Como nasce uma estrela
Os berços das estrelas são as nuvens escuras, carregadíssimas de poeiras e matéria. Hoje, o astrofísico português João Alves explica como é que destas nuvens nascem as estrelas.
Primeiro, o astrofísico português João Alves obteve imagens inéditas do interior de um local onde nascem as estrelas e os planetas. Agora, revela na revista científica "Nature" como é a estrutura interna desse berço - a que se chama nuvem escura -, o que explica como nasce uma estrela e depois, à volta dela, os planetas. Em última análise, este trabalho poderá trazer novos dados sobre o processo de formação do nosso próprio sistema solar há 4500 milhões de anos. Barnard 68 é, por assim dizer, a nuvem escura de estimação de João Alves, que trabalha na sede do Observatório Europeu do Sul (ESO), perto de Munique, Alemanha. Observou-a em Março do ano passado no Chile - nos telescópios Very Large Telescope (VLT), no Monte Paranal, e New Technology Telescope (NTT), no Monte La Silla - e o resultado foram imagens espectaculares e únicas das entranhas desse berço de estrelas e planetas. Pela primeira vez, viu-se como era por dentro um objectos destes, que, por serem muito densos e frios, são praticamente indetectáveis através de observações directas. Mas graças a melhorias na tecnologia que permite observar a radiação infravermelha, e que foi incorporada no NTT, tornou-se possível uma observação mais directa da nuvem. Pouco depois da obtenção dessas imagens, o ESO, João Alves e os investigadores norte-americanos Charles Lada (do Centro de Astrofísica Smithsonian da Universidade de Harvard) e Elizabeth Lada (da Universidade da Florida) revelaram-nas ao mundo a 2 de Julho: vê-se que a zona central da nuvem, cheia de átomos de hidrogénio e poeiras, é tão densa que bloqueia a luz das estrelas atrás de si. Pela primeira vez, penetrou-se nas regiões mais opacas deste objecto com um pormenor nunca antes alcançado. A Barnard 68 foi, então, primeira página do PÚBLICO.Mas o que é uma nuvem escura? As nuvens escuras contêm quantidades brutais de partículas minúsculas e são um dos objectos astronómicos mais frios do Universo, a sua temperatura é geralmente de 263 graus Celsius negativos (a temperatura da Barnard 68 é de 257 graus Celsius negativos). Na nossa galáxia, a Via Láctea, e no Universo em geral existem grandes bolsas de nuvens escuras que servem de berçários de estrelas e planetas. Sabe-se que a matéria das nuvens como a Barnard 68 começa a contrair-se, em algum momento, e transforma-se em estrelas. O que se passa na Barnard 68 é que já está à beira da contracção da matéria, até que se "acenderá" uma estrela e se iniciem as reacções termonucleares existentes nestas fornalhas do Universo.Mas como é que isso acontece exactamente e o que leva a matéria a formar uma estrela? O que é que desencadeia o seu colapso gravitacional, até porque há nuvens escuras que dão estrelas e outras não? Não se sabia - até agora -, e esse é o elo perdido entre as nuvens escuras e o nascimento das estrelas. "Estas nuvens são altamente opacas e a sua estrutura interna sempre permaneceu um mistério desde que sabemos da sua existência. As fases seguintes da evolução estelar são muito mais conhecidas e, por isso, alguns cientistas referem-se a essas fases muito iniciais como o elo perdido na actual imagem que fazemos da formação de estrelas. Os resultados actuais modificam esta situação", diz um comunicado de imprensa do ESO, organização intergovernamental fundada em 1962 e a que Portugal aderiu como membro de pleno direito no ano passado.Na senda de mais conhecimentos sobre as nuvens escuras, João Alves - de 32 anos, licenciado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que partiu, em 1995, para os Estados Unidos, onde preparou a tese de doutoramento no Centro de Astrofísico de Smithsonian - volta hoje à Barnard 68. Desta vez, o astrofísico português e os colegas norte-americanos extraem o "sumo científico" dessas mesmas imagens tiradas em Março de 1999, como diz ao PÚBLICO João Alves.A equipa construiu vários modelos teóricos físicos, e um deles encaixa-se no que se observa nesta nuvem escura. É esse modelo que explica, a partir de agora, o que se passa numa qualquer nuvem escura à beira de dar à luz uma estrela. "O modelo explica a distribuição da matéria numa nuvem que vai formar uma estrela. Sabíamos que existem nuvens e estrelas, mas como a matéria se distribuiu e em que ponto é que começa a formar uma estrela ninguém sabia. Este é o elo que faltava entre uma coisa e outra", diz João Alves.A distribuição da matéria dentro da Barnard 68 não é uniforme: é mais densa no centro do que na parte externa da nuvem. Dentro de um milhão de anos, nos cálculos de João Alves, existirá uma estrela jovem e, no disco de matéria que a rodeará, formar-se-ão planetas. Se será uma ou duas estrelas é que o astrofísico não pode responder, mas serão sempre poucas, porque a Barnard 68 não possui matéria suficiente para criar um aglomerado de estrelas. O estudo de uma nuvem como a Barnard 68 poderá ainda trazer outras novidades sobre a formação do nosso sistema solar. Talvez o nosso Sol e os nove planetas que o orbitam tenham nascido numa nuvem calma como a Barnard 68, numa nuvem que não dá origem a muitas estrelas cujos ventos e radiação ultravioleta destruam os discos de matéria planetários. Por isso, o próximo passo será tentar saber em que nuvens escuras é que nascem planetas, descobertos fora do nosso sistema solar há apenas cerca de cinco anos. "Será que há planetas em torno de todas as estrelas ou só daquelas que têm um nascimento mais calmo, em nuvens como a Barnard 68?", remata João Alves.