Morreu Walter Matthau
Foi uma das partes de um estranho "casal" formado com Jack Lemmon. Em vários filmes, Billy Wilder permitiu que espreitássemos a sua intimidade. Walter Matthau morreu ontem. Tinha 79 anos.
Com uma carreira de meio século de filmes, vários ataques cardíacos e outras doenças, o actor norte-americano Walter Matthau não resistiu ao último desafio do coração: transportando ontem de urgência para o hospital Saint John, em Santa Monica, morreu algumas horas mais tarde, anunciou a Reuters, citando o canal televisivo CNN. Walter Matthau tinha 79 anos.Nascido a 1 de Outubro de 1920, no seio de uma família de pobres emigrantes russos judeus (o seu nome verdadeiro era Walter Matuschanskavasky), passou, nos filmes, de vilão a comediante com o mesmo rosto lúgubre - consoante o registo, isso ora despertava sensações de repulsa ora era a carta de apresentação de um adorável rezingão. Como ele disse, "com uma cara como a minha, só podia ser, em Hollywood, ou vilão ou comediante". Foi as duas coisas no cinema, meio em que se estreou tarde, em 1955. Antes, houve o teatro (a Broadway) e a televisão, percursos que o ex-vendedor de bebidas (nos teatros judeus, onde, aos 11 anos, ia conseguindo alguns papéis nas peças), ex-instrutor de boxe para polícias ou ex-treinador de basquetebol foi construindo passo a passo."The Kentruckian", realizado por Burt Lancaster, inicia então a década de vilões (ou bêbados) no grande ecrã, em filmes como "A Face in the Crowd", de Elia Kazan (57) ou "Charade", de Stanley Donen (63). Foi então que, em 1965, fez na Broadway o comentador desportivo de "The Odd Couple", papel escrito para ele por Neil Simon, e a sua carreira sofreu uma viragem, dando lugar ao Walter Matthau comediante. Hollywood descobria um rosto que já parecia cansado, gasto, mas que se revelava fonte de inesgotável plasticidade - como ele disse, tendo crescido numa zona dura de Nova Iorque, o Lower East Side, "aprendemos muito sobre a vida, os músculos faciais são sujeitos a muitos esticões e não esquecem isso, que nos pode servir muito bem para a nossa profissão de actor".Juntando a isso um sentido de "timing" elaboradíssimo, iria nascer, um ano depois, em "The Fortune Cookie", de Billy Wilder, uma "persona" cinematográfica que permitia o reconhecimento no ecrã do "homem comum", resmungão, desmazelado, "docemente deprimido", como alguém escreveu. "Não pareço um actor", disse Matthau numa entrevista. "Podia ser uma pessoa qualquer, desde um porteiro de casa de banho a um executivo. As pessoas olham para mim nas ruas e perguntam: 'Quem é este tipo? Será que estive na tropa com ele?'". Visto de outra maneira, por um crítico americano: "A câmara e os espectadores adoravam a sua cara, da mesma maneira que um 'cocker spaniel' adora um velho sofá: é confortavelmente familiar e inspira confiança".Em "The Fortune Cookie" Matthau interpretava um advogado sem escrúpulos, ao lado de Jack Lemmon, que fazia de seu cunhado. Matthau receberia o Óscar de melhor actor secundário (e tinha nesse ano o seu primeiro ataque cardíaco), e iniciava com Lemmon, seu amigo para toda a vida, um jogo imparável de cumplicidades, pequenas traições e perversidades como se formassem um verdadeiro "casal (im)perfeito". A dupla iria servir de base a várias maldades de Billy Wilder, em filmes como "The Odd Couple" (68), versão cinematográfica da peça de Neil Simon, "The Front Page" (74) ou "Buddy Buddy" (81). O "casal" foi tão marcante (Wilder ia filmando o progressivo envelhecimento dos dois actores, a crispação das várias excentricidades, como se nos permitisse espreitar a vida íntima de um casal), que em anos mais recentes vários filmes tentaram reproduzir a fórmula, sem nunca chegarem aos abismos da perversidade de Wilder: "Grumpy Old Men" (93) - ano em que Matthau foi hospitalizado com uma penumonia dupla -, "Grumpier Old Men" (95) - ano em que lhe removeram um tumor do cólon - ou "The Odd Couple II" (98).Nos anos 70 o seu prestígio era enorme, participando em obras como "Hello Dolly", de Gene Kelly, ao lado de Barbra Streisand, "Cactus Flower", de Gene Saks, com Ingrid Bergman, "Terramoto", de Mark Robson ou "California Suite", de Herbert Ross. Mas, fora do controle de Wilder, o único cineasta que aproveitou Matthau foi Roman Polanski em "Piratas" (86), o regresso impossível a um género, o filme de aventuras (e "Piratas" parecia um filme em decomposição), um ano antes do italiano Roberto Benigni, anos antes da sua fama, ter mostrado a sua admiração por ele, convidando-o para "O Pequeno Diabo".A última vez que vimos no grande ecrã este jogador inveterado (diz-se que chegava a perder várias centenas de milhares de dólares em duas semanas) foi rodeado de mulheres, em "Hanging Up", filme deste ano de Diane Keaton, ao lado de Meg Ryan e Lisa Kudrow.