Olavo I da Noruega, o viking fogoso

Alma de guerreiro e ávido de poder, Olavo prefere a espada ao comércio, em que os vikings são exímios. Vinte e sete anos de exílio e de vida errante forjam-lhe a têmpera do monarca orgulhoso e intrépido que se tornou. E que pôs toda a sua energia ao serviço da conversão dos seus.

Nas florestas da Noruega, uma jovem rainha refugia-se com alguns fiéis. Astrid foge dos que acabaram de lhe matar o marido, o rei Tryggvi. Diz-se dela, em antigo normando - a sua língua - que "não está só". Com efeito, Astrid espera um filho. Instalam-na numa ilha, no meio de um lago e ao abrigo dos perseguidores. É aqui que dará à luz um rapaz, no início do Verão de 968.Nesta era viking, não era raro alguns recém-nascidos indesejados serem "expostos" nos caminhos. Semelhante infelicidade não poderá atingir este filho de rei. A mãe asperge-o de água para assinalar a sua entrada no clã. É um rito imprescindível numa sociedade profundamente votada à família. "Nada pode abafar o parentesco", diz um provérbio escandinavo. Astrid dará ao filho o nome de Olavo, como seu avô. Olavo Tryggvason, ou "filho de Tryggvi", porque os vikings - como ainda hoje na Islândia - ignoram os "apelidos": as crianças contentam-se com o nome do pai acrescentado ao primeiro nome. Mas Olavo só existirá verdadeiramente aos olhos de todos no dia em que puder "recitar" a sua linhagem: "Sou Olavo, filho de Tryggvi, neto de Olavo, bisneto de Haraldo, o da Bela Cabeleira..." Astrid continua em fuga, de preferência durante a noite. A floresta e os juncos protegem-na. Os inimigos continuam no seu encalço na região de Vik, o fiorde da Oslo actual. Esconde-se durante alguns meses em casa de seu pai e prossegue para leste até alcançar a Suécia, onde é acolhida por um amigo. O pequeno Olavo tem três invernos de idade quando Astrid decide embarcar para a Rússia, onde vive um dos irmãos. Durante a viagem são atacados por bandidos. Olavo é arrancado à mãe e, em seguida, vendido como escravo em troca de um belo capote. Passará seis anos na Estónia, em casa de uma família adoptiva, que o trata bem. Num dia de mercado, um estrangeiro de passagem, ricamente escoltado, repara nele: é o irmão de Astrid, em viagem por esta região vassala em representação do grande príncipe russo Vladimiro. O tio da Rússia compra Olavo e leva-o consigo para Novgorod.Há três séculos que os vikings - sobretudo os suecos - percorrem a "rota do Leste" que liga o golfo de Riga a Bizâncio através da actual Odessa, utilizando a rede de rios e de lagos. Sobem o Volga, descem o Dniepre e, para transpor os rápidos, levam os barcos em pranchas rolantes ou, mais frequentemente até, às costas. No último século, muitos deles estabeleceram-se nas planícies eslavas. Teriam sido chamados pelos próprios habitantes para disciplinar uma região demasiado turbulenta? "O nosso país é vasto e rico, mas não reina nele a ordem. Vinde governar-nos e reinar sobre nós", escreverá mais tarde o monge e cronista Nestor. Chamaram-lhes "rus", um termo seguramente germânico que significa "o povo ruivo": serão eles quem dará o nome ao país de adopção. Posteriormente, tornaram-se "varegues" - do antigo normando, "povo que transporta mercadorias" - e serviam, sob esse nome, como mercenários em Constantinopla. Fizeram de Novgorod (a 'Nova Fortaleza') uma feitoria, a que chamaram Holmgardr, e impulsionaram o desenvolvimento de Kiev, futura capital de um jovem Estado unificado, a Rússia.Quando Olavo chega à Rússia, com nove anos de idade, os vikings, em minoria nas cidades e ausentes dos campos, estão praticamente integrados na sociedade eslava. A criança é apresentada na corte. Vladimiro e uma das suas cinco mulheres, Allogia, tomam-se de amizade por ele, que se tornará um dos chefes do exército real. Poderoso e popular junto dos seus homens, acaba por suscitar invejas. O rei mostra-lhe má cara e ele prefere partir. Aliás, como confessa à rainha, a ambição incita-o a ir ao encontro dos "países do Norte", onde o destino o aguarda. Tem apenas dezoito invernos de idade e é, nessa época, segundo o seu biógrafo e autor de sagas islandês Snorri Sturluson, nem sempre meigo com ele, "o mais belo, o maior e o mais forte dos homens". Tem o porte altivo dos rus descritos pelo diplomata árabe Ibn Fadhlan: "Nunca vi corpos mais perfeitos do que os deles. Pela estatura, dir-se-iam palmeiras." Criado ao ar livre, enrijado pelo frio, Olavo é um desportista de marca. Aprendeu a nadar, a esquiar, a cavalgar, a caçar e a combater. Está pronto para a acção. Vogando para oeste através do Báltico - na época um verdadeiro lago viking -, Olavo repara numa ilha ao largo da Suécia e em seguida, conta a lenda, numa frase de lacónica violência: "Desembarcou e fez uma razia." Em poucas palavras, fica tudo dito sobre uma das famosas e fulminantes incursões que aterrorizarão a Europa Ocidental durante mais de dois séculos. Trata-se, diz-se em antigo normando, de partir "i vikingu", "em expedição viking", de "fazer uma invasão", de "atacar a margem". A táctica é praticamente sempre a mesma: ancoram os barcos numa pequena ilha, perto de um estuário e não longe de uma cidade rica ou de uma abadia. No momento propício - um dia de feira ou de festa -, atacam, a galope em cavalos que trazem com eles ou pilhados. Saqueiam, matam, levam consigo escravos e queimam o mais que podem para desencorajar perseguições e ganhar tempo. São os maiores incendiários da Idade Média. Muito bem informados graças a agentes locais, sabem onde e quando atacar, visando o tesouro da igreja ou a cripta do mosteiro. Finda a operação, voltam rapidamente a embarcar com o saque e os prisioneiros, animais e homens à mistura.Os autores de "scaldes", poemas cheios de metáforas e perífrases, exaltam as proezas dos vikings: "As aves pernaltas da batalha sobrevoavam as coortes de mortos/ O lobo lacerava as carnes e vagas de sangue iam quebrar-se contra os bicos dos corvos." Serão eles predadores piores do que os seus rivais "bárbaros", os sarracenos ou os húngaros? "De modo nenhum", responde o historiador Régis Boyer. "São muito pouco numerosos. A sociedade deles não possui nem milícia nem exército regular. Aliás, a língua que falam não tem um termo para designar a guerra, apenas referindo a não-paz. Os vikings não lutam de forma organizada. São mestres em ataques-surpresa." Todo o viking é, acima de tudo, um comerciante particularmente arguto e um excelente navegador. A sua primeira preocupação é enriquecer. Deixa o país em Junho, tendo depois um Verão inteiro pela frente para fazer fortuna. É mercador por definição, guerreiro por circunstância e mercenário de ocasião. Este audacioso e decidido caixeiro-viajante combate pelo dinheiro. Como se lê numa inscrição sueca: "Audaciosamente partiu e riquezas ganhou." Tem numa das mãos uma espada afiada e na outra uma engenhosa balança para pesar a prata cujos pratos se encaixam e que guarda num saco de couro. Consoante as circunstâncias, o viking usa a balança ou a arma - negociando ou pilhando, trocando ou capturando.Alma de guerreiro e ávido de poder, Olavo prefere a espada ao comércio. A espada e, também, o machado de punho comprido, a lança, o arco e as flechas. Ao longo de sete anos, não cessará de batalhar e pilar, quer por sua conta quer como mercenário. Desviado da Suécia por uma tempestade, desembarca na região de Vendes, a Pomerânia actual, que o príncipe da Polónia, Mieszko, tenta subjugar. Olavo desposa a filha dele, Geira, e ajuda-o a dominar a região rebelde. A morte de sua mulher, três anos mais tarde, incita-o a voltar a partir para ocidente, onde combate com renovado ardor. "Ele abate sem descanso a carcaça dos saxões", diz um poema, e faz correr "o sangue escuro de numerosos frísios". Olavo aproa agora "a oeste, para lá do mar", que é como quem diz direito à Grã-Bretanha, onde ataca o Kent e o Sussex.Nesta altura os vikings intensificam as incursões contra a Inglaterra. Por razões várias. Durante dois séculos, tinham enriquecido na rota do Leste, negociando com o mundo muçulmano. Este período fasto chega ao fim com o esgotamento gradual das minas de prata do califado de Badgad, o que retrai o afluxo de moeda árabe. O declínio das trocas comerciais com o Oriente e a consolidação do Estado russo tornam as pilhagens mais perigosas e menos lucrativas. A Inglaterra transforma-se em presa tanto mais apetecível quanto está, há quarenta anos, nas mãos de um rei fraco, Ethelred, o Irreflectido.Um dos mais belos poemas em inglês arcaico narra, do lado dos vencidos, "a batalha de Maldon", em que Olavo venceu, em 991, no Essex, o valoroso Brythnot, chefe dos saxões do Leste. Este é morto logo nos primeiros assaltos; um velho guerreiro faz então um discurso heróico e vão: "O nosso príncipe tombou, retalhado em pedaços, o bravo jaz na poeira. Não partirei. Quero, junto dele, tão amado, repousar." Os vikings levam consigo a cabeça de Brythnot, em sinal de vitória. E, mais importante, Olavo impõe aos ingleses um método de chantagem inaugurado contra os reis francos mais de um século atrás e actualmente muito aperfeiçoado - o Danegeld, "o dinheiro dos dinamarqueses", um tributo que ele exige como pagamento para partir. Extorque a Ethelred uma verdadeira fortuna: 22 mil libras - dez toneladas nessa época - de prata sob a forma de moedas, pratos, copos, broches, lingotes e pulseiras, arrancadas às igrejas e aos proprietários de terras, muitos dos quais ficarão arruinados. Esta política de compra da paz irá sangrar a Inglaterra e acabará por empobrecer a economia do Ocidente. O dinheiro extorquido financiará novos ataques dos vikings, esquecidos das suas promessas.Olavo continua a combater aqui e ali na região, das Hébridas à Irlanda, do Cumberland à Escócia. Os poetas narram os seus feitos, que lhes incendeiam as metáforas: Olavo fomenta "a tempestade dos venábulos", arrasta consigo "bosques de teixos", desencadeia "a enxurrada dos gládios", "o jogo dos estoques", e vence "tempestades de metal", durante as quais "as lanças cantam" e as espadas se assemelham a "juncos de sangue", "alhos porros vermelhos". Terminada a batalha, chega a hora dos corvos: "As gaivotas das feridas tiveram de beber no mar." Nas ilhas Scilly, onde retempera forças no termo dos combates, Olavo encontra um eremita. O homem prediz-lhe que será "um excelente rei" e que "trará muita gente à fé e ao baptismo". Entretanto, acrescenta, será traído, ferido e far-se-á baptizar, logo que fique curado. A profecia realiza-se e Olavo pedirá o baptismo. Segundo os anais ingleses, que narram de uma outra forma a conversão de Olavo ao cristianismo, o rei Ethelred serve de padrinho e oferece-lhe presentes durante uma cerimónia grandiosa em Andover: "Olavo prometeu-lhe então, e aliás cumpriu, nunca mais trazer a guerra a Inglaterra."Olavo torna a casar-se, com Gyda, a irmã de um rei escandinavo da Irlanda. É aí que se encontra quando, em 994, o conde Hakon e seu filho Eric esmagam, em Hjörungavagr, os vikings de Jomsborg, uma comunidade instalada no delta do Vístula. Olavo fica vivamente interessado no assunto, pois Hakon é o chefe de uma antiga dinastia dos Hladir que controla o Trondelag, no Norte da Noruega. Uma velha hostilidade opõe as linhagens de ambos. Olavo quer bater-se com aquele homem poderoso que constitui um obstáculo no percurso real com que há tanto sonha. Decide embarcar para a Noruega. Determinado a convertê-la ao cristianismo, leva consigo o bispo João Sigvardr e o padre flamengo Thangbrandr. Navega para norte, faz escala nas Hébridas e em seguida nas Órcadas e pisa, pela primeira vez, o solo do seu país, onde logo manda rezar uma missa, numa tenda. Tem então 27 anos. Vinte e sete anos de exílio e de vida errante. O confronto com Hakon não tarda. Quando de um combate naval, Olav despedaça o crânio do filho de Hakon com a cana do seu leme. Traído pelos seus, que se vão juntar a Olavo e o elegem rei, Hakon é degolado por um escravo e a sua cabeça será cravada num poste. Olavo tem agora de legalizar a tomada do poder. Porque os vikings, incendiários e pilhadores em terra alheia, são, na sua terra, homens extremamente organizados, apaixonados pelo direito e pela lei, que tomam por um dom divino. Herdaram esta crença dos antigos germanos, cujo deus supremo, Tyr, sacrificou a mão direita para garantir a ordem do mundo nos termos de um contrato inviolável. Esta crença no carácter sagrado do direito legitima a vingança, que repara as afrontas feitas aos Poderes que vivem em cada homem. Ela justifica a severidade das punições da justiça. "Os adúlteros eram enforcados ou esmagados sob os cascos dos cavalos", conta uma narrativa imbuída de uma boa dose de lenda, "os incendiários queimados na fogueira, os parricidas pendurados pelos pés junto de um lobo vivo também assim suspenso; os que se rebelavam contra o poder eram despedaçados pelos cavalos ou arrastados por um touro selvagem até que a morte chegasse."A lei viking é elaborada e proclamada numa assembleia pública extraordinária, o "thing", em que participam todos os "boendr", os camponeses-pescadores-proprietários livres. O "thing" é o centro nevrálgico da sociedade viking. É lá que são tomadas todas as decisões colectivas de natureza legislativa, jurídica ou comercial, é lá que se encontram parentes afastados, que se casam as filhas e se pagam as dívidas. E, no caso dos antigos escandinavos, é lá que se elege o rei, o "konungr", escolhido pelas virtudes da linhagem. É içado ao cimo de uma pedra sagrada e espera-se dele a garantia de "um ano fecundo" e de "paz". Se fracassar, é enforcado ou imolado. Olavo terá sido eleito rei da Noruega pelo "thing" em Junho de 995. Depois, escreve Snorri Sturluson, "percorreu todo o país e subjugou-o". Na realidade, as coisas não foram assim tão simples.Exclusivo PÚBLICO/"Le Monde"Amanhã: O pirata que se fez rei e cristão

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