O primeiro aniversário da revolução de 1820
A primeira das visitas guiadas às obras de requalificação urbana da Porto 2001 esteve a cargo do arquitecto Camilo Cortesão. Meia centena de pessoas ouviram as suas explicações sobre a Cordoaria e a Praça dos Leões do futuro. As perguntas foram poucas, mas a atenção foi muita.
Assinalaram-se este ano os 180 anos da revolução liberal de 1820, desencadeada no Porto, no dia 24 de Agosto daquele ano, a qual representou a primeira tentativa de implantação entre nós de um regime constitucional. Constituindo, mais propriamente, um pronunciamento militar, que contou logo de seguida com a adesão popular e de outros sectores sociais, pretendia pôr fim ao regime absolutista então em vigor em Portugal, que na época era dirigido por uma regência controlada por oficiais ingleses, os quais tinham permanecido no nosso país após a vitória sobre os exércitos napoleónicos.O descontentamento provocado pela prolongada ausência de D. João VI no Brasil, para onde se tinha retirado na véspera das invasões francesas, associado a uma crise geral da sociedade e economia portuguesas, assim como à actuação opressora da presença militar inglesa, estiveram na base da eclosão da revolta liberal, que se iniciou no Campo ou Praça de Santo Ovídio - depois de 1910, rebaptizada Praça da República -, dando início a um período de três anos durante os quais se tentou aplicar em Portugal o programa político e económico do liberalismo, na tentativa de regenerar o país de todos os males que o afectavam.O facto de ter sido o Porto o centro dos acontecimentos que levaram à implantação da primeira experiência liberal justificava que, um ano após o seu desencadeamento, a cidade comemorasse condignamente aquela efeméride. Era, também, algo que interessava aos próprios liberais, os quais, devido à progressiva alteração da conjuntura política, começavam a experimentar as primeiras dificuldades para fazer prevalecer a sustentabilidade do novo regime.Deste modo, segundo foi anunciado na edição de 21 de Agosto de 1821 de um jornal portuense, que apresentava o pitoresco título de "Borboleta dos Campos Constitucionais", para além de um jantar oferecido pela câmara municipal à guarnição militar da cidade - para a realização do qual foi necessário, no entanto, solicitar autorização às Cortes -, organizou-se um variado programa de comemorações, do qual relataremos as actividades mais significativas.O programa das comemorações do primeiro aniversário da revolução de 1820 - acontecimento que, em breve, os liberais não terão oportunidade de festejar muitas mais vezes - iniciava-se na noite do dia 23 de Agosto, com a iluminação da Rua Chã, onde decorreriam igualmente espectáculos de canto e de música organizados, segundo relata aquele periódico, por iniciativa dos moradores do distrito. Uma grandiosa sessão de fogo-de-artifício defronte da Igreja de Santo Ildefonso anunciaria, à meia-noite, a entrada no celebrado dia 24 de Agosto.Em conformidade com a solenidade do evento, o programa da manhã dessa sexta-feira 24 de Agosto de 1821 registaria a realização de uma missa votiva, no próprio cenário dos acontecimentos, o Campo da Regeneração - ou seja, o Campo de Santo Ovídio -, pois só veio a denominar-se oficialmente, daquela modo, em 1835, após a vitória definitiva do liberalismo, com que se pretendia recordar as vitoriosas acções então levadas a cabo, e à qual assistiriam os oficiais que então integravam o Conselho Militar do Porto.Após a celebração religiosa, organizar-se-ia uma grande parada, na Praça da Constituição - actual Praça da Liberdade -, "com salvas, descargas de alegria [sic], e canto do Hino da Regeneração por toda a tropa", segundo nos relata o articulista do periódico já citado. Ainda nessa manhã, seriam apresentados publicamente, nos estaleiros de Vila Nova de Gaia, a quilha e o cavername de um navio em construção, que iria ser denominado "Borges Carneiro", em homenagem a um dos mais notáveis vultos da Revolução de 1820, que juntamente com Manuel Fernandes Tomás e o tenente-coronel Bernardo Sepúlveda integraram o Sinédrio e tomaram parte activa nos acontecimentos daquele dia.As cerimónias religiosas contariam ainda com um segundo momento, precisamente ao meio-dia, com a realização de um "Te Deum", uma oração gratulatória e uma nova missa instrumental, tendo agora por palco as igrejas de Santo Ildefonso e de S. Nicolau. A solenidade que até então presidiria às comemorações seria, a partir da tarde, consideravelmente reduzida, pois embora se esperasse a manutenção da seriedade com que até então se tinham realizado as diferentes iniciativas, estava anunciada a realização de um "Baile Patriótico da Tropa Regeneradora", e à noite, no Teatro de S. João, um grande espectáculo, que contaria com a presença das autoridades da cidade, o qual se repetiria nos três dias seguintes.O programa terminaria, finalmente, à meia-noite do dia 24, novamente com uma grande iluminação da Praça da Constituição onde se pretendia encerrar, num ambiente de grande júbilo, e com a presença de alguns "patriotas comerciantes", a que se juntaria uma forte participação popular, as festividades anunciadas. Como seria de esperar, os proponentes deste faustoso programa de comemorações esperavam que "todos os habitantes do Porto fechassem neste dia as suas lojas e oficinas", condição indispensável para garantir a participação da população da cidade, desta vez ao longo de todo o dia 24 de Agosto, e não como no ano anterior, em que aquela aderiu apenas depois da efectivação do pronunciamento militar.