Américo Amorim escapa a julgamento
Onze anos depois de iniciado o processo e mais de nove após a primeira acusação do Ministério Público, a Relação do Porto considerou prescritos os crimes de fraude, falsificação de documentos e desvio de subsídios do Fundo Social Europeu, que eram imputados ao empresário Américo Amorim e a dois dos seus gestores. Pelo meio, fica um emaranhado processual que espelha a desigualdade social da justiça.
O Tribunal da Relação do Porto parece ter colocado um ponto final no controverso caso das fraudes com verbas do Fundo Social Europeu (FSE) alegadamente praticadas pelo Grupo Amorim. O tribunal considera que estão totalmente prescritos os crimes de que eram acusados o empresário Américo Amorim e alguns dos seus colaboradores em empresas do grupo, uma decisão que põe fim a um dos casos mais mediáticos da justiça portuguesa, e acaba também ser o espelho fiel do emaranhado de trâmites e decisões em que se enredam os nossos tribunais, que tem permitido que os ricos e poderosos passem ao lado do escrutínio da justiça.O conhecido empresário e dois dos gestores das suas empresas eram acusados da falsificação de documentos, fraude e desvio de subsídios do FSE, num processo em que também a União Europeia se havia constituido como assistente e exigia uma indemnização de 77.750 contos e juros respectivos a contar desde 1987.O caso tem-se arrastado pelos corredores da justiça portuguesa desde 1989, altura em que a Policia Judiciária de Lisboa recebeu uma denúncia anónima. Em Setembro do ano seguinte, o Departamento de Investigação e Acção Penal concluía o inquérito e remetia o caso para o Porto, onde o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra o empresário, dois gestores e seis empresas do grupo com base na utilização, alegadamente fraudulenta, de cerca de meio milhão de contos de subsídios para formação profissional, entre os anos de 1985 e 1988. A acusação baseava-se essencialmente no facto das verbas se destinarem à formação de jovens entre 18 e 25 anos e sem qualificação profissional, sendo que muitos dos incritos nesses cursos eram trabalhadores das empresas do grupo e as mulheres continuavam a executar as tarefas que já antes exerciam nessas empresas. Foi requerida a instrução em Fevereiro de 1991, dando-se então inicio a uma série de incidentes e acidentes de percurso que manteriam o processo pelas prateleiras do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto. Diversos recursos e um conflito de competência territorial - o juíz entendia que o processo deveria ir para Lisboa por ser esse o tribunal competente - fizeram com que só em 1994 se procedessem às primeiras diligências. Uma decisão final haveria de tardar mais de cinco anos, a passagem de cinco magistrados pelo processo, e surge já numa altura em que pairava a ameaça de prescrição por terem decorrido entretanto quase dez anos sobre a prática das alegadas fraudes. A juíza entendia que a acusação do MP era vaga e carecia de suporte factual, além de que parte dos crimes da acusação seriam meras irregularidades, pelo que ordenava o arquivamento do processo.Só em Fevereiro último, ou seja, decorridos mais de cinco anos, é que esta decisão acabaria por ser anulada pela Relação do Porto, que ordenava a pronúncia dos arguidos. Esta acusação surgia, porém, já amputada de todos os crimes relativos aos factos ocorridos antes de 1987, uma consequência dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça entretanto proferidos e que determinaram que o interrogatório do arguído pelo MP não interrompia os prazos de prescrição.Foram entretanto decididos mais alguns recursos, incluindo dois pelo Tribunal Constiticional (TC), mas o julgamento haveria mesmo de iniciar-se em 27 de Abril último. Américo Amorim e os seus gestores ainda se sentaram no banco dos réus, mas a necessidade da análise e consulta de um volumoso conjunto de documentos apresentados pelos seus advogados levaria ao adiamento da audiência para o próximo dia 13 de Novembro.A decisão agora proferida pela Relação do Porto é o resultado de mais um recurso apresentado pela defesa, que defendia que todos os crimes estariam já prescritos à data do despacho de pronúncia, não só porque o prazo deveria ser contado desde a data da aprovação das candidaturas aos subsídios do FSE, e não desde o seu pagamento como alegava a acusação. Entendia também que a decisão da Relação do Porto que ordenava a pronúncia dos arguídos não interrompia o prazo de prescrição, pelo que em qualquer dos casos teriam já passado mais de 10 anos sobre a prática dos factos que suportavam a imputação dos crimes, que estariam, portanto, já prescritos. O MP defendia, igualmente, a tese de que o prazo e contagem da prescição deveria ser suspenso durante o periodo que demorou a decisão do TC, tese que seria contrariada pela defesa, provando que foi precisamente durante esse periodo que foram executadas grande parte das diligências de instrução. Foram estas teses que tiveram vencimento junto dos juízes desembargadores do Porto. O MP estuda agora a hipótese de interpor recurso.