Os pais dos europeus
Os europeus do sexo masculino têm mais genes de homens do Paleolítico ou do Neolítico? Uma equipa de cientistas diz agora que 80 por cento das populações actuais herdaram genes de grupos nómadas do Paleolítico. E só as restantes apresentam características genéticas dos agricultores neolíticos.
Quem são os pais genéticos, no sentido pré-histórico do termo, dos homens europeus? A resposta é dada no último número da revista "Science": os europeus descendem de dez linhagens paternas, como se tivessem apenas dez "pais" genéticos. E essas linhagens foram legadas por homens vindos para a Europa, da Ásia central e do Médio Oriente, em três grandes vagas migratórias. O primeiro desses fluxos que trouxe os homens modernos - a espécie a que pertencemos - iniciou-se há cerca de 40 mil anos. Dizer que os europeus de hoje têm como seus antepassados dez "pais" genéticos significa que estes homens podem agrupar-se em dez categorias semelhantes, em que cada uma representa uma linhagem genética paterna. Ou seja, um determinado grupo de indivíduos apresenta características genéticas parecidas, o que permite reuni-lo num núcleo. Portanto, não se fala propriamente de um pai genético no sentido individual da palavra. Para uma espécie de viagem ao passado genético dos europeus, a equipa de Ornella Semino, da Universidade de Pavia, Itália, e Peter Underhill, da Universidade de Stanford, Estados Unidos da América, estudou o cromossoma sexual masculino (Y) de 1007 homens que vivem actualmente espalhados por 25 comunidades na Europa e no Médio Oriente. O cromossoma Y é transmitido do pai para o filho e, por isso, os geneticistas, num trabalho detectivesco digno de Sherlock Holmes, foram capazes de localizar os antepassados masculinos e assim deduzir as origens de populações humanas e os seus fluxos migratórios. Fazem-no precisamente através do estudo de pequenas variações na sequência genética do cromossoma sexual masculino. De resto, entre os autores deste trabalho inclui-se um dos melhores geneticistas de populações, conhecido por estudar a migração dos genes na Europa: Luca Cavalli-Sforza, director do Departamento de Genética da Universidade de Stanford. No artigo, "O legado genético do 'Homo sapiens sapiens' do Paleolítico nos europeus actuais: uma perspectiva pelo cromossoma Y", conclui-se: "Dez linhagens contribuíram para cerca de 95 por cento dos 1007 homens cujo cromossoma Y fora estudado". Ou seja, os europeus possuem, por assim dizer, dez pais fundadores. Os dados obtidos levam a equipa a afirmar que as dez linhagens genéticas chegaram em dois fluxos migratórios no Paleolítico e um no Neolítico - os três "contribuíram para a 'pool' de genes dos europeus modernos". Se já havia várias provas de que a actual população europeia resultava da mistura de vários grupos de homens do Paleolítico e de agricultores que vieram do Médio Oriente, o facto é que, sublinham os investigadores, a origem geográfica e contribuição dos grupos paleolíticos sempre foram alvo de grande debate.Os primeiros homens a transmitirem genes aos europeus actuais de sexo masculino (que já eram, como todos nós, modernos ou "Homo sapiens sapiens") vieram do Leste, da Ásia central, no Paleolítico superior. São aliás os primeiros homens desta espécie aparecida há cerca de 100 mil anos a pisar a Europa, pois pensa-se que começaram a chegar há 40 mil anos. Sendo caçadores-recolectores, acabaram por se espalhar por toda a Europa a cultura aurinhacience, de que é exemplo a arte rupestre, uma das suas grandes invenções, e os instrumentos de pedra e osso. E tiveram forçosamente que se cruzar com outra espécie de homem: os Neandertais, que se extinguiram há cerca de 28 mil, tendo como último reduto a Península Ibérica. Ora, 50 por cento dos homens europeus apresentam características genéticas herdadas daqueles caçadores-recolectores, disse ao jornal espanhol "El País" Ornella Semino.Depois, há cerca de 22 mil anos, chegarem mais caçadores-recolectores, desta vez do Médio Oriente, e foram disseminando a sua cultura - a gravetense, célebre pelas estatuetas de Vénus roliças. E os seus genes... Trinta por cento dos europeus herdaram-nos.Só que pouco depois, há cerca de 20 mil anos, começou na Terra a última grande glaciação. Os homens foram então forçados a abandonar a Europa central e a refugiarem-se do frio numa espécie de santuários climáticos: na Península Ibérica, nos Balcãs e na Ucrânia. Quando a glaciação terminou, há 13 mil anos, voltaram a dirigir-se para o Norte e Leste da Europa.Os restantes europeus - apenas 20 por cento, portanto - descendem de homens que se mudaram para a Europa já no início do período Neolítico, há nove mil anos, na última das grandes vagas migratórias. Vieram do Médio Oriente, trouxeram com eles a agricultura e sedentarizaram-se nas primeiras povoações da Europa. Até agora, os dados paleontológicos e arqueológicos não resolviam uma das grandes questões sobre a origem dos primeiros colonizadores modernos da Europa. Será que os primeiros agricultores substituíram os caçadores-recolectores à medida que iam avançando dos territórios de Leste para Oeste? Ou será que os caçadores começaram a fazer agricultura e também propagaram essa técnica? Ornella Semino, citado pelo "El País", pensa agora que aconteceu um pouco das duas coisas, mas sublinha que os agricultores não eliminaram, de forma alguma, os caçadores - razão por que apenas 20 por cento dos europeus tem os seus genes.Outro dado curioso deste estudo é que a progressão dos agricultores do Neolítico, de Leste para Oeste, se fez através do litoral mediterrânico (como se observa no mapa), e só depois se deslocaram para Norte. Por causa disso, o xadrez genético das populações de hoje é curioso. Quanto mais se viaja para norte, maior é a presença de genes oriundos das populações paleolíticas. E, inversamente, no sul da Europa, nomeadamente na Península Ibérica, é maior a presença de genes de populações neolíticas.