A noite do governador George W. Bush
Al Gore e George W. Bush dedicaram o segundo debate à imagem. Para o vice-presidente, os 90 minutos foram uma espécie de acto de contrição, em que, com palavras humildes, pediu desculpa pelos exageros do passado. Para o governador do Texas, a sessão serviu para provar que já sabe pronunciar palavras difíceis e que aprendeu a geografia do mundo. Gore foi modesto. Bush exibicionista. Por norma, os debates são ganhos por quem se mostra mais.
George W. Bush, o governador republicano do Texas que quer ser Presidente dos Estados Unidos, está preocupado. Com a possível "atrofia" das Forças Armadas e com o risco de acordos com países aliados serem "revogados", como disse na quarta-feira à noite, durante o segundo debate com o adversário na corrida à Casa Branca, o democrata Al Gore.Bush não explicou o que ameaça os militares, nem que acordos estão em risco. As frases serviram para mostrar que sabe usar e pronunciar palavras difíceis. O governador que confundia a Eslovénia com a Estónia também fez questão de deixar claro que aprendeu a geografia do mundo. Falou na "Jordânia, Egipto, Arábia Saudita, Kuwait", quando se falou na violência no Médio Oriente. E como que a desafiar os eleitores e os opositores que ainda duvidam da sua capacidade de liderança, disse correctamente o nome do ex-primeiro-ministro da Rússia, Viktor Tchernomirdine.A política externa dominou o segundo debate entre os principais candidatos à Casa Branca. Mas as políticas dos adversários foram menos importantes do que as palavras usadas, ou as poses com que foram ditas. George W. Bush foi exibicionista, porque necessitava de o ser para provar ter sabedoria suficiente para ser Presidente. Al Gore foi modesto e humilde, porque precisava de pedir desculpa à nação. No primeiro debate sustentou argumentos com informação errada e mentiu ao dizer que tinha visitado as zonas devastadas pelos fogos de Verão no Texas. "Na semana passada errei em alguns pormenores e peço desculpa por isso", disse o vice-presidente Gore. Os erros acentuaram a imagem de exagerado do vice-presidente, cujos erros são uma arma para os republicanos.As estratégias obrigatoriamente diferentes dos candidatos resultaram na vitória de George W. Bush no debate. Apesar de a maior parte dos 90 minutos da sessão ter sido dominada pelo tema em que Gore está mais à vontade, a política externa.Bush defendeu a diminuição da presença militar dos Estados Unidos no mundo, dizendo que Washington não pode querer impor o seu modelo político e social ao planeta. Disse que a "humildade" deve pautar a actuação dos EUA e a definição do seu papel no mundo. Deu como exemplo a Rússia, dizendo que deve ser o Presidente Putin a traçar o rumo do país. Gore explicou que os EUA devem intervir quando estiverem em causa os interesses estratégicos de Washington, mas também os "valores da América". Tentou questionar Bush, perguntou se o governador não enviaria tropas em caso de genocídio ou limpeza étnica. Mas, ao recusar responder, Bush matou a polémica à nascença e evitou contradições.George W. Bush disse ainda ser contra intervenções em casos de "nascimento de nações", como aconteceu na Somália. "Quando a missão deixou de ser humanitária para ser de nascimento de nação, falhou", disse o governador do Texas, que também condenou a missão no Haiti, apesar de este ter sido um sucesso. O moderador, Jim Leherer, da televisão pública PBS - que moderou o primeiro debate e fará o mesmo no último, na próxima terça-feira -, perguntou a Bush se o continente africano ficará de fora das prioridades de uma Administração republicana. O governador disse que África tem problemas, mas há outras prioridades: Médio Oriente, Europa, América Central. George W. Bush respondeu às perguntas com um ar calmo e seguro. Al Gore também, mas, sabendo-se a quantidade de informação que tem, esteve apagado. E foi penalizado por isso nos comentários dos analistas, que contudo lhe concederam a vitória na parte do debate sobre assuntos internos.Al Gore atacou o adversário abrindo dúvidas sobre a prestação de Bush como governador do Texas. Disse, por exemplo, que este estado está na cauda da tabela em seguros de saúde para crianças (é o 49º em 50 estados). Mais uma vez, Bush não deu uma resposta alargada. Mas cometeu uma das duas "gaffes" da noite: sugeriu que as crianças saudáveis não precisam de seguros de saúde.O outro erro de Bush passou despercebido a Gore. Falava-se de punição de crimes de ódio (contra a população não branca ou homossexuais) e o vice-presidente lembrou que no Texas um homem negro foi amarrado a uma camioneta e arrastado até à morte.Visivelmente satisfeito, o governador disse que os três criminosos foram condenados à morte. "Não se pode ir mais além do que a pena de morte, só se pode executar esses crápulas e é isso que vamos fazer no estado do Texas", disse Bush, alheio ao facto de só dois dos réus terem recebido a pena capital. Os analistas contra a pena de morte disseram que o sorriso nos lábios do governador do estado onde se executam mais condenados foi "lamentável", mas o tema não é polémico num país onde a maioria continua a ser a favor da pena de morte. Al Gore tentou remendar os erros de há uma semana, que lhe custaram passar novamente para o segundo lugar nas sondagens. Ontem, o novo George W. Bush, que sabe digerir e sintetizar informação complicada, e de imagem conciliadora - "neste momento complicado devemos falar a uma voz", disse sobre a violência no Médio Oriente - estava três pontos à frente, com uma média de 45 por cento das intenções de voto.