23 de Fevereiro de 1981: o golpe mais enigmático em Espanha

Vinte anos após a sociedade espanhola ter vivido o sobressalto de um "putch" militar, os acontecimentos de 23 de Fevereiro de 1981 ainda suscitam polémica. As teses mais recentes insistem no envolvimento da "secreta" espanhola, o Centro Superior de Informações da Defesa (CESID). No entanto, o "23 F", como passou para o "calão" da história contemporânea de Espanha, permanece um golpe enigmático. Aliás, só ontem, duas décadas depois, os deputados espanhóis aprovaram, por unanimidade e aclamação, uma resolução condenando aquela tentativa de alterar a ordem constitucional."Sentem-se, porra, espero a chegada de uma alta autoridade militar." Foi com estas palavras que o tenente-coronel António Tejero Molina, da Guarda Civil, entrou no Parlamento espanhol, sequestrando deputados e o Governo. Às suas ordens estavam 358 militares do corpo militarizado mais importante de Espanha, que não hesitaram em disparar.Nas bancadas, os deputados, o Governo, convidados e jornalistas atiraram-se para o chão, com três excepções: o presidente do Executivo, Adolfo Suárez, o ministro da Defesa, general Gutierrez Mellado, e o líder comunista Santiago Carrillo. Era o fim da tarde de 23 de Fevereiro de 1981, quase seis anos após a morte de Francisco Franco, e então começava uma das mais duras jornadas espanholas em defesa da democracia.A pista de envolvimento do CESID reside em três factos: foi na sede de uma empresa madrilena relacionada com a "secreta" que decorreu pelo menos uma das reuniões dos conspiradores; um relatório dos serviços de informação referia a existência de um diabólico (mas falso) plano da central sindical Comissões Operárias para assaltar quartéis; foram agentes do CESID que conduziram os autocarros que transportaram a tropa rebelde da Guarda Civil ao Parlamento. Por isso, o instrutor do processo pediu 12 anos de prisão para o oficial José Luís Cortina, responsável da "secreta", que viria, no entanto, a ser absolvido pelo tribunal.A presença de agentes dos serviços de informação nos acontecimentos de há 20 anos pode, no entanto, ter outra leitura. A teoria mais clássica sobre o "23 F" refere a existência de vários golpes em preparação, que se "atropelaram" e tiveram o efeito redentor de se anularem mutuamente.Uma interpretação que radica em informações sobre planos para um "putch" de generais franquistas contra o rei, em Maio de 1981. Assim, a ocupação do Parlamento, com o apoio de gente de CESID, teria feito "saltar" os tanques que ocuparam Valência e a declaração de "estado de pré-guerra" do general Jaime Milans del Bosch, capitão-general da III Região Militar de Espanha. Versão benigna para alguns historiadores, que não consideram "profiláctica" a acção da "secreta" nem casual a conivência de diversas vontades golpistas.É certo que um dos três condenados a 30 anos de prisão, o general Alfonso Armada, foi contactado meses antes por dirigentes socialistas preocupados com a debilidade do Executivo de então, quando a União do Centro Democrático de Adolfo Suárez agonizava, entre contradições e lutas de poder. Armada, agora com 80 anos, marquês de Santa Cruz de Rivadulla, terá interpretado mal a preocupação dos socialistas com quem almoçou em Lérida.Recentemente, em entrevista concedida no seu paço galego de Ortigueira, nos arredores de Santiago de Compostela, onde se dedica a floricultura, o ex-militar nega que, quando chegou ao Parlamento, cinco horas após a ocupação pelos homens de Tejero, levasse no bolso o elenco de um governo de consenso, por si presidido, e que teria Felipe González como vice-presidente e Manuel Fraga Iribarne como ministro da Defesa. Mais: Alfonso Armada reafirma a sua lealdade à monarquia e preocupa-se agora com o seu eterno descanso. Quer ser enterrado na catedral de Santiago, onde repousam os restos dos seus pais, e já escolheu o epitáfio: "Quis amar a Deus e servir o próximo".Entre todas estas dúvidas, nenhuma das teses põe em causa o papel do rei Juan Carlos. O monarca opôs-se ao golpe, confirmou por telefone a Milans del Bosch que este estava detido e apareceu na televisão com a farda de capitão-general dos Exércitos em defesa da via democrática. Para tanto, teve que esperar que o Regimento de Cavalaria que ocupara a televisão espanhola, em Prado del Rey, nos arredores de Madrid, abandonasse aquelas instalações e permitisse a liberdade de movimentos dos jornalistas e técnicos.

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