Artistas Unidos lutam há um ano n'A Capital
COMPANHIA QUER EDIFÍCIO RECUPERADO. "Se não houver decisões políticas que encarem a hipótese de haver aqui obras no final do ano, este projecto vai morrer", diz Jorge Silva Melo
Recue-se um ano, exactamente um ano. A 27 de Janeiro de 2000, o velho edifício do jornal "A Capital", no Bairro Alto, em Lisboa, parecia um espaço improvável para acolher espectáculos de teatro. Lá dentro, o labirinto de salas escuras e húmidas, com tectos gotejantes e pilhas de entulho, acusava as dificuldades que uma companhia de actores e produtores sem palcos para apresentar os seus espectáculos iria enfrentar. Mais: o espaço cedido pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e pela então proprietária, a Sojornal, tinha um prazo limitado para a instalação dos Artistas Unidos (AU): no final de Maio de 2000, deveria reverter para a CML. Jorge Silva Melo, director artístico dos AU, admitia então que a vida da companhia podia terminar ali. Não terminou: a ordem de saída foi adiada para 31 de Março deste ano, mas a sobrevivência dos AU continua ameaçada - a chuva teima em entrar, as paredes e tectos resistem heroicamente à ruína, o apoio da CML e do Ministério da Cultura (MC) não vem, o prometido subsídio de 90 mil contos do Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE) ficou "congelado", à espera de novas instruções do ministro da Cultura. "É evidente que, se não houver decisões políticas que encarem a hipótese de haver aqui obras no final deste ano ou no início de 2002, este projecto vai morrer por si próprio", explica Jorge Silva Melo. "Porque é engraçado vir aqui ver um, dois espectáculos em más condições, com frio, com gatos a entrar, etc., mas ao terceiro ano começa a esgotar-se, assim como se começam a esgotar as possibilidades cenográficas disto. A pouco e pouco, as pessoas vão ver a mesma parede suja, com os mesmos actores à frente, e vão mudar de sítio."É certo que houve obras - gastaram-se 35 mil contos no ano passado em reparações e limpezas -, mas "é quase tudo para deitar fora". Um ano a viver na indefinição, entre os caprichos meteorológicos, as ordens de despejo e os cortes de electricidade. "Com as chuvas deste ano, que foram terríveis, houve um prédio inteiro que deixou de poder ser utilizado [ao todo, o espaço ocupa um quarteirão, comportando três edifícios de cinco andares]. Se não houver obras brevemente, a deterioração vai aumentar. Num prédio, desabaram os tectos todos. Era o sítio onde tínhamos o guarda-roupa, tivemos que tirá-lo rapidamente de lá. O prédio está muito frágil, em boas condições físicas, mas há vidros partidos, janelas que não fecham... Na noite do grande vento, as janelas partiram-se e caíram em cima de um automóvel. Foram 120 contos para pagar as despesas do automóvel porque o prédio não tem seguro. São assim: pequenos acidentes muito cansativos."Apesar de reconhecer que existe "boa vontade" por parte da CML e do MC, Silva Melo acrescenta que a espera tem sido longa. "É evidente que as gestões municipais e estatais são demoradas, mas eu tenho a vida para resolver e espectáculos para apresentar... Se não vir hipóteses de isto se estruturar dentro de um ano ou ano e meio, não vale a pena continuar." O presidente da CML, João Soares visitou recentemente A Capital e garantiu que a estadia dos AU seria prolongada. "O dia 8 de Janeiro foi particularmente divertido. Porque recebemos uma carta da câmara a dizer que tínhamos que ir embora a 31 de Março. E nesse dia veio cá o dr. João Soares dizer que estava tudo bem, que podíamos continuar." A 28 de Fevereiro do ano passado, Jorge Silva Melo entregou à CML o documento "Um Projecto para A Capital", que prevê a criação de um Centro de Artes do Espectáculo no edifício, propondo obras de recuperação e o estabelecimento de um rede de interligação entre várias áreas, do teatro à dança. O bailarino e coreógrafo João Fiadeiro já se instalou no edifício, bem como os Actores-Produtores-Associados de Manuel Wiborg, ou a realizadora Solveig Nordlund. Só falta mesmo a resposta da CML. "Tenho a impressão que [João Soares] não conhece o projecto com grande profundidade. Deve ter ficado lá nos arquivos... Voltei a mandar-lhe isso no outro dia e ele está a estudá-lo."A proposta prevê a criação de três salas de espectáculos, duas salas de ensaios e uma sala de leituras e ensaios, para além de dois estúdios de dança, escritórios, um núcleo de escritórios e um centro de produção."O que tinha ficado mais ou menos acordado com o ministro Carrilho é que o que diz respeito a equipamentos, redesenho de salas de teatro e ensaio poderia vir a ser financiado pelo MC - a um ritmo faseado, de cinco ou seis anos -, e toda a parte de recuperação, infiltrações, estrutura das paredes e insonorização seria paga pela câmara." Com a mudança de tutela no MC, José Sasportes "disse que achava o projecto muito interessante", mas, acrescenta Silva Melo, "não sei se posso acreditar na palavra dele porque também disse que me dava o subsídio e agora meteu-se numas grandes trapalhadas..."