Perseguidos por Atlanta

É bem possível que os portugueses Miguel Maia e João Brenha tenham perdido ontem a medalha de bronze do torneio olímpico de voleibol de praia mesmo antes do início da partida decisiva. A derrota nas meias-finais, frente aos norte-americanos, deixou muitas marcas e uma tremenda recordação: Atlanta.

João Brenha começou por pagar as despesas da dupla, enquanto Miguel Maia tardava a recuperar do desgosto. Foi um final de amarguras, após dois "sets" disputados sob chuva e vento forte, ganhos pelos alemães Jörg Ahmann e Axel Hager, nonos classificados há quatro anos em Atlanta, por 12-9 e 12-6. Tal como em Atlanta, de novo o bronze a fugir à dupla portuguesa, que se quedou no quarto lugar do torneio olímpico de voleibol de praia.Depois de receber um forte abraço do chefe da missão, Marques da Silva, João Brenha parecia que já trazia as palavras na boca prontas a lançar: "Este quarto lugar e a perda da medalha foi em tudo igual a Atlanta. Igualzinho. Foi o pior que nos poderia ter acontecido. Se tivéssemos sido afastados mais cedo teria sido melhor do que deixar escapar as medalhas desta forma."Os portugueses, que tiveram uma carreira brilhante em Bondi Beach, eliminando sucessivamente as duplas austríaca, argentina e suíça, viram-se na perspectiva de conquistar um lugar na final, mas acabaram por ser relegados pelos norte-americanos Blanton e Fonoimoana - que horas depois conquistaram a medalha de ouro ante os brasileiros Zé Marco e Ricardo - para o jogo da medalha de consolação. Uma derrota que os deixou desconsolados e visivelmente abatidos. João Brenha e Miguel Maia não recuperaram, apesar dos esforços feitos pelos restantes elementos da delegação, que na aldeia olímpica tudo fizeram para lhes devolver a confiança e a auto-estima. E os alemães, pelo que lhes fora visto ao longo do torneio, e pela forma fácil como foram derrotados pelos brasileiros, pareciam aos portugueses presa mais fácil que qualquer outra.A manhã em Bondi Beach, na madrugada de Portugal, foi a pior de todo o torneio, com chuva ininterrupta e vento forte. A temperatura não passou dos 15 graus e havia muito mais humidade no ar que o habitual. Brenha disse que preferiria jogar com sol, mas confessou que as condições atmosféricas em nada influenciaram as suas exibições. "Não foi por isso que perdemos, pois eles jogaram bem e nós não", disse o voleibolista, que prosseguiu em discurso recheado de lamentos: "O quarto lugar é um bom lugar, mas para quem esteve tão perto de chegar ao ouro ou à prata, acaba por ser muito mau. Perdemos a nossa segunda oportunidade da carreira. Acho que em Atlanta perdi a oportunidade da minha vida. Agora só eu é que sei o que passei nestes dois dias. Quem está lá dentro [no campo] é que sabe o que é perder uma final olímpica."Continuava a chover, mesmo sob as bancadas do estádio, no local conhecido por zona mista, onde jornalistas e jogadores trocam impressões, e os sons da festa que brasileiros e norte-americanos iam fazendo como prelúdio da final agudizavam ainda mais o abatimento anímico de João Brenha. A dupla Maia/Brenha não foi igual a si mesma, não mostrou a determinação e a garra que se lhes viu antes, não realizou aquelas jogadas que costumam fazer levantar a assistência, e acabou por cometer demasiados erros não forçados. Brenha explicou que os alemães jogaram bem, mas logo de seguida falou em "injustiça", como se tivesse a certeza de que tinham valor suficiente para conquistar, no mínimo, a medalha de bronze: "Estávamos mais animados que há quatro anos, mas era muito difícil dizer até onde poderíamos ter chegado. Sentimos até alguma raiva e alguma injustiça no que nos estava a acontecer. Se houvesse justiça, não teríamos perdido como perdemos em Atlanta. É ingrato. Não é pelo quarto lugar, é pela perda da medalha. É ingrato."Brenha despediu-se, com passo lento e olhar perdido, condescendendo a respeito de alguma carência de moralização para a partida decisiva: "Pensei muito nos paralelismos com Atlanta." Era a deixa para Miguel Maia: "É tudo igual a Atlanta, e é doloroso. Eles jogaram bem, e não sei o que vos [aos jornalistas] diga mais. Sei que todo o país gostaria que tivéssemos conquistado esta medalha, e ontem ainda tentámos compor as coisas, mas as mazelas que estavam cá dentro eram muito profundas. Não tivemos capacidade de resposta. Mesmo que não quiséssemos, vinha-nos sempre à memória o que sucedeu há quatro anos, apesar das pessoas que nos rodearam terem feito tudo para nos ajudar a dar a volta."No exterior do recinto, só mesmo as colegas Maria José Schuller e Cristina Pereira. Haveria mais alguém espalhado pelo estádio, tal como sucedeu dias antes com alguns nadadores, o velejador Gustavo Lima, a canoísta Florence Ferreira e o floretista João Gomes. Outros poderão por lá ter passado, mas também faltou aos portugueses o apoio que os alemães não negaram à sua dupla. Estranho, no mínimo, quando a maioria da delegação já terminou as suas competições, e quando só hoje começam a regressar a Portugal, deixando entender que, salvo algumas excepções, a missão funciona de forma sectorial, e não como um todo que deveria ser.Não como sucede com os brasileiros, onde os atletas se misturam com os turistas olímpicos, ou como sucedeu com os norte-americanos, com o medalha de prata dos 400m agarrado aos pescoços de Blanton e de Fonoimoana, os novos campeões olímpicos. Schuller estava lá e garantiu que foram feitos os possíveis para animar a dupla, mas também disse compreender que os atletas "sabem como ninguém o que é perder uma medalha olímpica". "Eles estão a sentir-se como os piores jogadores do mundo, ainda que tivessem feito um excelente torneio, mas neste último jogo não estiveram no seu melhor. É o peso da responsabilidade e algo que lhes vai no interior que não conseguiam atirar cá para fora", acrescentou a jogadora. Para os portugueses, a medalha de bronze ficou enterrada na areia.Horas depois, a festa deixou de ser brasileira. Recolheram-as as bandeiras e guardaram-se os bombos, transferindo-se o apoio para os outros voleibolistas ainda em prova no pavilhão. Zé Marco e Ricardo Santos perderam os dois "sets" por 12-11 e 12-9, garantindo os norte-americanos o segundo título olímpico consecutivo, embora em Atlanta os vencedores tenham sido Kiraly e Steffes.

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