O melhor de Man Ray no Chiado
Obras de Man Ray estão em exposição no Museu do Chiado, em Lisboa. É a colecção do italiano Giorgio Marconi que reúne pintura, objectos, fotografias, desenhos, colagens, escultura de um dos mais importantes artistas do século XX.
A mais completa colecção de obras do artista plástico americano Man Ray (1890-1976) está exposta, a partir das 19h, no Museu do Chiado. Pertence ao galerista e coleccionador italiano Giorgio Marconi, que se encantou por um dos mais importantes artistas do século XX. São mais de 400 obras de pintura, colagem, desenho, escultura, objecto, fotografia, rayograma (técnica fotográfica sem recurso à objectiva), filmes, na maior exposição sobre Man Ray já organizada em Portugal. "A preocupação foi abordar a diversidade de géneros em que Man Ray criou para se ter uma melhor percepção do seu trabalho. Por outro lado, a colecção percorre a quase totalidade da sua obra", segundo Pedro Lapa, director do Museu do Chiado e comissário da exposição em conjunto com o coleccionador. "Um dos aspectos mais relevantes é a forma como um artista que centra a sua obra na primeira metade do século XX antecipa a arte da segunda metade do século, através do recurso a diversos géneros tradicionais, não se centrando num único", adianta.A exposição segue uma linha cronológica, mas agrupa também "determinadas áreas de pesquisa que podem aparecer num momento em que [Man Ray] teve maior empenho nessa linguagem". Não se trata apenas dos diversos géneros artísticos que Man Ray, adepto de uma ampla definição de arte, abordou. Ele era tenaz na invenção de novas linguagens para os meios em que trabalhava, abrindo caminho para aquilo que viria a ser a arte do último quartel do século XX ."O universo referencial dele está já balizado por afirmações pictóricas vanguardistas e por novos media [a fotografia, o cinema] que ganham visibilidade artística. Tem um papel activo na discussão sobre a fotografia ser ou não ser arte", explica Lapa. "O seu trabalho pretende alargar o campo artístico, debruça-se sobre o valor da máquina e da reprodutibilidade da obra. Ele dizia: 'Pinto só aquilo que pode ser pintado e fotografo só aquilo que pode ser fotografado'. A sua obra é a consagração da diversidade de jogos da linguagem e esta atitude transversal tornou-se pioneira para a segunda metade do século XX", conclui.A maioria dos suportes que utilizava são reprodutíveis e na colecção aparecem muitos objectos que não são únicos. É vasta a produção de um dos pioneiros da desconstrução do conceito de originalidade, que era uma ideia central na sua arte."Os 'ready mades' dele eram quase sempre destruídos nas exposições. Foram quase todos refeitos, por vezes em séries de três ou quatro. As colagens perderam-se, na década de 20 teve que fazer serigrafias a partir das originais. Neste contexto a originalidade deixa de fazer sentido."Na fotografia, Man Ray participou na descoberta de novos processos, centrando o seu trabalho na experimentação. O artista que em 1916 aderiu ao Dadaismo, passando em 1924 para o Surrealismo, ao qual permaneceu fiel até ao fim, inventou os rayogramas ("acidentalmente", dizia), técnica que consiste na impressão directa do objecto sobre a película prescindindo da mediação da máquina fotográfica - "a impressão fantasmática do real sem mediação", define Lapa no catálogo. Criou ainda as solarizações e "assemblages", retratou amigos - Duchamp, Picabia (que o terão influenciado), Picasso ou De Chirico -, fotografou festas e acontecimentos sociais para as revistas onde trabalhava."Um mágico subsersivo com tendência para o pragmatismo. Esta pode ser a razão pela qual ele tinha relutância em concordar com a afirmação de Dalí de que a fotografia era 'pura criação do espírito'", disse um dia Wolfgang Kemp. Na pintura procurava a cor sem a mais valia do gesto, como era característico da arte na época. "A força criativa e a expressividade da pintura residem materialmente na cor e na textura do pigmento, nas possibilidades inventivas da forma e no plano liso sobre o qual estes elementos são postos em jogo", defendia.Em Paris, as pinturas fundem-se com a fotografia. "Nem uma pintura nem uma fotografia", cita-o Lapa, que acrescenta: "Foi a forma como provocou os formalismos das vanguradas e os conservadorismos dos públicos enquanto não deixou de desenvolver a actividade de fotógrafo de festas mundanas, reuniões ou moda".Ontem, a exposição ainda não estava montada, mas Lapa conta que termina com o projecto para o álbum "Fifty Faces of Juliet" (1944/51), "de uma importância extrema, porque além de ser desconhecido, é também o único - Juliet [a última mulher de Ray] rasgou os negativos. Tem uma dimensão cinematográfica. Juliet incarna variadíssimas personagens, o que é um pioneirismo de toda a arte dos anos 60 (estou a pensar numa Cindy Sherman)."O cinema também não escapou a Man Ray. São as únicas obras da exposição que não pertencem a Marconi, e aparecem projectados em vídeo. Da fase dadaísta há "Retour à la Raison" ou "Not Poison" - "que lembra Wharol", diz Pedro Lapa -, da fase surrealista constam "Mistére du Chateau" ou "L?Étoi du Mar" e algumas obras experimentais. E há também a ilustração de poemas, como os de Paul Éluard com os desenhos "Les Mains Libres".Em exposição está apenas metade da colecção de Marconi que conta já com mais de 800 obras. E o espaço do museu apenas permitiu que só se expusessem 400. "Expus o que é possivel para o ridículo espaço que é o Museu do Chiado, um espaço absurdo para um Museu Nacional", reclama Pedro Lapa.