Um adeus português
Foram 25 mil as pessoas que se apresentaram quarta-feira no Estádio do Restelo, em Lisboa, para o último adeus aos Smashing Pumpkins. As despedidas não se esgotaram neles, mas abarcaram todo um ciclo da história da música popular que agora se fecha. Crónica de um adeus português.
As cerca de 25 mil pessoas que se apresentaram na noite de quarta-feira no Estádio do Restelo, em Lisboa, não vieram apenas para dizer adeus aos Smashing Pumpkins e a uma das maiores bandas rock que os anos 90 tiveram o prazer de conhecer. Vieram também para depositar a sua coroa de flores diante de todo um ciclo da história da música popular em geral e do rock em particular representado por uma banda cujo percurso se confunde com a súbita ascensão e a posterior queda do rock no decurso da última década. Foram duas horas e meia intensas e saudosistas, a que o público correspondeu com um aceno militante a que não faltou sequer o apelo melancólico de um longo adeus português. Os Smashing Pumpkins acabaram não porque se tornaram vítimas dos seus próprios excessos, mas tão-só porque expirou o prazo de validade das fórmulas sonoras que lhes serviram de modelo. Numa altura em que a atitude rebelde e transgressora típica do rock foi delegada na bravura urbana do hip-hop, Billy Corgan e seus pares enterraram o machado de uma guerra que já não podiam vencer. O espectáculo que prepararam para a digressão de despedida traduziu de forma perfeita essa impotência, e, se há ideia a reter do regresso a Portugal do quarteto do Chicago, é a de que o tempo hoje já não lhes pertence.O concerto foi em traços gerais um apanhado dos onze anos de carreira dos Pumpkins. Quem estava à espera de um alinhamento centrado nos tempos áureos da banda saiu defraudado, uma vez que Billy Corgan (voz e guitarra), James Iha (guitarra), Melissa auf der Maur (baixo) e Jimmy Chamberlin (bateria) optaram por concentrar a sua actuação num presente falido e menos luzidio, em particular no último "MACHINA - the Machines of God". De "Gish" não se ouviu palavra, e de "Siamese Dream" - o álbum que a par de "Dirty" dos Sonic Youth e de "Nevermind" dos Nirvana completou a trilogia dourada do rock no famigerado ano de 1992 - apenas se escutaram "Today", "Disarm" e "Cherub rock", cotando-se como os melhores momentos da noite. Temas como "Everlasting gaze", "Heavy metal machine" e "Try, try, try", de "MACHINA...", "Tonight tonight" e "Bullet with butterfly wings", de "Mellon Collie and the Infinite Sadness", e "Ava Adore", de "Adore", não trouxeram nada de novo, sobretudo para quem havia já assistido a uma das múltiplas anteriores passagens dos Pumpkins por Portugal. Ainda assim, o evidente desequilíbrio de forças no alinhamento foi compensado pela muito voluntariosa faceta comunicativa de Corgan, o careca de feições andróides que na noite de Lisboa foi todo ele simpatia. Billy "The Kid" Corgan, o génio ensimesmado que cometeu a pequena heresia de se ter casado com o seu próprio umbigo, distribuiu sorrisos, mostrou cartazes de culto e devoção que lhe foram oferecidos pelo público e, à entrada para o primeiro "encore", chutou bolas autografadas pela banda para cima da delirante multidão. Hesitante, qual angústia de guarda-redes no momento do "penalty", Corgan chegou a perguntar o que raio era aquilo que lhe tinham posto nas mãos. "Suponho que isto sejam bolas de futebol", disse a dada altura. E acrescentou: "Na América não sabemos o que isto é." "Um tosco na verdadeira acepção da palavra", retorquiu um admirador disfarçado de treinador de bancada. E é bem verdade que o velho Belenenses não precisa de pontas-de-lança assim. Duas horas e meia depois de terem dado à início à longa marcha fúnebre, os Pumpkins encerrariam o concerto com o inevitável "1979", tema em que os quatro elementos da banda - ou o que restou dela - subiram à boca de cena para agradecer a um público que, verdade seja dita, nunca os abandonou. As abóboras murcharam. O rock está moribundo. E Lisboa agradeceu.