A maldição de Tutancamon

Parece um argumento digno do filme "A Múmia": tem uma stripper, uma escritora de ficção do século XIX e tochas humanas. Foi a mistura destas personagens que resultou, segundo um estudo agora publicado, no aparecimento da maldição associada à descoberta do túmulo do faraó Tutancamon. Um tema que saltou para as primeiras páginas dos jornais do mundo inteiro na década de 20 deste século.

Um académico britânico descobriu as origens da misteriosa maldição de Tutancamon, talvez um dos mais famosos faraós do Egipto, que morreu há 3330 anos. A investigação deste estudioso que vive em Londres revelou, contudo, que a maldição de Tutancamon nasceu não no Antigo Egipto, mas em Inglaterra, no princípio do século XIX.Após anos de um paciente trabalho de detective levado a cabo pelo egiptólogo Dominic Montserrat, a pista da maldição da múmia acabou por conduzir à década de 1820, à imaginação de uma jovem escritora inglesa, e a um bizarro espectáculo teatral de "striptease" em que múmias egípcias antigas eram desenfaixadas em público.O espectáculo realizou-se perto de Piccadilly Circus, em Londres, em 1821, e parece ter inspirado uma obscura escritora de 25 anos chamada Jane Loudon Webb a escrever um livro de ficção científica precoce com o título, pouco original, de "The Mummy".Passado no futuro, no século XXII, o romance, publicado em 1822, centra-se numa múmia irada que regressa à vida e ameaça estrangular o herói do livro, um jovem estudioso chamado Edric.Seguiu-se-lhe, em 1828, um livro infantil inglês de autor anónimo intitulado «The Fruits of Enterprize», no qual múmias eram incendiadas e utilizadas por intrépidos exploradores como tochas humanas para iluminar o interior de uma misteriosa pirâmide egípcia. Como é natural, as múmias eram retratadas como particularmente vingativas.No final da década de 60, a ideia da múmia vingativa evoluiu para o conceito mais definido da maldição da múmia. Em 1869, a autora de "Mulherzinhas", a escritora americana Louisa May Alcott, escreveu um conto intitulado "Lost in a Pyramid; or, The Mummy's Curse". Esta obra perdera-se e só foi encontrada recentemente por Montserrat, soterrada na colecção de periódicos da Biblioteca do Congresso, em Washington.Tal como o livro infantil inglês de 1828 e baseando-se provavelmente nele, narrava a saga de um explorador que utilizava uma múmia - no caso, a de uma sacerdotisa - como tocha para iluminar o interior de uma pirâmide. À luz da múmia em chamas, encontra uma caixa de ouro contendo três estranhas sementes. Retira-a do túmulo da múmia, consegue descobrir o caminho de saída da pirâmide e regressa ao seu país, os Estados Unidos, onde oferece as sementes à noiva, que resolve plantá-las. Estas sementes dão origem a flores exóticas que a noiva usa no dia do casamento. Ao cheirar o seu perfume, ela entra em coma permanente e transforma-se numa múmia viva.Este tema literário da maldição da múmia foi então glosado por vários outros romancistas ingleses e americanos nas décadas de 80, 90 e no início do século XX.Assim, em 1923, quando a câmara funerária de Tutancamon foi aberta, foi outra romancista de sucesso, a escocesa Minnie Macpherson, mais conhecida pelo seu pseudónimo, Marie Corelli, quem aplicou o tema da maldição da múmia à descoberta real do túmulo de Tutancamon. Corelli advertiu, dramaticamente: «O mais terrível dos castigos impenderá sobre quem quer que, imprudentemente, viole um túmulo selado.»A morte inesperada, logo duas semanas depois, do chefe dos invasores do túmulo de Tutancamon, Lorde Carnarvon, atirou o tema da maldição para as primeiras páginas dos jornais do mundo inteiro. Foi inventada uma inscrição egípcia antiga - «a morte voará rapidamente ao encontro daquele que tocar no túmulo do faraó», e todas as mortes de pessoas ligadas à expedição, por mais remota que fosse a ligação, foram atribuídas à maldição.A verdade é que só seis das 26 pessoas presentes quando o túmulo de Tutancamon foi aberto morreram nos dez anos subsequentes à descoberta. Acresce que não se conhecem maldições egípcias antigas genuínas relacionadas com a abertura de túmulos ou a remoção de objectos do seu interior.Com efeito, nos tempos do Antigo Egipto, os saqueadores de túmulos sujeitavam-se à ira não do espírito eterno da múmia mas dos tribunais civis. Se fossem apanhados, a maior parte deles eram executados - não por perturbarem os mortos, mas por roubo.Aliás, em termos religiosos, Tutancamon ficaria, teoricamente, bastante agradado com um aspecto crucial da descoberta do seu túmulo. De acordo com as crenças do Antigo Egipto, a alma do faraó só se manteria viva se o seu nome fosse periodicamente entoado para todo o sempre. Ora bem: a descoberta de Carnarvon garantiu que, após milhares de anos de silêncio onomástico, o nome do faraó permanecesse nos lábios da humanidade, se não para sempre, pelo menos durante muitos, muitos séculos.«A minha pesquisa não só confirmou que não há, naturalmente, nenhuma origem egípcia no conceito da maldição da múmia, mas, o que é mais importante, revela que ele também não resultou da publicidade feita pela imprensa, em 1923, em torno da descoberta do túmulo de Tutancamon. O meu trabalho demonstra muito claramente que a maldição da múmia antecede a descoberta de Carnarvon e a sua morte em 100 anos», afirma Montserrat, egiptólogo da Universidade Aberta britânica e autor de um livro recente e muito elogiado sobre as percepções modernas da civilização faraónica, «History, Fantasy and Ancient Egypt».

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