Sampaio exigiu demissões
Armando Vara e Luís Patrão demitiram-se ontem, depois de a crise provocada pela sua fundação ter levado Guterres ao máximo desgaste desde que é primeiro-ministro. O clima era tal que Sampaio se cansou e deu um murro na mesa: exigiu que os dois secretários de Estado se demitissem. Em nome da ética política e do Estado de direito. Já o gabinete do primeiro-ministro garante que foi uma decisão independente e que estava tomada antes da conversa com Sampaio. Guterres já escolheu Lello para o Desporto e Rui Pereira para a Administração Interna. E tenta capitalizar o bom momento político "ofuscado" pela crise. Mas o caso Fundação para a Prevenção e Segurança não está resolvido: Assis recorreu para o Tribunal de Contas e Miguel Ângelo diz que só recebeu 3300 contos.
O Presidente da República, Jorge Sampaio, deu um murro na mesa e exigiu a demissão de Armando Vara e de Luís Patrão ao receber na quinta-feira ao final da tarde o primeiro-ministro, António Guterres.De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, a conversa entra Sampaio e Guterres não foi uma conversa fácil e o Presidente da República demonstrou "firmeza" e foi "muito duro" ao exigir a António Guterres que colocasse ordem na sua casa. Ou seja, que abandonasse a abordagem que estava a fazer do caso da Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS) - até então colocada por Guterres apenas no plano da legalidade e da honorabilidade - e tirasse as devidas ilações políticas e éticas. Logo, demitisse Vara e Patrão.Sampaio terá mesmo frisado a António Guterres que se vive uma situação em que, por força das eleições presidenciais do próximo dia 14 de Janeiro - em que o Presidente é recandidato -, não podem ser realizadas eleições antecipadas antes de Abril, pelo que seria do mais elementar bom senso pôr um "stop" no clima de crise generalizada e de desregramento na condução da governação.O empenho de Sampaio em travar a crise e a imagem de desresponsabilização na gestão do aparelho do Estado foi ao ponto de não se limitar a exigir a Guterres que agisse já, mas expressou-se também em sinais para o exterior. Logo anteontem, o Presidente autorizou a TSF a passar extractos da entrevista que aborda a questão e que ontem foi para o ar na íntegra. Assim, na tarde de quinta-feira, foi possível ouvir Sampaio dizer que se vivia "um ambiente de corrosão que não deve continuar" e defender: "É preciso ter algum cuidado na feitura destas coisas e houve alguma ligeireza, embora não esteja em causa a honestidade das pessoas."Já depois destas palavras difundidas pela TSF e após receber Guterres, o Presidente emitiu um comunicado em que afirmava: "As instituições públicas e privadas financiadas pelo Estado devem ser constituídas com procedimentos insusceptíveis de crítica em Estado de direito."O PÚBLICO sabe que Sampaio estava cansado e farto mesmo de ver o Governo em crise permanente desde o início da pré-campanha presidencial em que está envolvido. Isto porque, desde o Verão, Sampaio já viveu uma remodelação governamental em que o Presidente teve de dar posse a Nuno Severiano Teixeira como substituto de Fernando Gomes. Depois, foi a vez de, através das televisões, António Costa ameaçar demitir-se por causa de Ricardo Sá Fernandes, que acabou demitido.Já ontem, em Coimbra, quando se encontrava na sede de candidatura, Sampaio soube pelos seus assessores que estavam consumadas as demissões de Vara e de Patrão. E, mais tarde, perante a pressão da comunicação social, Sampaio apenas disse: "O que tinha a dizer disse ontem ao primeiro-ministro e não costumo revelar conversas."No gabinete do primeiro-ministro, o carácter decisivo da conversa entre Guterres e Sampaio é negado. De acordo com as informações de um membro do gabinete de Guterres, a decisão da demissão foi tomada por Armando Vara e Luís Patrão logo após o debate no Parlamento e não por causa de Sampaio. Indo mais longe, este membro da equipa de Guterres garante que Vara até se quis demitir logo de manhã, mas o primeiro-ministro insistiu na tese de que só depois de provadas irregularidades é que haveria lugar ás demissões.Na versão oficial do gabinete do primeiro-ministro, perante o quadro criado e depois da "tareia" que levou na quinta-feira no Parlamento, Guterres aceitou de imediato e sem qualquer sombra de hesitação as demissões, passando desde logo a procurar substitutos.De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO junto do gabinete do primeiro-ministro, a prioridade agora é a de ver se se "dissipa rapidamente a cortina de fundo" e se se ultrapassa a situação actual, em que, "a meio de uma situação positiva da acção do Governo, fica tudo ofuscado" por causa dos escândalos na equipa governamental.Ou seja, vive-se uma crise "péssima para o Governo" na semana em que Guterres conseguiu aquilo que até o PSD e o PP consideraram como uma vitória na cimeira de Nice. E, na frente interna, o Governo tem tido aquilo que é visto como um momento de grande produtividade: na quarta-feira vai ser aprovada na Assembleia da República a primeira fase da reforma fiscal - as mexidas no IRS e no IRC entrarão em Janeiro em vigor-, está em preparação a reforma da saúde, nomeadamente no que se refere às listas de espera e aos genéricos, desce a taxa do desemprego, a co-incineração vai avançar. Um momento, portanto, que é visto como positivo para o Governo e que tem sido prejudicado pelos sucessivos escândalos. Por seu lado, o grupo parlamentar do PS, encabeçado pelo chefe de bancada, Francisco Assis, deu ontem entrada no Tribunal de Contas de uma queixa, para que este organismo de fiscalização da acção do Estado investigue a situação da Fundação para a Prevenção e Segurança.Na segunda-feira, ao ser ouvido pela comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Armando Vara desafiou os deputados a investigar se há ou não irregularidades na FPS. E, ontem, os socialistas apresentaram o requerimento que pede ao Tribunal de Contas a fiscalização sucessiva. O plenário de juízes está marcado para a próxima semana, pelo que só então haverá decisão sobre se o Tribunal aceita ou não avançar com uma auditoria.Francisco Assis, além de agir face ao Tribunal de Contas, veio ontem a terreiro defender Fernando Gomes. Em declarações ao PÚBLICO, Assis afirmou: "Quero manifestar o meu profundo repúdio pela forma como na distrital do Porto se estão a desenvolver iniciativas para o linchamento político de Fernando Gomes, iniciativas que são contrárias à ética política que tem de estar subjacente às relações partidárias."Também o bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, teceu ontem rasgados elogios a Fernando Gomes, enaltecendo a sua actuação na Assembleia da República a propósito da Fundação para a Prevenção e Segurança. Porque "teve a coragem de dizer a verdade num momento de crise da sua própria carreira política e quando estávamos à espera do anúncio da sua recandidatura à Câmara do Porto", afirmou D. Armindo em entrevista à Rádio Renascença. Ao agir assim, acrescenta o bispo, "cria uma situação muito difícil para o seu futuro político", num cenário em que "tantos o aconselhariam a estar calado" e "tantos se calariam para não comprometer a sua carreira política". D. Armindo começara por dizer que "Fernando Gomes é uma pessoa que saiu do Porto com a admiração dos munícipes" e dele próprio, confessando que lhe deve "muitas gentilezas". E concluiu considerando que, com a sua atitude, Gomes "merece ser olhado com admiração e estima", até "pelo valor que tem para ser, em qualquer circunstância, um condutor, um governante".*com Graça Barbosa Ribeiro e Leonete Botelho