Febre escultórica no litoral
Diversas esculturas e monumentos estão a ser colocados em pontos estratégicos dos concelhos de Vila do Conde e da Póvoa de Varzim. Trata-se de um esforço das respectivas autarquias no sentido de perpetuar a memória das gentes e ofícios locais. Ou mais uma razão para as duas cidades darem um novo alento a uma rivalidade secular.
Os magotes de banhistas que, por esta altura, se dirigem às praias da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde passam por diversos monumentos ou figuras escultóricas com que as respectivas Câmaras Municipais foram, nos últimos anos, polvilhando os espaços públicos. No afã de chegar ao areal, a maioria dos visitantes nem sequer abranda, mas há vários pontos que merecem um desvio do olhar. Nem que seja como um simples tributo aos autores.A entrada em Vila do Conde é premonitória. Na mesma linha recta encontram-se quatro monumentos recentes. Na via que liga o nó do IC1 à praia das Caxinas, o visitante depara com um "monumento ao desporto" colocado no miolo da rotunda que distribui o trânsito para o estádio do Rio Ave, para o Pavilhão Municipal ou para a zona onde será construída a Academia de Ténis. A peça, da autoria de Carlos Barreira, foi inaugurada pelo ministro dos Desportos, Fernando Gomes (natural de Vila do Conde), no passado dia 24 de Dezembro. Tem um pêndulo de vários metros de altura e, na base, uma coroa de louros. Na mesma altura, surgiram, a poente, mais dois monumentos no centro de outras tantas rotundas: uma peça feita por João Cutileiro relativa às "origens de Vila do Conde" e um trabalho subordinado à "Educação e ao Professor", de Jaime Azinheira, nas imediações das escolas Frei João e José Régio. Já no final da Avenida Júlio/Saúl Dias, em pleno lugar das Caxinas, onde sobrevive o maior núcleo piscatório do norte, ressalta o tributo aos pescadores, através de um monumento figurativo, inaugurado em 1994 e efectuado por três artistas locais, todos irmãos: Ramiro, Eduardo e Carlos Bompastor.Numa zona mais interior da cidade, numa estátua esculpida em 1984 por António Duarte, perdura a memória de José Régio, nome grande das letras portuguesas que nasceu em Vila do Conde. Um pouco mais a sul, no cais das Lavandeiras, no dealbar da margem direita do rio Ave, repousa o monumento à rendilheira, executado por Ilídio Fontes, em 1993. Não se esquece assim que ali é a terra das famosas rendas de bilros, arte de reconhecida destreza.O presidente da Câmara de Vila do Conde, Mário Almeida, ressalva que "sempre que possível e aconselhável" a autarquia recorre à colocação de monumentos que "perpetuem a memória de Vila do Conde e das suas gentes". Por isso, a modificação da Praça das Descobertas está a ser feita por José Rodrigues e vai ser estreada no último trimestre deste ano. Além de outros aspectos, destaca-se um relógio solar cuja haste penetra no rio. No futuro, no miolo de uma das rotundas a construir na Estrada Nacional 13, na zona sul do concelho, vai ser edificado um monumento ao agricultor.A entrada da Póvoa de Varzim também tem três rotundas, mas só na última, já na Avenida Vasco da Gama, aparece o primeiro monumento a preencher o respectivo interior. É, no entanto, dos mais significativos: presta homenagem "ás gentes da Póvoa" e foi feito pelo escultor Rui Anahory, em 1995. Dois anos depois, o mesmo autor elaborou um trabalho que designou de "Doble de três" e que está colocado na rotunda que existe no final da avenida. A peça integrou o conjunto de trabalhos que resultaram de um simpósio de escultura em granito e ferro que reuniu, em 1997, na praça de touros, sete artistas em plena laboração - Xurxo Oro Claro, Rui Anahory, Carlos Marques, Carlos Barreira, Antonino Mendes, Alípio Pinto e Manuel Patinha. Este último "modelou" uma peça que intitulou de "Marreca" e que está plantada no centro da rotunda do porto de pesca. Mas os restantes cinco trabalhos encontram-se nos armazéns da Câmara Municipal a aguardar que os responsáveis autárquicos definam os espaços públicos onde devem ser colocados. Uma situação que se arrasta há dois anos. O presidente da edilidade, Macedo Vieira, justificou que as peças "não foram encomendadas" e, como tal, vão sendo colocadas em função de "novos locais, mas sempre de forma enquadrada". A autarquia tem ainda, na gaveta, as peças: "Homenagem aos homens do mar da Póvoa", do galego Oro Claro; "A porta proibida" de António Mendes; "Eco II" de Alípio Pinto; a peça de Carlos Marques (que tem gravada a ideia: "O ritual da separação das águas celebra-se na convocação da saudade. Era então que os mágicos juntavam o povo e a alquimia da exaltação fluía") e "Com peso e medida " de Carlos Barreira, a de maior dimensão. Em 1997, um trabalho expressivo de Jaime Azinheira dedicado "Às mulheres do mar" passou a ocupar uma área recuperada no interior do porto de pesca. Quase em frente, no ano anterior, já tinha sido inaugurado o "monumento a S. Pedro" feito, em bronze, por Rui Anahory. No futuro, a curto prazo, Macedo Vieira prevê a colocação de um monumento dedicado ao pescador, após o arranjo paisagístico do interior do porto de pesca. E, na sequência da remodelação da Praça 5 de Outubro, vai surgir também um monumento dedicado a uma das actividades balneares. "A cidade deve ter uma componente artística que traduza a gratidão a pessoas, entidades ou que preserve a memória colectiva", justificou Vieira. Póvoa de Varzim e Vila do Conde configuram um caso raro de apego e equidistância. É verdade que alguns dos habitantes das duas localidades, sobretudo os mais tradicionais, gostam de conservar em ebulição uma rivalidade antiga e, nas conversas mais ou menos públicas, recusam-se a aceitar que o desenvolvimento tem atenuado as diferenças entre as duas cidades. Mas, geograficamente, as duas urbes não podem estar mais ligadas. Não há zona rural, freguesia, ou altercação que permita a demarcação exacta da linha que separa as duas cidades. Ou seja, com alguma benevolência, é possível olhar para a Póvoa e Vila do Conde como uma grande massa urbana. Nesse contexto, ao ter -seestabelecido, de forma aleatória, um percurso de alguns trabalhos escultóricos, não se procurou dirimir, em qualidade ou quantidade, as diferenças que as duas cidades possam, noutras circunstâncias, reclamar. A viagem efectuada pelo PÚBLICO não foi sequer um levantamento exaustivo das peças existentes, mas tão só um olhar para o lado...