O desastre que pôs Portugal de luto
Não eram ainda exactamente nove e dez da noite de domingo quando o alarme soou nos bombeiros de Entre-os-Rios. Apesar do quartel ficar a escassas centenas de metros da fatídica ponte, foi pelo telefone que os moradores alertados pelo estrondo da queda avisaram a corporação. Dez minutos depois um bote patrulhava já as margens em busca de vestígios ou eventuais sobreviventes da derrocada de um pilar da ponte de Hintze Ribeiro, que unia Entre-os-Rios a Castelo de Paiva, que provocou o afundamento de um autocarro de passageiros e duas viaturas ligeiras, cuja ruína ainda está por explicar cabalmente. No princípio da noite de ontem, e depois de intensas operações de busca dos cerca de 70 desaparecidos, que foram suspensas entretanto, apenas um corpo tinha sido resgatado das águas do Douro. O Governo decretou dois dias de luto nacional e Jorge Sampaio visita hoje o local da tragédia do Douro, a maior de sempre desde a ponte das Barcas, no Porto, e o maior acidente rodoviário de sempre em Portugal.Logo após o acidente, inesperado, apesar de insistentes denúncias quanto ao mau estado da ponte, as estradas de acesso ao local foram cortadas, mas o percurso rapidamente se converteu numa espécie de romaria movida pela curiosidade de milhares de pessoas, que se repetiu ao longo de todo o dia de ontem. O primeiro responsável a chegar ao local foi o secretário de Estado das Obras Públicas, Luis Parreirão, que acabaria por pedir a demissão na sequência da demissão de Jorge Coelho e dos outros quatro secretários de Estado do Ministério do Equipamento Social. Porém, o governante fechou-se numa reunião no quartel dos bombeiros de onde só saíu três horas mais tarde.As equipas de mergulhadores dos Sapadores do Porto e Gaia depressa concluiram pela impossibilidade de qualquer intervenção antes do nascer do dia, e numa altura em que os meios de socorro se organizavam já para iniciar as operações ao raiar do dia, a principal tarefa das autoridades era a de confirmar que o autocarro e os dois automóveis ligeiros teriam mesmo caído nas águas do Douro. É que embora fosse essa a informação inicial, o facto é que na margem direita ninguém estava em condições de o confirmar, e a falta de comunicações com a outra margem fazia aumentar ainda mais as dúvidas. Os telemóveis não tinham rede, os fios de telefone passavam pela ponte e foram rebentados com a queda, e da outra margem chegava apenas a informação veiculada pelas rádios. Era uma espécie de regresso às trevas, a que se juntava ainda a falta de luz, no local. O ainda secretário de Estado da Administração Portuária, José Junqueiro, tentava fazer o ponto da situação, mas os responsáveis pela empresa "Asadouro", proprietária do autocarro recusavam-se a confirmar o desaparecimento da viatura. O administrador Mário de Almeida repetia que faltava localizar mais que um autocarro dos que teriam participado na excursão às amendoeiras em flôr, além de que se podia tratar também de um autocarro da carreira para o Porto ou mesmo do veículo excursionista que poderia estar já de regresso depois de deixar os passageiros, hipóteses que reduziriam consideravelmente o número de possiveis vítimas. Eram já perto de duas horas da manhã de ontem quando chegou a confirmação de que o autocarro da excursão não tinha chegado ao destino, mas faltava localizar ainda um outro, curiosamente conduzido pelo pai do outro motorista. Mas logo chegou a certeza de que era apenas o autocarro do filho que estava em falta. "Uma Scania de dois andares e 63 lugares", conduzida pelo jovem Helder António, de 24 anos, que "se não chegou ao destino e também não está deste lado, não vale a pena pensar noutra coisa", como, conformado, concluia o gerente da "Asadouro".Confirmadas as hipóteses mais pessimistas, e com as rádios a debitarem da outra margem constantes críticas do presidente da Câmara de Castelo de Paiva, era a vez do deputado PSD Castro Almeida, eleito por Aveiro, e primeiro representante do seu partido na Comissão Parlamentar de Equipamento Social exigir "o apuramento de responsabilidades" face à "negligência grave do Governo que sucessivamente tem faltado aos prazos e compromissos que assume". Respondeu o secretário de Estado da Obras Públicas quando pouco após as três da manhã se deslocou ao local do acidente, apenas para "lamentar tantas pessoas desaparecidas" e rejeitar qualquer polémica política "que no momento não faz qualquer sentido". Apesar de à mesma hora decorrer, em Lisboa, a conferência de imprensa onde o ministro Jorge Coelho anunciava a sua demissão, Luis Parreirão anunciava a instauração de um inquérito aos acontecimentos dirigido pelo presidente do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) e o lançamento, "ainda este semestre", do concurso para uma nova ponte que integrará o futuro Itinerário Complementar nº 35 (IC 35) de ligação do IP4 ao IP5, entre Penafiel e Sever do Vouga, com passagem por Castelo de Paiva e Arouca. Quanto ao trágico acidente, disse que a ponte tinha recebido "uma reparação técnica há três anos" e que o Governo não tinha recebido nunca "qualquer informação da câmara ou do Instituto de Conservação Rodoviária sobre qualquer dano estrutural".O intenso movimento durante toda a noite na margem direita, não tinha correspondência do lado de Castelo de Paiva, onde as certezas cedo deram lugar à consternação e fortes criticas à actuação do governo, especialmente por parte do presidente da câmara (PSD), Paulo Teixeira, mas também o lider distrital social-democrata, Luis Filipe Menezes e o deputado e cabeça de lista por Aveiro, Marques Mendes. Logo pela manhã, e confirmado já o mergulho do autocarro e dois automóveis, permanecia incerto o possível número de vítimas do acidente. E à medida que arrancavam as operações de resgate e se iniciava o luto, irrompiam as dúvidas quanto ao fututo. "As pessoas aqui ficam numa ilha. E agora como vai ser? Como é que as crianças vão para a escola? Como vão passar as ambulâncias? Como é que se vai para o trabalho, se não há ligações para lado nenhum?", questionava um morador. Ao longo do dia tentavam avançar-se possíveis soluções para o restabelecimento da travessia que deixou Castelo de Paiva isolada. Como adiantou António Guterres, que durante o dia não abandonou o local do acidente, as hipóteses incluiam a construção de uma ponte provisória com recurso à engenharia militar ou a possibilidade de ter "ferry-boats" a ligar as duas margens. Sendo certo que a prometida nova ponte vai mesmo arrancar e resolver em definitivo o problema, garantiu.Várias hipóteses se colocavam, também, para a operação de resgate das vítimas. Se forem encontradas ainda no interior do autocarro, "ou há condições para retirar a viatura em peso, e já está contratada uma barcaça-grua para a tentar içar , ou então os mergulhadores terão que recuperar corpo a corpo todos os ocupantes".