A inauguração da nova casa no espaço

A primeira tripulação da Estação Espacial Internacional já vai a caminho daquela que se espera que seja a segunda casa do homem no espaço, um posto avançado da Terra na exploração do Sistema Solar. Os críticos do projecto são muitos e ferozes, pois duvidam da sua utilidade científica e mais que certo que muito dinheiro será ali empatado. Mas este objectivo que tantos atrasos e percalços tem sofrido começa a erguer-se, a mais de 300 quilómetros de altitude. Em breve, será uma ponto brilhante no céu, visível por todos, cá no nosso velho mundo azul.

Um foguetão branco, laranja e cinzento, de 40 metros de altura, desapareceu ontem de manhã nos céus sobre Baikonur, no Cazaquistão, num imenso rugido flamejante que rompeu o nevoeiro. A bordo iam o norte-americano William Shepherd e os russos Serguei Krikaliov e Iuri Guidzenko, que há quase cinco anos se preparam para compor a primeira tripulação da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla inglesa). Amanhã de manhã, a nave Soiuz em que viajam vai acoplar-se com o princípio desta cidade espacial e, finalmente, começarão a pôr em prática a almejada segunda casa do homem no espaço.Oito minutos após o lançamento, a nave estava em órbita. Nesse preciso momento, responsáveis pelo programa espacial russo abriram uma garrafa de "whiskey" e brindaram com os seus colegas dos Estados Unidos, que certamente terão oferecido aquele "whisky" à americana. "É um grande feito que a Rússia, que colocou o primeiro homem no espaço, e os Estados Unidos, que puseram o primeiro homem na Lua, tenham dado as mãos", disse um esfuziante administrador da NASA, Daniel Goldin, citado pela agência Reuters.Shepherd, Krikaliov e Guidzenko vão passar 118 dias a bordo da ISS, que por ora é composta apenas por três módulos: o Zaria (Alvorada, em russo), é um compartimento de carga e o local onde se faz a acoplagem de naves russas Progresso (de carga) ou Soiuz (de passageiros) e foi lançado em Novembro de 1998. O módulo de ligação de fabrico norte-americano Unity seguiu ainda nesse ano para o espaço, mas o módulo habitacional russo Zvezda (Estrela), só foi colocado no lugar em Julho deste ano. É no Zvezda, que é parecido com o interior da estação espacial russa Mir, embora modernizado pelos norte-americanos, que a tripulação vai viver e trabalhar. No entanto, só há ali espaço para dormirem duas pessoas. Um dos elementos da tripulação deverá ter de levar o seu saco-cama para o Zaria. Não há-de ser tarefa muito pesada, em condições de microgravidade. Além do mais, cada um dos tripulantes apenas pode levar dois quilos de bagagem, para viver na Estação Espacial Internacional até Fevereiro de 2001 - mais ou menos até à altura em que a Mir deverá ser desactivada e destruída. Durante os quatro meses que vão passar a bordo, o norte-americano e os dois russos receberão três missões em vaivéns, que levarão equipamentos científicos, dois gigantescos painéis solares e até o módulo norte-americano Destiny. Durante este tempo, vão chegar também várias naves de carga Progresso, com água, oxigénio, alimentos e equipamento. Mas a primeira coisa que farão a bordo amanhã será verificar se tudo funciona. Antes de mais, as atenções vão concentrar-se no sistema de comunicação com o centro de controlo das missões. Só depois terá início o primeiro repouso dos guerreiros - que aliás é motivo de disputa entre os norte-americanos e os russos. Estes últimos gostam de dar uns dias às tripulações para se ambientarem ao espaço, enquanto os americanos, habituados aos voos de curta duração (17 dias, no máximo) a bordo dos vaivéns, querem pôr as tripulações a trabalhar desde o primeiro minuto.Seja como for, para tomarem a primeira refeição a bordo terão de ligar uma espécie de forno micro-ondas, para a aquecer.Aliás, podem optar entre a cozinha russa e a norte-americana. Antes disso, ainda, terão de pôr a funcionar os sistemas de purificação do ar, de geração de oxigénio e fornecimento de água potável.Distracções são poucas: fazer ginástica, ler correio electrónico e, ocasionalmente, ver a televisão russa. Quanto a conversas no espaço, a língua em falarão será como a dispensa: um misto de inglês e russo, que já foi baptizado "runglish". Talvez possam inventar uma palavra nesta língua misturada para dar um nome mediático à estação, já que o seu actual não-nome é verdadeiramente aborrecido. Parece que Shepherd já deu uma sugestão, mas não diz qual. Espera que os seus superiores decidam.Seja como for, tem de se concordar com o norte-americano Kenneth Bowersox, que integrará a terceira tripulação da ISS e estava ontem em Baikonur, para assistir ao lançamento da primeira: "O que estamos a fazer é a estabelecer relações entre países. É muito melhor do que construir bombas. Quem acreditaria, há 20 anos, que isto seria possível?", perguntou aos jornalistas, enquanto engolia um tradicional "shot" de vodka com os seus colegas russos.

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