Empresa de fermentos em risco de encerrar
A tolerância da Câmara de Matosinhos para com a empresa de fermentos Gist-Brocades acabou. Há anos a lançar os seus efluentes no porto de Leixões sem qualquer tratamento, a empresa tem vivido em total impunidade. A negligência da fábrica vai ao ponto de um responsável chegar a justificar a situação, dizendo que "o esgoto não se vê, anda por baixo da terra".
A Câmara Municipal de Matosinhos não terá mais contemplações com a empresa holandesa produtora de fermentos Gist-Brocades, que há 52 anos está instalada na Rua Heróis de França, voltada para a marginal da cidade actualmente em renovação. Aquela unidade industrial desrespeitou o prazo estabelecido pela autarquia para apresentar "um plano credível", estipulado para o final do mês de Junho, que apontasse para a resolução do problema do tratamento e despejos dos efluentes que produz. "Teimosamente, a empresa continua a ignorar os nossos apelos e a desrespeitar as mais básicas normas ambientais", referiu ao PÚBLICO o vereador do pelouro do Ambiente de Matosinhos, Guilherme Pinto. Esgotada que está a via do diálogo, o vereador mostra-se intransigente: ou a Gist-Brocades cumpre a lei, ou "terá de encerrar".Face às afirmações feitas pelo vereador Guilherme Pinto, o director ambiental da Gist-Brocades, Rangel da Fonseca, deu a mão à palmatória: "Realmente estamos um bocadinho atrasados", confessa, "mas já temos os estudos necessários prontos, precisamos apenas de decidir o projecto de engenharia até ao fim do Verão, para então desenharmos a instalação de um sistema de tratamento de efluentes." Ao ouvir as desculpas da companhia holandesa, Guilherme Pinto foi categórico: "Isso já dizem há muito tempo, é o costume. Não podemos esperar mais. O próximo passo será contactar todas as instâncias que têm de se pronunciar sobre as normas de funcionamento e o próprio licenciamento da fábrica".Para fazer as contas à quantidade de efluentes com que Matosinhos se debate diariamente, há que adicionar ao esgoto produzido pelos 180 mil habitantes - actualmente encaminhado para a rede de drenagem e tratamento que culmina na Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), em Leça da Palmeira - aquele que resulta da laboração da Gist-Brocades, e que é debitado, sem qualquer tipo de tratamento, directamente nas águas do porto de Leixões. Os números são impressionantes: aquela unidade emite o equivalente ao esgoto produzido por 320 a 370 mil habitantes. Ou seja, praticamente o dobro da população de Matosinhos.No entanto, os números complicam-se ainda mais ao saber-se que a composição destas descargas industriais não é compatível com o sistema de tratamento municipal. O tipo de compostos que resultam da fabricação de fermentos exige um pré-tratamento dentro da própria empresa antes do lançamento do esgoto industrial para a rede pública, coisa que não é feita nem está em vias de começar a acontecer. A Gist-Brocades ainda não apresentou às entidades responsáveis pelo seu licenciamento - Câmara Municipal e Direcção Regional de Ambiente e Recursos Naturais (DRARN) do Norte - um único esboço do já mais do que solicitado programa para tratamento e descarga de efluentes. "Reiteradamente temos solicitado à empresa que se adapte e encontre uma solução para os seus efluentes, seja fazendo o pré-tratamento seja outra qualquer, desde que cumpra com as normas ambientais", lembra Guilherme Pinto. E é justamente essa adaptação que Rangel da Fonseca considera difícil e, sobretudo, lenta. "No início, éramos uma zona exclusivamente industrial. Hoje estamos no meio de casinhas e temos que nos adequar à nova situação. Já concluímos no ano passado uma acção para diminuir os cheiros e os ruídos, na qual gastámos 55 mil contos. Partiremos agora para a terceira etapa, a dos efluentes", explica Rangel. Mas qual foi o critério usado para se dar prioridade a estes dois factores em detrimento dos efluentes? A resposta do director da Gist-Brocades foi tão simples quanto espantosa: "O esgoto não se vê, anda por baixo da terra." *com Andreia Soares