A hora e a vez da Quinta dos Ingleses
Suspense: a Assembleia Municipal de Cascais decide amanhã se a Quinta dos Ingleses vai passar os próximos 15 anos em obras. Uma construtora quer pôr ali de pé quase 100 prédios, com 1500 fogos. Autorizar o projecto é, para José Luís Judas, "uma questão de honra".
Quinze anos é o prazo acordado entre a construtora Alves Ribeiro e a Câmara Municipal de Cascais para pôr de pé a urbanização prevista para a Quinta dos Ingleses, frente à praia de Carcavelos. Vítor Ribeiro, patriarca da empresa, diz que o ritmo das obras será ditado pela "saída" que os novos fogos vierem a ter: constrói-se mais à medida que se vai vendendo o já construído.A preços da década de 90, o projecto orçava em cerca de 65 milhões de contos. Vítor Ribeiro não diz quanto custará agora construir ali, nos mais de 200 mil metros quadrados de área bruta acordados entre a sua empresa e a câmara. Quinze anos é o prazo máximo para a conclusão da obra, acordado por escritura assinada, em 1985, pela presidente, então social-democrata, do município de Cascais, Helena Roseta, e a Savelos - a empresa a quem, três anos depois, a Alves Ribeiro comprou os mais de 400 mil metros quadrados de solo que rodeiam o colégio inglês (St. Julian's School). Segundo Vítor Ribeiro, o prazo não foi alterado nas negociações com a câmara do socialista José Luís Judas.Se a Assembleia Municipal aprovar amanhã o plano de pormenor que viabiliza a nova urbanização, e o Governo o ratificar, nos próximos anos serão erguidos, na Quinta dos Ingleses, cerca de 100 prédios para habitação, a que se juntarão um edifício para escritórios e um centro comercial - cerca de 1500 novos fogos a serem implantados na única parcela do litoral de Cascais ainda não entregue à construção.Nos anos 40, Branca Colaço e Maria Archer gabavam a localização da Quinta dos Ingleses. "Não podia ter melhor situação. Ocupava e ocupa um espaço livre entre Carcavelos e o mar. Dominava e domina a maior parte do horizonte da praia", escreviam elas, nas suas "Memórias da Linha de Cascais", sobre o terreno onde, no final do século XIX, se tinham instalado os ingleses do Cabo Submarino. A Quinta dos Ingleses é um dos raríssimos casos de sobrevivência de um espaço por elas descrito. Quase tudo o resto desapareceu entretanto. A quinta é também o lugar onde Portugal, pela mão dos ingleses, descobriu o futebol - desde então uma das suas principais paixões.Um homem saído das fileiras comunistas para acabar eleito, pelo PS, para presidente da Câmara de Cascais, José Luís Judas, insiste agora que a urbanização da Quinta dos Ingleses é, para ele, uma "questão de honra". Ele deverá a muito curto prazo interromper o seu segundo mandato na autarquia, mas espera não o fazer sem primeiro ter viabilizado o compromisso assumido há 15 anos pelo PSD.A história, aliás, começa em 1958, quando o proprietário de então, a Eastern Telegraph Company, obteve autorização para um estudo urbanístico da quinta. Os ingleses já ali tinham instalado o cabo submarino que assegurava as comunicações com o outro lado do Atlântico. Havia a casa apalaçada do século XVIII, que alberga agora o colégio St. Julian, e novas moradias, actualmente arruinadas, para os funcionários da companhia. Acabaram por sair de Carcavelos sem acrescentar nada mais à quinta.O terreno foi depois vendido à Savelos que, em 1972, completa o seu primeiro projecto para a Quinta. A câmara aprovou-o em 1982, já com alterações, lavrou escritura de urbanização e apresentou em 1987, com o também social-democrata George d'Argent como presidente, a primeira minuta de alvará de loteamento. No notário, a autarquia comprometia-se a emitir tal documento num prazo de 60 dias. Mas 15 anos depois continua a não haver alvará emitido, devido à controvérsia que a projectada urbanização sempre suscitou, tanto na câmara, como entre a população."No inquérito público praticamente toda a gente se pronuncia contra a urbanização", admitiu Judas aos seus vereadores, em Novembro passado. Era o resultado da consulta a que foi sujeito o plano de pormenor. Mas, na reunião de câmara, o presidente acrescentava: "o inquérito público não torna obrigatório que se faça exactamente o que as pessoas querem".Meses antes, Judas reconhecera que, à luz da lei actual, o proprietário não tem direitos adquiridos de construção - uma questão central neste processo -, porque, precisamente, nunca foi emitido o alvará de loteamento. Entretanto, a Alves Ribeiro apresentara em 1999 uma acção em tribunal contra a Câmara, por incumprimento de contrato. Exigia uma indemnização de quase dois milhões de contos. O tribunal ainda não se pronunciou. "Não queremos, contra todos, fazer uma coisa qualquer", diz o sobrinho de Vítor Ribeiro, João Pereira de Sousa. A Alves Ribeiro, que também construiu as Amoreiras e o complexo do shopping dos Olivais, garante que o projecto a votar amanhã pela Assembleia Municipal nada tem a ver com o inicial: "É muito melhor." É também esta a opinião de Judas, embora este tenha admitido, já em Janeiro corrente, que idealmente devia haver "menos construção" na quinta. Construam-se antes moradias unifamiliares, propôs-se no inquérito público. A autarquia considerou a proposta "elitista". Mas sobre a nova população que eventualmente ocupará aquele espaço, afirma que terá como apoio escolar o actual colégio inglês - precisamente um dos mais caros da linha do Estoril...A câmara diz que, por causa do inquérito, se diminuiu a altura dos edifícios previstos - que têm agora um máximo de sete pisos -, que a área de construção foi reduzida em mais de quatro mil metros quadrados e que foram aumentados os espaços verdes públicos, que ocuparão agora 15 hectares. João Pereira de Sousa gaba, por seu lado, a filosofia do projecto, o "regresso ao quarteirão pombalino" - cerca de 90 prédios para habitação estarão arrumados em seis blocos de 15, dispostos em torno de áreas verdes interiores. São blocos "com frentes de cerca de cem metros" sublinha, apreensiva, a Junta de Freguesia de Carcavelos. Entretanto, percebeu-se que estava prevista a construção de dois dos edifícios em plena Reserva Ecológica Nacional (REN). A ocupação da REN chegou a ser proposta à câmara, mas quem a admitia exigia, em troca, a salvaguarda da frente de mar, única existente em toda a área de Lisboa. Libertava-se essa frente da construção, desviava-se dali um parque de estacionamento de 800 lugares imposto pela administração central, e que deverá ocupar a primeira linha de construção paralela ao mar. A não ser assim, afirmava-se no inquérito, sairiam lesados "os direitos maioritários de fruição pública desta importante área de enquadramento paisagístico da praia de Carcavelos".O grupo de cidadãos que mais se tem oposto à urbanização da Quinta dos Ingleses, o Fórum por Carcavelos, acusa a câmara de ter autorizado a violação do Plano Director Municipal, que estipula, para casos como o deste terreno, "que devem ser tomadas como referência as cérceas dominantes das zonas urbanas" - em redor da quinta a construção preponderante é de vivendas - e que estabelece "alturas máximas de fachadas de 16 metros". Ora, o plano de pormenor indica que a "cércea dominante" agora proposta será de 17,6 metros.Há muito tempo, Branca Colaço e Maria Archer contavam que nos primeiros anos do século XX, por conta do futebol, "os portugueses, novatos no jogo, iam à Quinta Nova (dos Ingleses) como quem vai à escola". Amanhã, a Assembleia Municipal de Cascais decidirá também se todo aquele espaço passará em obras os próximos 15 anos.