Torne-se perito

Liberdade de expressão derrota Estado português

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português num caso de violação da liberdade de expressão, movido por Vicente Jorge Silva, ex-director do PÚBLICO. O actual director da "Invista" espera que a sua mensagem passe: "A justiça portuguesa esta dessintonizada em relação à sensibilidade europeia no que toca às questões da liberdade de imprensa".

Vicente Jorge Silva, ex-director do PÚBLICO, é o primeiro jornalista português a conseguir a condenação do Estado num caso de violação do direito à liberdade de expressão. O acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem abre uma nova fronteira na relação entre o universo da comunicação social e a forma como a justiça portuguesa a vê. Actualmente director da "Invista", Vicente Jorge Silva reconhece a simbologia da decisão e considera que ela é uma "lição" para os juízes nacionais, habitualmente mais "favoráveis à defesa do bom nome das pessoas do que à latitude do exercício da liberdade de imprensa".A decisão do tribunal de Estrasburgo foi o corolário de uma história que viu a luz do dia em 10 Junho de 1993, num editorial assinado pelo então director do PÚBLICO, Vicente Jorge Silva, sobre a escolha como candidato do CDS-PP à Câmara de Lisboa, Silva Resende, ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol. O tribunal seleccionou as passagens "litigiosas" do texto de Vicente Jorge Silva, que se fazia acompanhar de uma selecção de excertos de considerações escritas pelo punho do próprio Silva Resende, na qualidade de director do jornal "Jornal do Dia" (ver fac-símile). Vicente Jorge Silva escreveu, segundo o acórdão, "Manuel Monteiro não foi capaz de ultrapassar a mais grosseira das caricaturas (...) e a prova aí está na impensável escolha da direcção do CDS para encabeçar a lista do partido à presidência da câmara de Lisboa". "Nem nas arcas mais arqueológicas e bafientas do salazarismo seria possível desencantar um candidato ideologicamente mais grotesco e boçal, uma mistura tão inacreditável de reaccionarismo alarve, sacristanismo fascista e anti-semitismo ordinário", acrescentava. Silva Resende não apreciou os termos do editorial.Foi no mesmo dia da publicação do editorial que Silva Resende anunciou ir processar Vicente Jorge Silva por abuso de liberdade de imprensa, acusação que o Tribunal Criminal de Lisboa não reconheceu, por entender que "as expressões em causa devem ser interpretadas como uma crítica ao pensamento político e não à reputação ou ao comportamento" do queixoso. Um entendimento oposto ao do Tribunal da Relação, para onde Silva Resende recorreu. A Relação considerou que expressões tipo "grotesco", "boçal" ou "grosseiro" não passavam de simples "insultos que ultrapassavam os limites da liberdade de expressão". O ex-director do PÚBLICO apelou ainda ao Tribunal Constitucional no sentido de obter a declaração de inconstitucionalidade desta decisão, mas viu o seu recurso rejeitado. Foi aí que o processo chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, perante o qual Vicente Jorge Silva defendeu que o seu texto, que admitiu ser "violento e provocador", era justificado à luz "do carácter igualmente violento da ideologia política da pessoa visada". A decisão da Relação, concluía Vicente Jorge Silva, era "uma forma clara de intimidação dos jornalistas por via judicial que é incompatível com o artigo 10º da Convenção" dos Direitos do Homem que regula a liberdade de expressão e de opinião. O Tribunal Europeu concordou. E ao fazê-lo abriu um precedente histórico na conduta do Estado português em matéria de liberdade de expressão. Portugal foi condenado a pagar 480 contos para cobrir as indemnizações pagas e cerca de mil e setecentos contos para cobrir as despesas do queixoso relativas à sua defesa.Vicente Jorge Silva confessava-se ontem "feliz" com o acórdão do tribunal de Estrasburgo e esperançado em que a justiça portuguesa saiba retirar as devidas ilações quando "faz a ponderação entre a importância do bom nome das pessoas e as fronteiras da liberdade de expressão". Sem querer defender "a irresponsabilização dos jornalistas", o director da "Invista" entende que a justiça nacional está "dessintonizada em relação à europeia" e que "o universo da comunicação social possui matérias que são ainda bastante estranhas à cultura judicial". Francisco Teixeira da Mota, advogado de Vicente Jorge Silva, comunga da mesma opinião. A decisão de Estrasburgo veio, em seu entender, "chamar a atenção para o facto de, em Portugal, existir uma certa magistratura que tem uma maior identificação com a política do que com a opinião pública, representada nos jornalistas", situação que leva a que "se valorize mais o bom nome das pessoas do que o primado da liberdade de expressão". Liberdade esta que, como refere o acórdão do Tribunal Europeu, deve permitir "algum excesso e até mesmo o erro". A guerra Vicente Jorge Silva/Silva Resende parece estar longe de acabar: "Há que lembrar esta coisa chocante que é o facto de Silva Resende ser hoje provedor do leitor do jornal "Record", insistia ontem. "Choca-me que os jornalistas deste jornal aceitem ter como provedor uma criatura xenófoba, que apoia Le Pen e é antidemocrático militante", conclui.

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