O legado científico e tecnológico da Mir

É certo que não surgiram descobertas excepcionais ou revolucionárias, mas as observações e experiências de longa duração realizadas na estação espacial russa Mir provaram que é possível o homem viver no espaço, em ausência de gravidade, durante períodos de tempo relativamente prolongados.O pioneirismo terá sido uma das maiores contribuições do complexo orbital para a ciência, na medida em que os cosmonautas aprenderam a viver e a adaptar cada vez mais o corpo humano ao ambiente espacial de microgravidade prolongada.A robustez e a fiabilidade da tecnologia russa ficou demonstrada pela longevidade do empreendimento, que durou três vezes mais do que o inicialmente previsto. Durante os quinze anos no espaço, a Mir resistiu à mortífera radiação solar, a choques térmicos entre os 120 graus positivos e os 100 negativos e ao bombardeamento de milhares de pequenos meteoritos. Os dados recolhidos pela Mir permitiram melhorar os escudos protectores que protegem os módulos e os fatos dos cosmonautas. Sem este contributo tecnológico muito dificilmente a estação Espacial Internacional (ISS, na sigla inglesa) seria construída nos moldes actuais.A investigação científica na Mir centrava-se nos domínios da vida humana no espaço e da observação da Terra. Duas áreas fundamentais que levaram ao desenvolvimento de experiências nos campos da biologia animal e vegetal, passando pela astronomia, a física, a ciência dos materiais e a tecnologia, que permitiram aprofundar conhecimentos essenciais para estadias ainda mais prolongadas, como é o caso de uma viagem a Marte.Após longas missões de trabalho no espaço, que em alguns casos ultrapassaram mais de um ano, os russos chegaram à conclusão que a duração óptima de uma estadia em imponderabilidade é de seis meses.Os cosmonautas russos acumulam desde 1978 recordes de permanência espacial. O mais notável foi o de Valeri Poliakov, que passou 437 dias a bordo da Mir, entre 8 de Janeiro de 1994 e 22 de Março de 1995. Serguei Avdeiev viveu no espaço 748 dias (mais de dois anos), mas isso se forem contabilizadas as suas três missões na Mir. Seja como for, a sua marca continua inigualada.Os próprios cosmonautas serviram também de cobaias para se estudarem os efeitos fisiológicos da falta de gravidade sobre o corpo humano, sobretudo sobre o sistema cardiovascular e neurossensorial). No espaço, o organismo adapta-se a uma nova repartição do sangue, que aflui à parte superior do corpo, exercendo uma maior pressão sobre o cérebro. A perda de massa muscular e a degradação óssea são outras das consequências da ausência de gravidade.Com as experiências da Mir, descobriu-se que uma a duas horas de exercício físico diário permitem retardar os danos da microgravidade sobre o organismo dos cosmonautas. A biologia vegetal e animal recebeu um grande impulso com a Mir. Pela primeira vez nasceram pintainhos em gravidade zero e foi possível seguir o desenvolvimento embrionário de anfíbios. Outras experiências permitiram observar o ciclo vegetal completo da cevada, desde a semente até ao nascer dos grãos.A observação e análise das microvibrações do próprio complexo orbital permitiram compreender melhor o comportamento das estruturas em ambientes de microgravidade e melhorar as condições da habitabilidade da nave e de futuros empreendimentos semelhantes, como é o caso da ISS. Além de estudar formas de melhorar a vida dos homens no espaço, a Mir também contribuiu para uma melhor compreensão da Terra, através de estudos atmosféricos, oceânicos e topográficos.Mas talvez o maior feito dos cientistas russos tenha sido o de conseguir enviar e construir no espaço uma estação com 137 toneladas e 40 metros de comprimento, por um valor estimado (a preços actuais) de 1,5 mil milhões de dólares (1,65 mil milhões de euros/331 milhões de contos), quando se prevê que o custo da ISS possa ultrapassar os 100 mil milhões de dólares (110 mil milhões de euros/22 mil milhões de contos). Com a queda da Mir perdem-se para sempre 11 toneladas de equipamentos científicos acoplados nos cinco laboratórios experimentais que integravam a estação: o Kvant I e o Kvant II (quantum), o Kristall (cristal), o Spektr (espectro) e o Priroda (natureza).

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