O mundo de George W. Bush
A FAMÍLIA: A SOMBRA DO PAI, O APOIO DA MULHERA sombra de George Herbert Bush sempre pairou, para o bem e para o mal, sobre o seu primogénito George Walker. Mas a influência da família em George W. Bush não se fica pelo pai ilustre. Também é preciso mencionar a mãe, o irmão Jeb e, sobretudo, a mulher, Laura - com quem tem duas filhas e que teve uma influência decisiva em momentos cruciais da sua vida.O nome Bush ajudou muitas vezes George W. Mas o sucesso do pai apenas ampliou a mediocridade do filho. George W. seguiu quase obsessivamente os passos de George H. Andou nas mesmas escolas mas teve piores notas; cumpriu a tropa na mesma unidade, mas não foi um militar destacado; entrou no mundo do petróleo, mas as suas empresas foram fiascos; candidatou-se ao Congresso, mas perdeu.O filho parecia estar condenado a ser uma cópia esbatida do pai até lançar uma carreira política sólida, há apenas seis anos. Até agora: muitos viram como grande motivação de George W. nesta campanha presidencial a vontade de vingar a derrota do pai perante Clinton. E que melhor vingança do que bater o delfim de Clinton, Al Gore? Finalmente, George W. sai da sombra do pai, tendo sucesso onde ele falhou.Durante a campanha, Bush queixou-se do peso que o seu nome acarreta: "Tive a vida do filho de um Presidente, e sei que isso não é agradável", disse no "talk show" de Oprah Winfrey. Mas a verdade é que ser um Bush abriu-lhe contudo muitas portas e, sem isso, George W. nunca teria chegado à Casa Branca.Sem Laura, provavelmente Bush também nunca teria saído da sombra do pai. O casamento com esta pacata bibliotecária é descrito como um ponto de viragem para George W., o momento em que começou a superar a sua juventude indefinida e alcançou a maturidade. Laura será sem dúvida uma primeira-dama muito menos flamejante que Hillary - é o próprio Bush que diz que não discute política com a mulher.O único membro da família Bush a sair prejudicado desta campanha é Jeb, que tem a reputação de ser o mais conservador da família e é governador da Florida - a trapalhada legal caiu-lhe toda em cima e irá dificultar muito a sua reeleição. Mas os outros membros da família tornar-se-ão figuras habituais nos "media". Como as filhas, as gémeas Barbara e Jenna, de 18 anos, embora, tal como os Clinton fizeram com Chelsea, também Bush prefira não as expor. Tal como os Clinton, também Bush tem animais de estimação: o "primeiro cão", "Buddy", será substituído por "Spot", e o "primeiro gato", "Socks", será substituído por "India" e "Ernie".A EDUCAÇÃO: UM ESTUDANTE DISCRETOBush nunca foi um aluno brilhante. E, contudo, frequentou algumas das mais exclusivas escolas dos EUA, as mesmas que o pai. Provavelmente nunca se saberá ao certo com que aproveitamento: George W. não autoriza a divulgação do seu currículo escolar.Mas o próprio revelou o resultado do seu primeiro exame de inglês no liceu de Andover: 0 (zero) valores. Em Andover, Bush nunca se destacou - não entrou uma única vez no "quadro de honra" dos bons estudantes. Mesmo assim, ingressou em Yale, com uma "cunha legal": o pai e outros parentes haviam estudado lá, por isso Bush foi admitido através de um contingente especial para antigos alunos. Viria a licenciar-se pela Harvard Business School. Tudo instituições do Leste do Estados Unidos, num ambiente onde George W. não se sentia à vontade. Os "campus" universitários dos anos 60 eram radicalmente politizados, dominados por ideias pacifistas e de esquerda que nada diziam a Bush. "Nunca me passaria pela cabeça que ele iria seguir uma carreira política", disse ao "Washington Post" Dan Cooper, um dos seus colegas em Yale. Os que estudaram com George W. lembram-se de um rapaz simpático e amigável do Texas, que sem ter exactamente uma vida desregrada tinha gosto pela pândega.Em Yale, juntou-se a uma "fraternity" (uma espécie de república), a "Skull and Bones" - obviamente, a mesma que o pai tinha frequentado. Era muito activo nas actividades lúdicas da "Skull and Bones", e gostava de participar em brincadeiras como roubar decorações de Natal.De toda a sua vida académica, pouco ficou. Numa década em que as universidades americanas fervilhavam com a contestação à guerra no Vietname, a única vez que George W. Bush apareceu citado num jornal nacional foi em 1967. Num artigo do "New York Times", sobre uma praxe das "fraternities" de Yale, que consistia em "marcar" os caloiros com um cabide de metal incandescente, Bush vinha citado como dizendo que a prática só provocava uma marca "do tipo de uma queimadura com um cigarro"."EXCESSOS DA JUVENTUDE": SE CONDUZIR, NÃO BEBAA "bomba" rebentou a cinco dias das presidenciais: Bush havia sido detido em 1976 no Maine, por conduzir embriagado. Mas a revelação acabou por não ser "bomba" nenhuma: na América pós-Lewinsky, já ninguém parece importar-se com detalhes do passado de um candidato. Até porque, no caso de Bush, ele sempre tinha dito que cometera "excessos na juventude".Entre os "excessos", estava o álcool. Sem entrar em grandes pormenores, Bush nunca negou que na sua juventude havia bebido bastante; muitas histórias circulavam, sobretudo dos seus tempos universitários - como daquela vez em que a equipa de futebol de Yale (a universidade de Bush) ganhou um jogo a Princeton e George W., com um grupo de amigos, celebrou ébrio a vitória serrando os postes de uma das balizas. Outro boato, esse nunca confirmado, fala de uma ocasião em que George W. chegou a casa completamente ébrio e se envolveu numa discussão com o pai, que só não deu em pior porque os irmãos os separaram.Mas, quando chegou aos 40 anos, Bush largou a bebida. Segundo ele, por causa de uma conversa com o evangelista Billy Graham: "Deixei de beber para o resto da vida. Pequei, mas procurei a redenção e encontrei-a." Descobriu a abstinência através de Jesus, que aliás refere como o seu "filósofo político" favorito.Segundo a "Newsweek", contudo, não foram Graham nem Jesus a fazer de Bush abstémio: foi a mulher, Laura, que lhe terá dito: "Ou a garrafa ou eu." Bush escolheu Laura.Mais graves são as alegações - nunca confirmadas - de que, para além do álcool, Bush experimentou outras drogas. J. H. Hatfield, no seu livro "Fortunate Son", escreve que Bush foi detido por posse de cocaína em 1972 e que foi apenas por influência do seu pai que as acusações foram esquecidas, em troca de alguns meses de serviço comunitário. É de facto verdade que, nessa época, George W. esteve algum tempo a fazer serviço comunitário junto dos mais desfavorecidos de Houston, mas não existe qualquer registo de detenção ou do seu consumo de drogas ilegais.Documentada está apenas a sua detenção por conduzir embriagado, que não causou grande escândalo e rapidamente caiu no esquecimento. Aliás, o vice de Bush, Dick Cheney, também foi preso por beber embriagado, nos anos 60 - por duas vezes. Mas não há motivo para preocupação: tal como Bush, também Cheney já largou o álcool, e os carros da Casa Branca têm motorista.O SERVIÇO MILITAR: LONGE DO VIETNAMENa década do Vietname, George W. Bush cumpriu o serviço militar como piloto de aviões na Guarda Nacional do Texas. Portanto, nunca esteve sequer perto de uma guerra que tirou a vida a 70 mil compatriotas seus. Privilégio de quem tinha um pai influente? Aparentemente, sim.O facto de Bush não ter ido à guerra não foi explorado contra si na corrida à presidência. Afinal, Bill Clinton também fugiu ao Vietname, e as tentativas da campanha de Bush-pai de usar isso como arma de arremesso em 1992 redundaram num fiasco. Mas, quando em 1994 Bush se candidatou a governador do Texas, a imprensa descobriu documentos e testemunhos que levantavam a questão.Bush terá sido aceite em 1968 como piloto na Guarda Nacional do Texas por influência do pai, apesar de ter obtido apenas 25 por cento num exame de aptidão de voo (a nota mínima para ser aceite). Havia uma lista de pelo menos 150 candidatos ao lugar, que tinham de esperar por vezes 18 meses até serem aceites, mas Bush entrou na Guarda no dia em que se candidatou.Nick Kralj, que em 1968 era um dos assistentes do general James Rose (que então dirigia a Guarda Nacional do Texas), confirmou que eram frequentes as pressões de figuras políticas influentes para que os seus filhos pudessem entrar na Guarda e assim evitar o Vietname. Mas Kralj acrescenta que nunca o então membro da Câmara de Representantes George Bush lhe pediu qualquer favor especial para o seu filho George W. Não está provado que tenha havido "cunha" para que George W. fugisse ao Vietname. E o caso de Bush é igual ao da maioria dos seus pares. A escritora Myra MacPherson cita, no seu livro "Vietnam and the Haunted Generation", um estudo de 1970, segundo o qual, durante o tempo da guerra, havia 234 filhos de congressistas em idade de serem chamados ao serviço militar. Desses 234, só 28 foram chamados para o Vietname. Desses 28, só 19 é que estiveram em zonas de combate (um deles foi Al Gore). Desses 19, só um é que foi ferido. Nenhum morreu.A CARREIRA PROFISSIONAL: PETRÓLEO E BASEBOLComo em quase todos os aspectos da sua vida, George W. Bush também seguiu os passos do pai nos seus empreendimentos profissionais. E, como de costume, o nome do pai foi decisivo. Saído de Harvard, Bush foi para Midland, no Oeste do Texas, a mesma cidade onde o pai tinha feito fortuna na prospecção de petróleo. E meteu-se também no negócio do petróleo, mas sem sucesso; a sua carreira profissional foi salva pelo basebol.Todas as empresas de Bush falharam miseravelmente, mas a culpa não foi necessariamente das suas qualidades de gestão. É que o negócio do petróleo no Texas nos anos 70/80 era muito diferente do que Bush-pai encontrara nas décadas de 50/60: a indústria entrara em recessão. Além disso, a prospecção de petróleo envolve sempre um grau de risco e de sorte - e a sorte de Bush só apontava para poços secos.Mas quem precisa de sorte quando tem investidores generosos? E Bush teve muitos. Os seus empregados recordam-no como um patrão afável, e os seus investidores, embora invariavelmente tenham perdido dinheiro com ele, recordam Bush como uma personagem enérgica e convincente. Assim, embora a Arbusto Energy Inc (Bush em inglês significa "arbusto"), a Bush Exploration e a Spectrum 7 nunca tenham sido lucrativas, George W. conseguiu sempre ter financiamentos.É claro, quando o pai do director da companhia é o vice-presidente dos EUA, é mais fácil atrair dinheiro. Aliás, disse Bush-pai ao "Washington Post": "O nome do meu pai ajudou-me a arranjar investidores para as minhas empresas. Se o meu fez o mesmo para 'W.', óptimo!"Mas o salto decisivo de George W. foi quando abandonou o petróleo, tornando-se no proprietário da equipa de basebol dos Texas Rangers. Embora Bush só tivesse uma pequena fracção do capital da empresa, foi escolhido pelos accionistas para a dirigir. Os Rangers eram então uma equipa medíocre, com um potencial grande mas desaproveitado; Bush pode reivindicar os louros pela ascensão da equipa no basebol americano.O seu maior feito foi a construção de um novo e moderno estádio. Foi graças à sua capacidade de negociação que os Rangers conseguiram, num processo muito controverso, 135 milhões de dólares da municipalidade de Arlington (subúrbio de Dallas) para fazer o estádio. A passagem pelos Rangers deu a Bush finalmente um sucesso profissional, a independência financeira (vendeu a sua parte na equipa, que lhe havia custado 600 mil dólares, por 15 milhões) e a notoriedade no Texas.A CARREIRA POLÍTICA: SEIS ANOS DE GOVERNADORO currículo político de George W. Bush é notavelmente curto para um Presidente dos Estados Unidos: foi seis anos governador do Texas. E se, por um lado, o Texas é um dos três estados mais importantes da União, por outro é dos estados onde o cargo de governador tem menos poder. No entanto, o envolvimento de Bush com a política começou mais cedo. A primeira vez que se candidatou a um cargo público foi em 1978, numa corrida à Câmara de Representantes. O seu adversário, o democrata Kent Hance, era um político hábil e conhecido na sua circunscrição; George W. era um novato de quem pouco se sabia para além do nome do pai. Bush perdeu, embora com um resultado razoável para um estreante.George W. resolveu então colocar a sua carreira política no congelador, porque o pai preparava a candidatura à presidência, que em 1980 seria mal sucedida mas acabaria por o levar à Casa Branca como vice de Ronald Reagan. Em 1992, Bush-pai foi derrotado por Clinton, e Bush-filho passou a ser o político da família. Em 1994, arriscou, e ganhou.A hora era propícia: a governadora democrata do Texas, Ann Richards, tivera um mandato com algum sucesso mas tinha contra si a "onda republicana" que varria o país nesse ano, sobretudo no Texas. Numa campanha dura e amarga, Bush manteve-se focado numa mensagem simples e criou uma imagem moderada, e conseguiu chegar ao palácio de Austin.O cargo de governador do Texas é relativamente pouco importante, porque o complexo sistema político do estado dá muitos poderes ao vice-governador, ao congresso estadual e a outros cargos eleitos. Mas dá mesmo assim ao seu titular um púlpito importante para exercer magistratura de influência.E Bush soube exercê-lo, centrando-se em poucos projectos (sobretudo educação e cortes nos impostos) mas investindo todo o seu talento conciliador neles. Assim, Bush criou uma imagem moderada e conquistou facilmente a reeleição em 1998. Dois anos antes, Bob Dole havia sido derrotado por Clinton na corrida à Casa Branca, e os republicanos procuravam desesperadamente nomes para a corrida de 2000; o governador do Texas tornou-se rapidamente na escolha número um. A EMINÊNCIA PARDA: KARL ROVE, O CÉREBRODurante toda a corrida presidencial, uma figura emergiu como o "cérebro" das principais decisões políticas de George W. Bush: o seu estratega principal, Karl Rove. Todos os políticos têm uma "eminência parda", conselheiros muito próximos que pouco aparecem frente às câmaras mas são fulcrais nos bastidores. Clinton tinha homens como James Carville, George Stephanopoulos ou Dick Clark; Bush tem Rove.Bush é indubitavelmente um político mais dependente dos seus conselheiros que Clinton. E Karl Rove é Carville, Stephanopoulos e Clark num só. O círculo íntimo de Bush inclui outras figuras influentes, como a porta-voz Karen Hughes, o chefe de campanha Joe Allsbaugh, ou o vice Dick Cheney. Mas nenhum deles é tão importante como Rove. Mark McKinnon, outro membro da equipa de Bush, diz que Rove é "o Bobby Fischer da política: ele olha para o tabuleiro e prevê as próximas 20 jogadas". Nascido em Denver, em 1950, Karl Rove cresceu no Colorado, no Utah e no Nevada, mas foi no Texas que começou a sua carreira como conselheiro político. Estudou em seis universidades diferentes, mas nunca se formou. Tem um gosto voraz pela história (é um admirador de Benjamin Disraeli, primeiro-ministro britânico no século XIX), o que às vezes entedia o seu actual patrão - George W. não é muito dado aos livros.Conhece os Bush (pai e filho) desde 1973 e, em 1980, foi o primeiro assessor contratado por Bush-pai para a sua campanha presidencial. Mas foi ao longo da década de 90 que a fama de Rove se cimentou. Há nove anos, o Texas era um estado democrata; agora, é dos mais republicanos dos EUA, muito por influência de Rove, que dirigiu muitas das campanhas dos republicanos neste estado.Entre elas, as de George W. "Ele é o tipo de candidato por quem tipos como eu passam uma vida toda à espera", diz Rove. Foi ele quem gizou a estratégia da campanha presidencial de Bush: "namorar" a direita religiosa sem cair em extremismos; manter uma imagem de moderação; resguardar ao máximo o candidato seleccionando cuidadosamente as aparições públicas. Resta saber que papel está reservado na Casa Branca à "eminência parda" da campanha de Bush.A IDEOLOGIA: A COMPAIXÃO DO CONSERVADORA ideologia de George W. Bush é descrita por um "slogan", "conservadorismo com compaixão", uma espécie de "conservadorismo com rosto humano", direita com preocupações sociais. Muitos acusam o "conservadorismo com compaixão" de ser um "slogan" vazio.Mas há uma produção teórica por trás do "slogan". É o próprio George W. a confessar que não gosta muito de ler, sobretudo se se tratar de longos volumes sobre política, mas a matriz do seu pensamento pode ser encontrada em três livros de três autores com percursos semelhantes. Como os intelectuais de direita são mais difíceis de exportar que os de esquerda, nenhum deles é um nome famoso na Europa."The Tragedy of American Compassion" foi escrito por Marvin Olasky, que em 1972 era membro do Partido Comunista Americano. Um dia, Olasky interrogou-se: "E se Lenine se enganou? E se Deus existe?" A resposta foi clara para ele. Converteu-se ao cristianismo evangelista, mudou-se para o Texas (onde ensina jornalismo) e tornou-se numa voz em defesa das causas conservadoras (contra o aborto, contra a "affirmative action"), particularmente empenhado na responsabilização do indivíduo (por oposição ao Estado) e na recuperação do papel da religião na vida social."Radical Son" foi escrito por David Horowitz, e é uma autobiografia que descreve o seu trajecto da esquerda radical (nos anos 60 trabalhou com os "Panteras Negras") até à direita conservadora; Horowitz, que hoje dirige publicações e "think tanks" de direita, foi dos mais acérrimos críticos de Bill Clinton, que acusa de ter dirigido "a mais corrupta Administração da história dos EUA"."The Dream and the Nightmare", de Myron Magnet, é uma denúncia dos valores dos anos 60 que culpa a miséria das classes desfavorecidas na "ideologia da vitimização" que lhes foi imposta pelos "liberais" de esquerda. Karl Rove (que, diz-se, guarda dúzias de cópias do livro no seu escritório e oferece-o a quem o visita) presenteou Bush com o livro nos anos 60, e George W. cita-o como o seu favorito - a seguir à Bíblia, claro. Em entrevista ao PÚBLICO, em Outubro, Magnet descreveu o "conservadorismo com compaixão" como um conservadorismo "que se preocupa com os pobres".Eis então o retrato do pensamento político de George W.: conservador, mas mais centrista que o seu partido, com preocupações sociais pelos mais desfavorecidos. Com "compaixão", portanto.