O programa que mudou a televisão

Big Brother, o mais controverso programa de televisão em Portugal, conhece hoje o seu desfecho. Os últimos quatro meses foram um pesadelo para a SIC e uma dor de cabeça para a RTP. À custa do "voyeurismo", a TVI ultrapassou a RTP e assustou a SIC. E transformou o programa em notícia diária com tanto ou mais destaque do que assuntos de política nacional. A programação da estação de Rangel procurou um antídoto para a popularidade do concurso, mas fracassou. Por fim, reconheceu o erro e avança para um parente próximo do Big Brother. José Eduardo Moniz diz que a decisão é "o símbolo máximo das contradições" da SIC e prevê que em 2001 a concorrência entre os dois canais seja mais aguerrida. Na Internet, o portal IOL passou 4,5 milhões de "pageviews" em Março para 35 milhões no final de Novembro, 20 milhões das quais devem ser atribuídas à "novela da vida real".

Quando o fantasma do Big Brother começou a pairar no mercado televisivo português, José Eduardo Moniz não hesitou em afirmar publicamente que o programa iria mudar radicalmente o panorama audiovisual. Poderia não passar de uma ambição, mas na verdade, o director geral da TVI tinha razão. A TVI passou a ser a segunda estação mais vista, aproximando-se da SIC e deixando para trás a RTP. Mais: obrigou a SIC a corrigir a estratégia de programação e avançar com um "primo" do Big Brother. Ao longo dos últimos quatro meses de pesadelo para a SIC, a estação de Emídio Rangel perdeu os seus confortáveis 50 por cento de "share", únicos no mercado europeu, apesar de, até agora, se manter líder dos canais mais vistos. Dezembro vai saldar-se por 40 por cento de quota de mercado, o mesmo valor de Novembro e de Outubro, ou seja, quase menos dez pontos do que o conquistado nos últimos anos. A RTP baixou de segundo para terceiro lugar, em números embaraçosos (22 por cento de "share") para uma estação pública que é totalmente dependente dos dinheiros do Estado. A TVI passou de uma pequena estação para um patamar intermédio, assustando a poderosa SIC. Pregou valentes sustos às terças-feiras, em que o share do programa em directo de Teresa Guilherme chegou a uma média de 70 por cento, um feito que até agora só era conseguido pelas telenovelas brasileiras ou pelo futebol. O efeito Big Brother não foi apenas visível na posição comercial dos canais generalistas. Reflectiu-se, de uma forma ou de outra, na programação das estações concorrentes. A SIC experimentou vários antídotos para combater a popularidade do "reality-show": horas infinitas de telenovela brasileira, especiais de A Febre do Dinheiro com Carlos Cruz, e séries popularuchas como Malucos do Riso. À medida que as audiências do Big Brother cresceram (e ficou ridículo classificá-lo como um "flop"), o horário nobre da SIC transfigurou-se. O Jornal da Noite ficou mais curto, séries portuguesas como Cuidado Com As Aparências foram suspensas, programas como Sex Appeal foram adiados, e o Esta Semana, de Margarida Marante, nunca mais regressou das férias de Verão. Um mês de Big Brother depois, a SIC apressou-se a estrear séries nacionais (Bairro da Fonte, Querido Professor) como forma de tentar fazer frente ao português que passou a dominar a emissão da TVI ao longo do dia. Quase ao fim dos quatro meses de Big Brother, a SIC anuncia um concurso do mesmo género e da mesma produtora - Acorrentados. Emídio Rangel é obrigado a reconhecer que errou ao pensar que o programa da TVI não teria público em Portugal. A apetência da SIC para este tipo de "reality-shows" (que se vulgarizaram nas televisões de todo o mundo) pode não ficar por aqui. A Globo, accionista da estação, está a negociar com a holding da Endemol (a produtora responsável por Big Brother) a possibilidade de conceder à SIC a primeira opção sobre os direitos de um conjunto alargado de programas daquela multinacional. Um negócio que, a concretizar-se, deixaria a TVI apenas os direitos negociados sobre o Big Brother 2, a exibir em breve.Apesar de o concurso terminar amanhã, as doses de Big Brother vão continuar. Ao longo de Janeiro, a TVI vai mostrar o quotidiano dos ex-residentes, em regime diário. Para este ano, está também anunciada a exibição da versão norte-americana do Survivor, uma espécie de desafio de sobrevivência numa ilha remota, observado por câmaras de filmar. Perante a aguerrida concorrência entre SIC e TVI, a RTP refugiou-se num discurso de qualidade e de serviço público. A preocupação dos gestores da estação, sobretudo, os do primeiro canal tem sido a de não baixar as audiências para níveis ridículos. Foi já anunciado que a programação da RTP1 tentará ser dominada pelo português e por ideias nacionais quer em ficção quer em entretenimento. É o caminho possível para uma estação que, por pudor, rejeita seguir a tendência dos "reality-shows".

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