção de museus como programa público de eleição: a ampliação da Neue Staatsgalerie de Sttutgart realizada por James Stirling, repunha o ritual da visita ao museu numa arquitectura mediaticamente monumental, que refazia o tecido urbano; o conjunto de museus erguidos ao longo das margens do Main em Frankfurt procurava revitalizar culturalmente a cidade dos banqueiros, chamando arquitectos como Ungers ou Richard Meyer. Esta mostra concentra-se nos museus de arte mais representativos quer das correntes arquitectónicas contemporâneas, quer das exigências culturais de uma sociedade de lazer e entretenimento. Criticamente, explora-se o conceito de museu como símbolo urbano, a relação entre arquitectura e arte. E apresenta-se o museu como resposta a programas complexos que cada vez deixam menos espaço para a sua verdadeira função. O facto de os novos museus se terem multiplicado como as novas "catedrais" das nossas cidades exprime a imagem de uma nova cultura de "monumentos para um culto massificado". Ilustra também o recente fenómeno de usar novos monumentos para chamar a atenção para lugares antes sem qualquer vocação para uma apresentação cultural. Neste quadro de mediatização da arquitectura como produto cultural, não se pode deixar de admirar o mais recente ícone erigido em Bilbao por Frank Gehry, o Guggenheim Museum. Num golpe de tempo, foi capaz de dirigir as atenções da arquitectura mundial para a cidade basca, mais pela expressão escultórica, formal e tecnológica do objecto contentor, e aparentemente menos para a colecção que se expõe no seu interior. O museu fixou-se na paisagem, na sua natureza excessiva e corpórea: "cave luminosa por dentro e montanha metálica por fora, o museu parece ao mesmo tempo estranho e perfeitamente adaptado ao local." (Angeli Sachss)O mesmo se pode dizer do Bonnefantenmuseum, em Maastricht, de Aldo Rossi, que marca a velha cidade com a sua torre terminada em cúpula de zinco. Aproveitando parte de uma antiga fábrica de vidro, Rossi perseguiu o desejo de marcar a cidade com um carácter intemporal. Tal como Bilbao e Barcelona, também Santiago de Compostela chamou um arquitecto reconhecido internacionalmente para criar uma centralidade contemporânea. Junto à Igreja e ao Mosteiro de São Domingo de Bonaval, o arquitecto português Álvaro Siza Vieira deu largas ao seu talento topográfico e ao seu lirismo poético, construindo "a transição entre a paisagem acidentada do jardim e o volume compacto da cidade histórica".De igual modo o minimalista Museu de Arte de Bregenz, de Peter Zumthor, define uma qualificada e inovadora marcação urbana, com o seu semitransparente edifício pousado junto ao Lago Constance reflectindo a luz e a cor ao longo do dia. Outra estratégia tem sido a de valorizar áreas urbanas periféricas e degradadas através da conversão de antigos edifícios, como é o caso da recém-inaugurada Tate Modern em Londres, por Herzog & Meuron. Aproveitando a Central Eléctrica hoje desactivada, projectada por Sir Giles Gilbert Scott numa escala heróica, a solução foi escolhida porque pouco alterava o edifício existente, dando-lhe simplesmente uma lógica interna que assim potenciava as suas qualidades próprias. Mantendo no essencial a casa das máquinas, como principal orientação dos visitantes, transforma-a na monumental praça de entrada que articula os acessos verticais com as galerias. Tal como no Centro Beaubourg, o espectáculo de seis milhões de visitantes estimados por ano confirma o sucesso da operação. Um dos mais importantes símbolos urbanos no quadro dos novos museus é seguramente o Museu Judaico que Daniel Libeskind projectou para Berlim. Mais uma vez se confirma o fenómeno: é a forma, mais do que o conteúdo, aquilo que determina o museu. Não nos surpreende pois que o edifício tenha sido inaugurado em 1999, quando se prevê que só em 2001 venha a integrar a exposição - o que se suspeita não vir a ser fácil. O conceito arquitectónico foi construído a partir de uma complexa matriz de significados que ligam a história de Berlim à história judaica. Desconstruindo simbolicamente a agonia do extermínio, Libeskind cruza em planos a linha recta, a espinha dorsal do edifício, com outra em zigue-zague arbitrário, como um relâmpago fulminante. à medida que o percorremos, todo o museu produz um efeito escultórico impressionante, com um crescendo na torre do holocausto: espaço dramático de memorial num museu, que é ele próprio um memorial. Símbolos e referências das cidades que afinal acabam por representar, os museus dos anos 90 têm contribuído exemplarmente para marcar novas centralidades urbanas. Importantes encomendas de carácter público, revelam uma pura materialização das posições arquitectónicas que os enformam. Afastados de uma lógica de normalidade, assumem-se como objectos de excepção onde se podem ler os desenvolvimentos contemporâneos da produção arquitectónica com particular clareza. Por isso, são curiosos sinais da cultura contemporânea aqueles que podem ser admirados em conjunto nesta grandiosa exposição agora patente em Lisboa.

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