Não há alhos nem crucifixos. É um duelo entre Bem e Mal que mais parece um "western". O vingador, e caçador de vampiros - James Woods, impenetrável como Bogart, Wayne ou Eastwood -, desaparece no mítico horizonte deixando atrás de si um mar de chamas. "Vampiros de John Carpenter" ou a economia da série B e o furor do "gore". John Carpenter assume-se como herdeiro da tradição do cinema clássico americano e tem sublinhado o facto de ter chegado à indústria para fazer "westerns" acabando por entrar na lógica do "thriller" ou do filme do terror. Em 1982 revisitou, de forma explícita, um clássico de Howard Hawks (embora assinado por Christian Nyby), "The Thing" (1951), em uma das mais ousadas figurações de moderna contaminação cancerígena em pretextual ambiência de ficção científica: "Veio do Outro Mundo". No entanto, já antes a sombra de Hawks pairara sobre a segunda obra do catálogo "carpentereano": o fabuloso "Assalto à 13ª Esquadra" (1976), "remake" sob a forma de policial urbano de um dos "westerns" paradigmáticos do final da década de 50, "Rio Bravo", exercício de claustrofobia espacial ligando o género à essencialidade unitária da tragédia. Esta subversão das regras dos géneros passa, desde então, a fazer parte da intervenção de Carpenter na recuperação de esquemas narrativos herdados do passado e cruzados com a economia meticulosa da série B. "Vampiros" serve de ilustração perfeita para esta deslocação de sinais, instrumentalização de um sub-género reconhecível (o filme de vampiros, variando sobre a matriz clássica - do "Nosferatu" de Murnau ao "Drácula" de Tod Browning) para criar uma pluralidade de atmosferas e uma sobrecarga de vectores direccionais: o esquematismo do "western" fim-de-género ("Os Sete Magníficos", de John Sturges, por exemplo), a crueza do "western-spaghetti" ou a irrisória comicidade de um produto menor como "Os Caça-Fantasmas", reinvestido de uma actuante auto-ironia. Um grupo de profissionais destruidores de vampiros percorre, na companhia de um padre exorcista, os locais suspeitos de alojarem os mortos-vivos e procede sistematicamente à sua eliminação. O esplendor da série B expõe-se perante os nossos olhos desde as primeiras imagens: a fixação da câmara no protótipo da casa assombrada, a amplificação do objectivo nos olhos do caçador de vampiros (James Woods, rosto de imperturbável força, a recriar o anti-psicologismo dos heróis clássicos, de Bogart a John Wayne ou a Clint Eastwood), a mão amputada, o arpão na testa e no coração dos "monstros" e a magnífica explosão provocada pelo incêndio dos corpos dos vampiros à luz do dia, prolongada pela tétrica colecção de caveiras reminiscentes da exposição de escalpes nas ficções tradicionais do Oeste. Aliás, esta incompatibilidade do vampiro com a luz funciona, de parceria com a impalação, como uma das raras memórias do arsenal de efeitos associados às criaturas da noite. O discurso do filme ironiza sobre os restantes adereços, alhos, cruzes ou reflexos no espelho (diz-se que os vampiros nada têm de romântico e que não são como no cinema), até porque um dos objectivos da revisitação passa por uma reformulação do sagrado, ligando a tradição vampiresca a um erro do ritual católico romano devido a uma falha no exorcismo algures na Idade Média. Não se julgue, porém, que o filme se preocupa com coerências históricas ou com a condenação da hierarquia religiosa. Em vez disso, a figura do cardeal e a cerimónia de inversão do exorcismo original encenam uma visualidade "camp", misto de cenário banhado em néon e de uso dos paramentos como mero guarda-roupa para uma cerimónia sobrenatural. Todos os dados estão já lançados na sequência da carnificina localizada no Sun God Motel, em que se afrontam o Bem e o Mal, onde a resolução visual do massacre se dissolve num fundido em vermelho, como uma gigantesca menstruação que une os cadáveres das prostitutas e os restos desconjuntados dos caça-vampiros. Como num idealizado arremedo de "western", o vingador, sobrevivente da chacina, prepara lentamente a imolação das vítimas, lança o isqueiro e afasta-se, caminhando em frente da cortina de chamas e com o sinal de reclame ao Visa como contraponto anti-mítico. Igualmente fundamental se torna o ressurgimento do Mestre e dos seus sete acólitos, vindos das areias do deserto para um cenário de nuvens rosadas tintadas de azul, precioso trabalho sobre a cor e variação sobre o estereótipo do género. Entre o deserto reconstruído para conter as ruínas do "western" e a cidade fantasma destinada a servir de palco para a cerimónia de "salvação" dos condenados eternos, medeia um pequeno passe de mágica: a prisão sinaliza o paraíso dos transgressores, acantonados num mundo controlado por circuitos internos de televisão e delimitado pelo aviso de perigo iminente - "no trespassing". A narrativa compraz-se, aliás, nesta exposição de constantes citações descontextualizadas: a cidade lembra os resquícios de um "western" inexistente, tal como a representação dos frades mortos na missão de onde se retirou a cruz evoca a iconografia dos "Santos Mártires". Nada faz já sentido, o filme alimenta-se vampirescamente de pedaços inertes de outros universos, criando um vazio de representação que se preenche com o excesso de sinais. Sobre a morte, constrói-se um discurso eclético de acumulação, um recurso barroquizante ao cultismo das formas: o "Vaya con Dios" final parodia uma saudação que se convencionou cristalizar numa fórmula já sem sentido; a separação dos dois amigos (James Woods e Daniel Baldwin), apartados pela contaminação de um deles (o herói impoluto e o "futuro vampiro" que lhe salvou a vida), suspende o epílogo para uma vingança que não ignora as regras de um género (o vampiro tem que ser destruído) mas que não prescinde das marcas de outro género - a amizade masculina do herói do Oeste e do seu comparsa merece, pelo menos, o benefício de uma fuga estratégica. O fascínio das imagens triunfa, pois, do enterro dos géneros. O cinema clássico está morto? Viva o cinema clássico!
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