O pânico de ser gorda
Só a ideia de engordar pode causar pânico. Sobretudo entre as raparigas. Para manter a linha, as adolescentes são capazes de passar horas e horas sem comer. Muitas vezes dispensa-se a consulta ao médico. Conclusões de um estudo inglês, em tudo idênticas às investigações feitas em Portugal.
Mais do que qualquer outra coisa, é a aparência que aparece no topo das preocupações dos adolescentes ingleses. No caso das raparigas, é frequente vê-las passar um dia inteiro sem comer, com o único objectivo de perder peso. Assim conclui um inquérito anual sobre o comportamento dos estudantes em relação à saúde, levado a cabo pelo Departamento de Educação para a Saúde nas escolas. Tanto eles como elas atribuem uma importância enorme à aparência. A tal ponto que chegam a pôr em risco o seu bem-estar recorrendo a dietas manifestamente excessivas, relata a BBC. De acordo com o estudo, 60 por cento das jovens inquiridas, entre os 14 e os 15 anos, disseram que precisavam de perder peso. Algumas agem em consonância e são capazes de "saltar" refeições ou passar horas sem comer. Perto de um quinto (18 por cento) das jovens admitiram não tomar o pequeno-almoço e 15 por cento não almoçam. Mas há ainda uma percentagem (4,5 por cento) que diz mesmo não comer até, pelo menos, à hora do lanche. Os números revelam uma percepção errada se se atender ao facto de que apenas 13 por cento dos casos analisados correspondem, em termos clínicos, a problemas de peso excessivo. Quanto aos rapazes, as preocupações não são tão visíveis. Ainda assim, quase três em cada dez alunos expressaram a mesma angústia com os "quilos a mais".Para o investigador David Regis, este mal-estar injustificado é sinónimo de uma "baixa auto-estima" e de uma "grande ansiedade com a aparência". Regis apelou aos directores de revistas e canais de televisão para que "passem a mostrar a variedade de formas de corpo que existem", de forma a que se diminua a pressão sobre os adolescentes.O fenómeno não afectará exclusivamente os adolescentes ingleses. Em Portugal, diversos estudos apontam para a mesma preocupação extrema (e, muitas vezes, infundada) com a aparência. Há cinco anos, um trabalho coordenado pela endocrinologista Isabel do Carmo, concluía que quase um terço das 2400 alunas inquiridas em escolas dos distritos de Lisboa e Setúbal faziam dieta. Não que tivessem algum problema de obesidade - para a constituição da amostra foram seleccionadas apenas raparigas de peso normal/baixo. "O que se passava é que estas raparigas tinham uma visão deformada da sua imagem corporal e acreditavam estarem gordas", explica Isabel do Carmo. Ainda assim, poucas eram as situações que degeneravam em casos clínicos. Apenas uma em cada 230 alunas apresentava um problema de anorexia nervosa.E se a adolescência aparece como o período mais vulnerável, os jovens parecem arrastar a preocupação até outras idades. Um inquérito a alunas universitárias do 1º ano, coordenado pelo professor Paulo Machado, da Universidade do Minho, chegou a conclusões em tudo idênticas. Primeiro dado: mais de 80 por cento das raparigas responderam ter medo de "ficar gordas ou ganhar peso". E algumas admitiram mesmo que só a ideia provocava-lhes "pânico". Não se estranha pois que 329 (70 por cento) das 486 inquiridas tenham dito que gostavam de perder peso. Sendo também certo que apenas 24 alunas apresentavam um peso superior ao normal e 19 por cento eram efectivamente magras.Porque os "estudantes universitários começam a ser referidos como um grupo que apresenta grande insatisfação com o peso e extrema preocupação com o seu ganho e controlo", uma equipa de docentes das faculdades de Nutrição e Ciências Humanas de Porto e Medicina de Lisboa quis saber de que forma é feito esse controlo. E as conclusões preliminares apontam para que, tal como os jovens britânicos, as estratégias utilizadas para manter a linha sejam frequentemente definidas pelos próprios jovens e dispensem uma ida ao médico. Assim, entre os 103 estudantes da Universidade do Porto inquiridos (91 do sexo feminino e 12 do sexo masculino), 37 por cento responderam já ter mudado a alimentação para perder peso. A maioria (45 por cento) por iniciativa própria. Apenas 17 por cento seguiram uma dieta prescrita pelo médico ou outros profissionais de saúde. A prevalência de comportamentos considerados "indesejáveis", como omitir refeições (14,3 por cento), fazer dietas publicitadas em jornais ou revistas (14,3 por cento) e, sobretudo, utilizar laxantes (1 por cento), é considerada "preocupante" pelos investigadores.Perante estes dados, Pedro Moreira, professor na Faculdade de Ciência da Nutrição e Alimentação na Universidade do Porto e um dos autores do estudo, considera importante "abandonar a pressão constante que leva as mulheres a atingir uma silhueta irrealista". Porque uma coisa é discutir a "diferença entre a imagem corporal e aquela que se idealiza; outra, bem diferente, é considerar que o corpo feminino perfeito é aquele que se se afasta do próprio corpo de mulher". Mas tudo se complica quando o controlo de peso se associa à obtenção de "uma desejada sexualidade, cada vez mais frequentemente explorada". Ou quando as imagens socialmente veiculadas continuam a defender o ideal da magreza.