O segredo do canto das aves
Os colibris, papagaios e pássaros canoros, apesar de evolutivamente distantes, utilizam as mesmas estruturas cerebrais quando aprendem a cantar - uma capacidade rara que aparece apenas nestas três ordens de aves. Este tipo de aprendizagem vocal é semelhante à que ocorre nos seres humanos, e os cientistas acreditam que a Mãe Natureza tem um conjunto base de instruções com que premeia os animais destinados a aprender a cantar.
Reproduzir os cantos ensinados pelos pais é algo que apenas algumas aves são capazes de fazer, como o colibri. O que os cientistas descobriram agora é que, no cérebro deste pequeno pássaro (aqui reproduzido numa aguarela do ornitólogo Louis Agassiz Fuertes), há regiões específicas que controlam o canto. E mais do que isso, encontraram estruturas semelhantes no cérebro de outras aves que cometem a mesma proeza: apesar de pertencerem a ordens diferentes, evolutivamente distantes, o sininho cerebral também é activado nos papagaios e nos pássaros canoros.Os colibris já de si são uns pássaros intrigantes, com um variado conjunto de características especiais: conseguem voar para trás, vêem no ultra-violeta, têm taxas metabólicas muito elevadas e uma razão mais elevada do que o normal entre o tamanho do corpo e do cérebro. Para além de tudo isto, estes pequenos pássaros exibem uma diversidade admirável de vocalizações específicas e, tal como os humanos ou os cetáceos, desenvolveram a rara capacidade de aprender sons diferentes, por imitação dos animais mais velhos.No Brasil existe um verdadeiro museu vivo numa reserva natural de floresta tropical atlântica, no estado de Espírito Santo, que tem atraído a atenção de investigadores de todo o mundo, com os seus 1700 exemplares de colibris (ou beija-flor, como são conhecidos no Brasil). Investigadores norte-americanos e brasileiros juntaram esforços para observar ali estes pássaros no seu habitat natural, utilizando binóculos e câmaras de vídeo e áudio. Depois do reconhecimento no terreno, foram escolhidos para a experiência três ramos muito apreciados pelas aves escolhidas, onde se colocaram armadilhas para as capturar em três momentos cruciais: em silêncio, a ouvir e a ouvir e a cantar.Sacrificados sem demora, os cérebros dos animais foram tratados de modo a detectar a expressão de um gene que permite ver quando é que certas zonas são activadas em resposta a estímulos ou comportamentos. "É como se uma lâmpada se acendesse, quando o animal canta", explicou ao PÚBLICO Jacques Vielliard, autor do trabalho agora publicado na revista científica "Nature". Com este método, os cientistas descobriram que, durante a "performance", sete regiões do cérebro frontal dos colibris estão activas, o que constitui a primeira demonstração anatómica e funcional de núcleos cerebrais ligados ao canto nestes animais. Todas estas regiões têm, nos tecidos, características distintas, que permitiram identificá-las nas diferentes espécies de colibris examinadas, com idades filogenéticas diferentes.Este trabalho vem proporcionar aos investigadores um mapa cerebral para futuras investigações. Para já, descobriu-se que, quando os papagaios ou os pássaros canoros (os mais evoluídos e com um canto mais variado) reproduzem os sons que aprenderam com os companheiros, são activadas as mesmas subdivisões do cérebro, apesar destes animais pertencerem a ordens de aves filogeneticamente afastadas. Em termos evolutivos, é levantada a questão sobre se há um antepassado comum, ou se os diferentes animais aprenderam a cantar de forma independente. Erich Jarvis, outro dos autores do trabalho, acredita que os resultados favorecem esta última explicação e aponta outro exemplo de evolução independente: as asas nos pterossauros, morcegos e aves.Jarvis continua a defesa da sua tese, explicando que "deverá haver uma interacção entre o ambiente e o cérebro, de tal modo que a Mãe Natureza dá instruções para o desenvolvimento de estruturas no cérebro que permitem um comportamento tão complexo como a aprendizagem dos sons". Nos mamíferos, também só alguns animais, como a maioria dos primatas, os morcegos, as baleias e os golfinhos, têm capacidade de reproduzir os sons que aprenderam, e não aqueles que cada espécie conhece de forma inata. Os sons inatos, imprimidos na herança genética, utilizam fenómenos cerebrais mais simples e, como não há aprendizagem, não são activados os mesmo núcleos por onde passa o impulso nervoso que corresponde aos trinados mais evoluídos. Segundo Jacques Veillard, nos primatas o mecanismo é semelhante, e a complexidade da linguagem está relacionada com a estrutura do cérebro.