Uma escultura pública de Richard Serra em Serralves
No Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, é hoje inaugurada a primeira escultura pública realizada na Península Ibérica por Richard Serra. Intitulada "Walking is Measuring", esta obra é um convite à quietude. Em diálogo com a paisagem e com o edifício projectado por Siza Vieira, trata-se também de um trabalho mais abstracto, mais relaxado relativamente às criações mais recentes do artista norte-americano.
A primeira obra de arte pública concebida para a Península Ibérica pelo escultor Richard Serra é hoje inaugurada, pelas 12h, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS), no Porto, numa iniciativa patrocinada pela Tabaqueira, que contribuiu com 25 mil contos para a sua realização. Intitulada "Walking is Measuring" ("Andar é Medir"), a escultura, de acesso livre, está instalada num caminho entre uma fila de choupos com forma piramidal e um muro que separa o espaço museológico da cidade. Trata-se de um trabalho composto por dois elementos de aço separados entre si por várias dezenas de metros, um espaço que o observador é convidado a percorrer de forma a realizar a experiência de si. Uma peça acerca da quietude é como a considera o artista norte-americano.Richard Serra parte do título para uma aproximação a uma escultura que procura colocar em evidência um sítio menos percorrido pelos visitantes do MACS. É importante sublinhar que o percurso onde a obra "Walking is Measuring" está instalada não foi alterado pela construção do edifício projectado por Siza Vieira. O trabalho dialoga quer com o muro de pedra - que se eleva a uma altura que vai de 3,5 a 5,5 metros -, quer com o museu - os elementos em aço como que medem a largura do imóvel. Contudo, como nota o artista, os atributos formais são os menos importantes para a fruição da obra: "Eles não nos dizem nada acerca das sensações provocadas por um certo senso comum, que nos permite ir na direcção daquilo que a peça evoca; agora, quando caminhamos nesse espaço, a instalação da nova peça faz-nos vivê-lo de uma forma diferente."Ao acrescentar os elementos à paisagem, o escultor criou as condições para que o passeante possa adquirir uma consciência mais apurada da sua relação com a envolvente: "Qualquer pessoa pode realizar a experiência sem ter conhecimentos de arte contemporânea; 'Andar é Medir' tem, sobretudo, a ver com questões de percepção e mobilidade."Ao confrontar-se pela primeira vez com a escultura na sua localização definitiva, Serra observou que ela contraía o espaço de uma forma imprevista: "Não sabia previamente que a peça funcionava como única; podia funcionar enquanto duas peças separadas, uma aqui e outra ali, em vez de reunir a extensão da alameda", nota. E acrescenta: "Este é um dos aspectos mais gratificantes da obra; ao vê-la fiquei mais satisfeito do que aquilo que tinha pensado que ficaria quando deixei este espaço sem a ter feito." Para o artista, a peça tem de ser percorrida a pé sem se prestar demasiada atenção às razões do caminhar. Uma escultura "simples", que, de certa forma, é "acerca da quietude". Uma obra que coloca a ênfase no espectador: "Vá lá vê-la você mesmo", é tão simples quanto isto. Situada num espaço praticamente esquecido, junto a "uma das paredes mais belas do museu" e perdida atrás das árvores, a escultura é passível de ser lida a partir das noções renascentistas de perspectiva ou mesmo servindo-nos da gravura acerca da melancolia de Dürer. Porém, essa ligação pode ser demasiado forçada para uma obra de uma precisão pós-minimalista. Um dia, Serra afirmou que um artista é "um desconstrutor do mundo que nos rodeia" ("um fazedor de um anti-ambiente"). Esta asserção está distante da situação proposta para Serralves: "Se se pensa no contexto originalmente planeado para aquele espaço, pode dizer-se que, em certo sentido, a peça vai contra ele; contudo, se há alguma coisa que este trabalho faz é abraçar aquele lugar; ele torna-of+b f-bum sítio mais interessante para se estar, revela-o, faz-nos pensar acerca dele - suspeito que as pessoas vão percorrê-lo"."Walking is Measuring" é, relativamente aos trabalhos mais recentes de Serra, uma peça mais abstracta, mais relaxada, pois dirige menos os movimentos do fruidor: "Ela tem uma certa graça, pois deixa-nos a sós: é uma obra gentil." "Talvez tenha concebido esta peça, ocorreu-me isto agora, não só em relação àquela parede, mas relativamente ao facto de passear no velho parque, porque aquele jardim, com o seu classicismo e romantismo, é todo medidas, e isso interioriza-se; este lado do museu não tem essa precisão e pode ser que tenha querido, subconscientemente, trazer essa qualidade para este espaço", afirma o artista. Quanto à questão da escultura pública - e recorde-se que Serra foi protagonista involuntário de um lamentável episódio ocorrido quando as autoridades nova-iorquinas decidiram remover e destruir, em 1989, "Tilted Arc", uma obra criada em 1981 e instalada numa praça da cidade -, o artista chegou à conclusão de que "se as pessoas têm a predisposição para julgar previamente alguma coisa, isso significa que elas são incapazes de a ver: chama-se a isto censura". O escultor pretende assim criar trabalhos que "permitam às pessoas relacionar-se com essa contradição que todos temos de enfrentar nos espaços públicos; devemos dar às peças o benefício da dúvida". E continua: "Ao retirarmos uma criação do confinamento da instituição cultural, isso significa que ela fica disponível para um número infinito de leituras - erradas, correctas, diferentes."Para Serra, a arquitectura é a disciplina artística que parece ter mais capacidade de mediar a relação com o público e, por extensão, trazer para a escultura uma consciência que ela foi incapaz de formar: "Gehry, Koolhaas e Piano foram capazes de fazer as pessoas pensar em termos esculturais." O escultor assinala que, "provavelmente de forma inadvertida, a recente arquitectura permitiu às pessoas reconsiderar a escultura e vice-versa; o que vai acontecer no futuro não sei". "As bandas de rock and roll acabaram no estádio de futebol; não sei onde é que o público vai para fruir eventos estéticos." Seria possível imaginar Dan Graham a escrever um livro intitulado "Architecture my Religion"? - o artista norte-americano coligiu uma série de textos seus publicados entre 1965 e 1990 no volume "Rock my Religion": "Espero que não", termina Serra.