"É preciso planificar a explosão museológica"
Já não é possível os museus portugueses andarem cada um para o seu lado, nem os municipais podem surgir como cogumelos, sem uma estrutura previamente sustentada. A Rede Portuguesa de Museus, que tem finalmente um documento programático concluído, vai ser uma estrutura de planificação do sector, não com um desejo de centralizar mas de partilha de responsabilidades. O ano de 2001 vai ser o teste, na prática, deste projecto.
Um documento com as linhas programáticas da Rede Portuguesa de Museus (RPM), a sua contextualização, metodologias, objectivos e apoios, foi ontem apresentado ao público, no Museu de Etnologia de Lisboa, num encontro entre responsáveis de museus nacionais e municipais e a coordenadora geral da equipa da Estrutura de Projecto da RPM, Clara Camacho, a que presidiu a directora do Instituto Português de Museus, Raquel Henriques da Silva.A grande explosão dos museus em Portugal verificada a partir do final dos anos 70 e início dos 80, no seguimento das profundas transformações políticas e institucionais ocorridas após os 25 de Abril de 1974, criou um novo desafio aos profissionais e agentes envolvidos do sector e às diversas tutelas. "É preciso suster de uma forma planificada e partilhada a explosão museológica", disse a responsável pela RPM, indicando que é fundamental estabelecer uma rede de Núcleos de Apoio aos Museus que "potencie os recursos museológicos existentes no país". Estes núcleos constituirão nódulos de ligação essenciais no seio da RPM e deverão ser vistos como centros de referência numa área disciplinar ou técnica específica, devendo ser munidos "de condições humanas e financeiras apropriadas, tendo a incumbência de apoiar outros museus ou entidades afins na sua área de especialização, através de consultorias, pareceres ou intervenções directas".Como fazer a articulação, a formação e a rentabilização de recursos dos museus portugueses nacionais, municipais e privados? Quem vai tutelar este imenso sector, ainda atrasado em relação ao das bibliotecas? Qual o papel do Ministério da Cultura, do Estado e o dos municípios? Como vai ser desenvolvido o sector pedagógico e de formação dos profissionais? Qual o papel da RPM na formação do público? E o da Universidade? Qual será o organismo que irá dirigir a Rede?A ideia central do documento apresentado é esta: a Rede não pode ser uma estrutura centralizada, mas uma estrutura de partilha de responsabilidades e de competências entre a diversidade de tutelas e entre as respectivas entidades museológicas. As suas linhas programáticas surgiram como resultado de um exaustivo inquérito nacional, publicado já este ano, levado a cabo pelo IPM e pelo Observatório de Actividades Culturais (AOC) a que responderam 530 instituições. Os dados disponíveis no documento - uma ferramenta de trabalho indispensável bastante elogiada pelos agentes do sector - vão ser actualizados em carácter permanente, havendo para isso um protocolo com o Instituto Nacional de Estatística."A partir de 2001, teremos uma base de dados actualizada, a sua actualização permanente e a certeza de que nos próximos anos teremos uma avaliação e controlo neste campo", disse Raquel Henriques da Silva.Os pontos críticos do sector salientados no documento da RPM foram vários: "heterogeneidade e diversidade de tutelas, fraca representatividade dos museus de região, débil expressividade do quadro profissional, ausência de precedentes formais de articulação entre níveis nacionais e locais".Em contrapartida, disse Clara Camacho, "existe um dinamismo novo nas autarquias, novas tipologias e uma nova geração de profissionais e já algumas experiências de cooperação entre museus da diferentes tutelas", sinais positivos a que se juntam os bem vindos apoios financeiros do III Quadro de Apoio Comunitário.Clara Camacho não esqueceu os antecedentes históricos deste projecto, fundamentais para o seu estudo, citando o investigador João Couto que em 1941 propusera já a criação de uma "Rede de Museus do Estado" e o papel do museológico sueco Per-Uno Agren que entre 1976 e 1979 coordenou a Missão UNESCO. Também ele propunha a criação de "uma rede coerente de museus", onde entravam já os regionais. Outras instituições foram mencionadas, como o Internacional Council of Museums (ICOM) e a Associação Portuguesa de Museologia (APOM), esta uma das mais dinâmicas instituições do sector que publicou em 1995 o "Documento Preparatório para uma Lei de Bases do Sistema Museológico Português".A principal crítica a este documento, feita pela generalidade dos interessado, é a ausência de um capítulo sobre o papel da rede na formação dos públicos. As responsáveis pela RPM aceitaram a sugestão e disseram que tanto os estudos e a atracção dos públicos estão dentro da linha de orientação do IPM e do OAC.A Universidade tem igualmente o seu papel nesta dinâmica desde que os estudantes, pós-graduados e professores mantenham uma ligação prática aos museus. "Os estudos universitários deviam obrigar os alunos a estagiar em museus", disseram alguns dos presentes no encontro. Os municípios têm um papel fundamental nesta matéria, disse Raquel Henriques da Silva, citando o Seixal como um dos exemplos positivos, que possuiu um executivo sensível a estas matérias: "Cabe também aos municípios ter a coragem de criar uma orgânica em que entre o sector museológico e constituir equipas profissionais para essa área. Não basta criar um museu que não tenha possibilidades de funcionar e depois exigir ao Estado apoios para que ele funcione. O dinheiro não é elástico."Sobre a tutela da RPM, Raquel Henriques da Silva disse, no final do encontro, que a preocupação prioritária é levar à prática este projecto e no fim se porá a questão de quem vai tutelar a Rede Portuguesa de Museus.