Islândia lunar
Quando se é confrontado com a música abstracta dos Sigur Rós, não se sabe o que é real e o que não é. Cada um tem direito às suas próprias respostas porque o essencial é que ela nos faz sonhar. E isso é raro na música actual.
"Ao princípio a ideia parecia não fazer sentido, mas quanto mais pensava no assunto, mais ela me parecia certa. De forma subconsciente, a paisagem e a atmosfera da Islândia fazem parte da nossa música. Estão no interior da nossa música". As palavras são de Georg Holm do grupo Sigur Rós e reflectem a ligação intíma que parece existir entre a música do quarteto islandês e as paisagens de fogo e gelo daquele país do Norte da Europa.Até pode nem ser assim. A identificação entre a música do grupo e o imaginário de uma Islândia feita de desertos de gelo, sol à meia noite ou auroras boreais pode ser fabricado. Mas que interessa isso? A verdade é que quando somos confrontados com a música do grupo temos direito às nossas próprias respostas. Pode-se gostar ou não de um disco sem chegar às intenções dos seus autores, mas o essencial é que ele nos faça sonhar. A música, como diria Björk, é uma linguagem que serve para exprimir coisas que não se consegue dizer, que se desconhece. Os Sigur Rós têm esse mérito de deixar espaços em aberto para o sonho. Há quem diga que são reacionários, utilizando o argumento de que possuem demasiadas referências do passado. De tão utilizado, o argumento começa a soar a falacioso, a esquema retórico que se utiliza quando mais convém. É verdade que existem silhuetas na música dos Rós que são perfeitamente nítidas (My Bloody Valentine, Mercury Rev ou This Mortal Coil), mas o argumento isolado, por si só, não tem qualquer validade, porque esquece que é muitas vezes nas viagens de reconhecimento ao passado que se abrem mais portas para o futuro. E basta nomear alguns dos melhores álbuns do ano transacto - de Goldfrapp aos Magnetic Fields, dos Two Banks Of Four a D' Angelo - para se perceber que se existe um regresso aos anos 80 por parte dos Rós, esse movimento de aparente recuo não anda necessariamente de costas voltadas para o mais urgente sentido da contemporaneidade. Mas os Sigur Rós não querem saber, habitam um lugar próprio, longe da realidade Ocidental mais vulgar. O culto alastra. Até agora os Rós têm mantido uma atitude discreta, mas o culto tem vindo a alastrar. O quarteto Orri Páll Dy'rason, Georg Holm, Kjarri e Jón Pór Birgisson lançou até ao momento três álbuns. Os dois primeiros - "Von" de 1997 e o disco de remisturas "Von Brig<eth>I" - foram editados apenas na Islândia através da editora Smekkleysa, mas o último, "Agaetis Byrjun", já conheceu distribuição mundial através da casa inglesa Fat Cat. Recentemente foi também editada a banda-sonora do filme do realizor islandês Hilmar Orn Hilmarsson, "The Angels Of Universe", onde os Sigur Rós participam com dois temas originais. O lançamento do álbum "Agaetis Byrjun" na Europa abriu-lhes as portas do circuito de concertos. Fizeram primeiras partes dos Radiohead e andaram em digressão com os canadianos Godspeed You Black Emperor!. Tal como estes últimos, com quem são muitas vezes comparados, a sua música ganha ao vivo uma dimensão quase religiosa. A voz única do cantor-guitarrista Jonsi dilui-se por entre uma música rock espacial, de grande lirismo, feita de crescendos e de belas orquestrações. Deixando em aberto um espaço emocional onde desembocam guitarras em fúria, ondas de ruído, silêncios e teclados expansivos. Diz-se. Que quando se chega à capital da Islândia, Reykjavik, a aridez da paisagem se confunde com a imagem que temos da lua. O contraste entre o despojamento silencioso da paisagem e a hiperactividade da pequena cidade é enorme. Foi ali que os Sugarcubes, Björk, Gus Gus ou os Múm nasceram e se deram a conhecer ao mundo. É também a partir dali que os Sigur Rós têm todas as condições para se tornarem numa das bandas mais relevantes do universo rock para os próximos anos. Porque a sua música reflecte esse grau zero da perplexidade perante uma natureza que esmaga de tão avassaladoramente bonita.