Os Jethro Tull estão como novos
Chamem-lhes os nomes que quiseram mas o concerto de domingo, em Lisboa, dos Jethro Tull foi fantástico, um dos melhores do ano. Aos 32 anos estão como novos. Grande música e show de Ian Anderson, um animal de palco. Além do coelho que também apareceu.
Alheios à passagem do tempo e aos ditames da moda, os Jethro Tull prosseguem imperturbáveis o seu caminho como se nada de importante se tivesse passado nas últimas três décadas de música popular. Aconteceram muitas coisas, como é evidente, mas para este grupo que nos anos 70 dignificou, e de que maneira, o "amaldiçoado" rock progressivo, o mais importante continua a ser a manutenção da identidade e o gozo de tocar a música em que acreditam. Para os fãs que esperaram todo este tempo para ver os seus ídolos e que no domingo preencheram em quantidade razoável o imenso Pavilhão Atlântico, em Lisboa, a espera não foi em vão.Os Jethro Tull estão como novos. Ian Anderson então, abusou. Aos 53 anos, se é verdade que a voz já não chega com a mesma facilidade aos agudos como na juventude, é um espanto verificar como conservou intactas as qualidades de flautista. O duende dos Tull solou com génio e com fartura, a brincar - ao cantar e emitir toda a espécie de ruídos e onomatopeias através da flauta - ou como um concertista para quem o instrumento não tem segredos. O resto do grupo deu um exemplo de profissionalismo, mas foi Anderson quem recompensou o público português de uma espera de 30 anos.Depois de uma primeira parte assegurada com brio pelos Corvos, que cada vez mais se assemelham a uma versão portuguesa dos Apocalyptica, com fulgurantes arranjos e fogosas execuções em violinos e violoncelo de temas dos Xutos e Pontapés, "You really got me", dos Kinks, ou o tema dos filmes de James Bond, os Jethro Tull tomaram conta do palco, às dez em ponto, como estava previsto.Arrancam com um par de temas de "Stand Up", de 1969, "For a thousand mothers" e "A new day yesterday", e quando Ian Anderson faz a primeira apresentação da noite, percebe-se que a noite está ganha: "Começámos com um par de temas antigos, de 1969, mas vamos tocar coisas mais recentes, como este de 1972...". É "Thick as a Brick", a tal "mãe de todos os álbuns conceptuais", executado parcialmente mas com tudo no sítio em que estava há 28 anos atrás, logo seguido de um enorme salto no tempo, até à actualidade do novo álbum "JTull.dot.com", num tema sobre "gatos".Estava dado o mote: boa música, descontracção e um impressionante "one man show" de Ian Anderson. "Bourée", de J.S. Bach, é anunciado como um tema com "300 anos de idade, quase tão velho como alguns dos elementos do grupo". "Budapest", do álbum "Crest of a Knave", antecede duas composições em registo de "world music" extraídas do mais recente álbum a solo de Ian Anderson, "The Secret Language of Birds", a primeira tocada em instrumentos tradicionais e noutros mais ou menos, como uma buzina apertada com solenidade pelo teclista, seguida de um "Habanera reel" em tom irlandês. Um medley com base em canções dos álbuns "Songs from the Wood" e "Heavy Horses" arranca os fãs das cadeiras. A meio de uma sequência instrumental mais complexa, novo "gag". Ouve-se um telemóvel a apitar. A música pára e Anderson atende: "Agora não posso! Estou a meio de um concerto!". No pavilhão há quem, ao reconhecer cada canção, salte dos lugares, levante os braços e aplauda com berros de incitamento, como uma claque de futebol. "Too old too rock 'n'roll, too young to die", título que poderia constituir uma divisa na carreira dos Jethro Tull, faz levantar ainda mais as vozes e o entusiasmo. Durante "Hymn 43", do álbum "Aqualung", um coelho invade o palco e simula o acto sexual com o respeitável guitarrista Martin Barre, além de Ian Anderson o único músico da formação original do grupo que tocou em Lisboa e ontem no Coliseu do Porto. "Living in the past" arranca mais gritos de excitação e "Locomotive breath", de "Aqualung", fecha em apoteose um concerto onde a energia, o gozo de tocar e a comunicação com o público foram uma constante.Já no "encore", um pacote condensado de temas de "Aqualung", a assistência é presenteada por Ian Anderson com dois enormes balões brancos e fica no pavilhão a brincar. Foi neste clima de festa que encerrou a há muito esperada estreia ao vivo dos Jethro Tull em Portugal. Só para "cotas"? Nem pensar. À saída não eram poucos os jovens que, ainda mal refeitos da surpresa, comentavam: "Epá, aquelas melodias são baris!" e "os tipos tocam de verdade!".Ah, sim, e Ian Anderson ainda se aguenta nas calmas a tocar apoiado numa perna só.