Vilarinho e Jardel contra Vale

O Benfica vai hoje a votos, numa longa maratona de 14 horas. Das dez da manhã à meia-noite, os sócios escolherão continuidade de Vale e Azevedo, ou a mudança personificada por Manuel Vilarinho. Após duas semanas de grande mediatização, o fraco debate de ideias privilegiou mais o confronto pessoal do que o esclarecimento dos associados. Os trunfos de cada lista de candidatura surgiram com naturalidade, com Jardel do lado da lista B e, à última hora, Abel Xavier e Doriva apresentados pelo actual presidente, que parece estar ainda em vantagem.

Se o Benfica for igual ao Real Madrid poderá ter a partir de hoje um novo presidente, mas como o futebol é sobretudo paixão, não está ainda calculado se o efeito de Mário Jardel nas mediáticas eleições "encarnadas" será igual ao de Figo na dos madridistas. Até ontem, as sondagens apontavam para ser Vale e Azevedo a suceder a Vale e Azevedo, mas só depois da contagem dos votos se vai saber se Manuel Vilarinho pode ser o Florentino Pérez do clube da Luz. Estas eleições, marcadas pelo fraco debate de ideias, ao contrário das anteriores, tornaram-se também a guerra dos grupos de comunicação, entre a Media Capital com a "sua" TVI, ao lado de Vilarinho, contra a SIC, ligada a Vale.A ideia de lançar nomes de futebolistas em campanhas não é nova, e muito menos no Benfica. Basta recordar as eleições de Outubro de 1997, onde a estrutura de Vale e Azevedo se desdobrou a espalhar, dentro e fora do Pavilhão Borges Coutinho (o local da votação) o regresso de Rui Costa no próprio dia das eleições, em especial ao final da tarde e nas horas em que mais gente ia votar. Não se sabe se foi determinante, mas pode ter direccionado o voto de parte dos indecisos. E Vale e Azevedo ganhou então as eleições mais participadas de sempre (19.824 votantes) com 51,5 por cento dos votos, contra 46,9 de Luís Tadeu, uma diferença curta. Vale e Azevedo (Graeme Souness), Abílio Rodrigues (Bobby Robson) e Luís Tadeu (Richard Møller-Nielsen) apostaram ainda em três treinadores para convencer os sócios.Manuel Vilarinho foi agora buscar as "armas" que o seu adversário utilizou em 1997: ligou-se ao último treinador campeão no Benfica, Toni, e fala na contratação da promessa brasileira Roger, de Hugo Leal e, surpresa geral, de Mário Jardel, o ex-homem-golo do FC Porto nos últimos anos. Jardel não é Figo, mas o jogador do Galatasaray tem forte cotação em Portugal e vem, certamente, influenciar as eleições de hoje. A incógnita é que ninguém sabe até que ponto.Vale tentou até agora prescindir dessas ajudas, mostrando grande confiança num julgamento positivo do seu mandato, preferindo responder com a renovação de contrato de Mawete, Bruno Aguiar, Diogo Luís, Geraldo e Nuno Abreu, dentro da sua nova filosofia de construir um plantel com a prata da casa. Vale mostrava assim aos adeptos que uma coisa é a campanha e a outra a realidade do clube (crise financeira) e a sua gestão rigorosa. Resistiu até ontem, o que pode ser interpretado como um indicador de que Vale não tem a certeza da recondução no cargo. Abel Xavier (Everton) e Doriva (já esteve no FC Porto e agora é do Celta de Vigo) são as suas apostas para combater o efeito Jardel, mas não é, apesar do valor dos jogadores, uma resposta à medida do grande trunfo de Vilarinho, que garante entregar cem mil contos ao clube caso o negócio do Jardel não se concretize.A seu favor, Vale e Azevedo tem as sondagens publicadas até ontem. Vilarinho tem conquistado terreno - começou "a perder" com apenas 32,1 por cento contra 42,7 de Vale ("O Jogo" de 4 de Outubro) -, mas nunca esteve na frente. O "Record" de 17 de Outubro também expressou essa tendência e de forma mais radical: 63 por cento para Vale, 29 por cento para Vilarinho. As edições de ontem dos jornais desportivos "A Bola" (47,4 por cento para Vale, 44,1 por cento para Vilarinho) e "O Jogo" (49,2 por cento contra 42,2 por cento) confirmam a "pole position" de Vale. Os dois candidatos votam à hora do almoço - Vilarinho (12h30) e Vale (13h00) -, num acto eleitoral que começa às 10h00 e acaba às 24h00. Espera-se uma afluência elevada e, como muita gente vota pela hora do jantar, foi alargado o período de votação em duas horas. A franja de eleitores que vai decidir quem ganha serão os que têm 20 votos (todos os que têm mais de dez anos de sócio - do número 1 ao 38.258). Os sócios entre o número 38.259 e 72.517 têm direito a cinco votos (entre cinco a dez anos de filiação), enquanto os que se situam entre o número 72.518 e 97.663 têm um voto (um a cinco anos de filiação). Os restantes - com menos de um ano de sócio - não votam. Os benfiquistas vão escolher entre dois estilos bastante opostos. Vale afirma-se como o candidato da continuidade e da estabilidade, fazendo questão de enfatizar que está a recuperar o Benfica da quase falência financeira e que, se sair, a situação do clube da Luz se vai agravar porque os seus projectos vão parar. Apesar de ser contestado por todos os lados, de o Benfica estar mal desportivamente, do péssimo campeonato que está a fazer, o que o poderia prejudicar nesta fase, e das várias polémicas que atravessaram o seu mandato, o discurso populista de Vale parece continuar a merecer a confiança dos sectores mais populares do clube, do sócio de rua. Manuel Vilarinho chega a candidato depois de passar por várias direcções (Ferreira Queimado, Fernando Martins e Manuel Damásio) e é o único que aceitou defrontar Vale e Azevedo, depois das desistências de Torres Couto e de Manuel Boto e do efémero Guerra Madaleno. Vilarinho tem a virtude de unir os intelectuais do clube, sempre divididos. Por aí, é um candidato do consenso entre as várias tendências. Vilarinho, que acusa o seu opositor de estar a destruir o Benfica, quer regressar ao que chama de passado honesto, às vitórias e títulos no futebol, mas a sua máquina de campanha partiu em desvantagem face ao trabalho de imagem feito repetidamente por Vale. O 32º presidente do Benfica só será conhecido na próxima madrugada.

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