Aaron Copland, os sons da América
Injustiçado, quase desconhecido na Europa, Aaron Copland desenvolveu nas suas obras aquilo a que se pode chamar um estilo nacional americano. Eclético, sempre irrequieto, brilhante.
No dia 14 de Novembro de 2000 passaram 100 anos sobre o nascimento de Aaron Copland. Em Portugal, a efeméride passou despercebida, mas Porto 2001-Capital da Cultura, a Câmara Municipal de Matosinhos e a Orquestra Nacional do Porto (ONP) não quiseram deixar de prestar homenagem a uma das figuras cruciais da música americana do século XX. Nos próximos dias 9 e 10, no Rivoli Teatro Municipal, terão lugar dois concertos comemorativos, onde serão interpretadas algumas das obras mais emblemáticas do compositor, reflexo da diversidade de influências e de posturas estéticas que atravessaram o seu percurso criativo: "Music for Theatre", o Concerto para Piano e Orquestra, o Concerto para Clarinete e "El Salón México". Serão solistas o pianista António Rosado e o clarinetista Carlos Alves, sob a direcção de Marc Tardue.Tal como Gershwin, Aaron Copland (1900-1990) nasceu em Brooklyn (Nova Iorque) no seio de uma modesta família de emigrantes russos de ascendência judia. Começou a estudar piano aos três anos, com uma das suas irmãs e, a partir dos 17 anos, iniciou-se nas técnicas de composição com Rubin Goldmark. O carácter rígido e conservador do ensino de Goldmark não impediu que Copland se sentisse fascinado pelas tendências musicais mais recentes. Aos 20 anos, parte para Paris, convertendo-se no primeiro aluno americano da grande pedagoga Nadia Boulanger. A efervescência cultural da capital francesa abre-lhe novos horizontes e permite-lhe o contacto directo com as obras de Debussy, Ravel, Stravinski, Milhaud ou Prokofiev. Em simultâneo, Coplando prossegue os estudos de piano com Ricardo Viñes.Boulanger acabaria por lhe encomendar a Sinfonia para Órgão e Orquestra para a sua primeira digressão à América. Nessa época, a música contemporânea era ainda um prato exótico para o público de Nova Iorque, pelo que a primeira audição da obra, em 1925, suscitou o seguinte comentário ao maestro e compositor Walter Damrosch: "Se um jovem de 25 anos consegue escrever uma sinfonia como esta, em cinco anos estará pronto para cometer um assassinato".Entre os compositores americanos da primeira metade do século, Copland é o que apresenta um percurso mais rico. Enquanto estava em Paris, apercebeu-se dos vários estilos nacionais emergentes e resolveu desenvolver um equivalente americano. De regresso ao seu país, as primeiras obras que compõe (como, por exemplo, "Music for Theatre" (1925) ou o Concerto para piano e orquestra (1926) são marcadas pela influência do jazz e dos blues.A esse período, no início dos anos 30, segue-se outro, breve e de pendor neoclássico, pautado pela abstracção e pela economia de expressão, de que são exemplo as Variações para piano"Short Symphony" e "Statements for Orchestra". Mas o espírito inquieto de Copland rapidamente o faz tomar novos rumos. "Comecei a sentir uma crescente insatisfação nas relações entre os melómanos e o compositor. Pareceu-me que nós, os compositores, estávamos a trabalhar no vácuo", explicou mais tarde numa das suas conferências. O compositor toma consciência do impacto da rádio, do disco e do cinema e tenta simplificar a sua linguagem no intuito de comunicar com um público mais vasto. A politonalidade e as dissonâncias agrestes de algumas obras anteriores dão lugar a melodias diatónicas e ao emprego de materiais da canção folclórica, quer da América do Norte, quer da América do Sul, como acontece em "El Salón México" (1936).As suas obras de carácter americano nascem ao mesmo tempo que os Estados Unidos se convertiam numa grande nação orgulhosa da sua exígua história, do seu conceito de liberdade e do indivíduo. Ao mesmo tempo que o cinema empreendia realizações idealizadas do passado americano, com a cristalização do "western", Copland escrevia música para filmes (ganhou um Óscar em 1948 com "The Heiress") e compunha para o teatro obras de louvor à paisagem americana e aos seus habitantes: a ópera para crianças "The Second Hurricane" e os "bailados de cowboys" "Billy the Kid" (1938), "Rodeo" (1942) e "Appalachian Spring" (1944).Mas o compositor nunca deixou de ser sensível às correntes europeias. Uma nova viragem começa a esboçar-se a partir da 3ª Sinfonia (1946) e do Concerto para Clarinete (1948), dedicado a Benny Goodman. Nos anos cinquenta, volta a adoptar um estilo mais severo e abstracto, influenciado pela técnica dodecafónica, por exemplo, nas canções sobre poemas de Emily Dickinson (1950) e, de modo mais acentuado, no Quarteto com piano (1950), na Fantasia para Piano (1947) e nas peças orquestrais "Conotations" (1962) e "Inscape" (1967). Depois, a sua vitalidade criativa decresce, levando-o a deixar de compor. Na fase final da sua vida, dedica-se sobretudo à direcção de orquestra, mas em 1983 retira-se vítima da doença de Alzheimer.Grande defensor da música contemporânea, Aaron Copland fundou a American Composer's Alliance e dedicou grande parte da sua carreira ao ensino (em Harvard e nos cursos de Tanglewood) e à divulgação musical. Entre 1959 e 1972, apareceu como conferencista, pianista e maestro em cerca de 60 programas de televisão. Entre os seus múltiplos escritos, destaca-se a colectânea "Musica e Imaginação", que reúne os principais textos das suas conferências. A Europa raramente rendeu justiça à sua obra. Esperemos que o ano do centenário seja também um ano de descoberta.